Um tango à beira do abismo
O que esperar do Brasil de Bolsonaro. Moro e Paulo Guedes?
Professor Titular de Teorias da Comunicação, pesquisador, autor de livros sobre Comunicação e Democracia, Wilson Gomes, é o que se pode chamar de um intelectual público. Suas análises não se limitam ao ambiente das Instituições de Ensino e Pesquisa.
Usuário intensivo das redes sociais, fez do facebook e do twitter, a grande arena para debater questões como a crise da representação ou as encruzilhadas da democracia em tempos de redes sociais digitais.
Seus posts com pitadas de humor e, às vezes, polêmica atingem milhares de compartilhamentos, curtidas e não, raro, são alvos de ataques de haters. Wilson parece se divertir, mas, para ele, o ativismo digital é coisa séria. “Pouca gente está falando sobre democracia nesses espaços. Alguns intelectuais rejeitam esses ambientes (digitais) por considerá-los muito degenerados, mas, é neles que o jogo político está acontecendo”, disse em palestra na Universidade Federal do Pará, durante o Encontro de Pesquisa em Comunicação na Amazônia (Epca).
Após a palestra, Gomes conversou com nossa editora Rita Soares. No bate papo, o atual momento político brasileiro, fake news e o futuro do jornalismo.
AMZ | O tema da sua palestra foi “um tango à beira do abismo”. Estamos prestes a cair nele?
Wilson Gomes | O grande dilema eleitoral, nos últimos meses, era: será que o Bolsonaro é uma ameaça para a Democracia? Estamos neste momento vivendo o paradigma de normalização da candidatura de Bolsonaro. Parte daquilo que é a administração do novo governo, até agora, parece apontar para normalização. Parte do governo que se refere a Paulo Guedes (futuro superministro da Fazenda, do Planejamento e, possivelmente, da Indústria e Comércio) parece apontar para um governo neoliberal e neoconservador.
A parte do governo Sergio Moro parece, também, uma forma de frear os impulsos contra o Estado de Direito. A parte que fica por conta do bolsonarismo é a ‘Escola sem Partido’, esses embaixadores com ideias malucas e conspiratórias como se nós estivéssemos as vésperas da Guerra Fria... E isso, sim, é assustador. Incluindo aí o discurso de humilhação, de desrespeito às minorias. E a maior parte do governo será ocupada por militares. Ninguém sabe como essa combinação química com tantos componentes mais diversificados vai reagir ano que vem.
AMZ | Como as instituições vão reagir?
Wilson Gomes | Com relação à intervenção nas Universidades, o Supremo Tribunal Federal teve uma posição forte pra firmar que a liberdade de cátedra é um valor que deve ser preservado. Há muitas incógnitas. De que maneira esse governo vai lidar com as instituições? Será um governo ultraconservador? O governo ultraconservador vai se chocar com a parte neoliberal? A parte neoliberal vai se chocar contra a Lei e Ordem de Moro (juiz Sérgio Moro, indicado para o Ministério da Justiça)?
AMZ | A pauta ultraconservadora tem encontrado apoio em uma ampla parcela da sociedade...
Wilson Gomes | É uma ampla parcela da sociedade, mas não é a maioria da sociedade. O bolsonarismo é algo em torno de 20% dos eleitores e são os que defendem essa pauta ultraconservadora contra direitos, a favor da bala, da guerra cultural. Não acho que a maior parte dos votos do Bolsonaro foi de fascistas. Foi, na verdade de antipetistas. O antipetismo foi hospedeiro dessa pauta ultraconservadora. É claro que é muito importante saber que 20% das pessoas podem apoiar uma pauta como a da ‘Escola sem Partido’ e outras pautas autoritárias da guerra cultural. Mas, eles não são maioria.
Bolsonaro teve apoios como dos neoliberais porque estes têm a esperança de que ele implante um governo neoliberal... Ou de outras pessoas que odeiam o PT, mas não significa que, necessariamente, apoiem acabar com a liberdade de cátedra, por exemplo.
AMZ | O senhor tem se referido aos hiperparticipantes. Como é o perfil desse novo eleitor?
Wilson Gomes | Eu sou de uma geração de pesquisadores que reclamava da pouca participação política. Nós tínhamos governos eleitos, mundo afora, por menos de 30% da população e havia cada vez menos gente interessada em política. A gente dizia que tinha menos gente jogando, mais gente assistindo e mais gente do lado de fora do estádio. Aconteceu uma virada e, de repente, todo mundo resolveu jogar, sem necessariamente ter-se preparado para isso. Achava-se que mais participação significaria mais democracia. E esse é o paradoxo que estamos vivendo nesse momento em termos políticos. A participação, de fato, não contribuiu para um ambiente político saudável. As pessoas estão com mais raiva no coração do que intenção de salvar a democracia, proteger as minorias ou defender direitos.
AMZ | A gente tem falado muito em fake news e, muitas delas, são compartilhadas por pessoas com alta escolaridade e bem-informadas. Como explicar esse fenômeno?
Wilson Gomes | Por causa do viés de autoafirmação. Compartilha-se notícias falsas porque isso é importante para apaziguar o nosso coração, a nossa fé, para confirmar que não estamos sozinhos e para ganhar debates sem ter razão. Se outras pessoas dizem que estou certo, então eu estou certo. Se todo mundo no meu grupo está espalhando uma determinada fake news que reforça nossas convicções, então vou espalhar também. É melhor estar errados do que estar sozinhos.
AMZ | O jornalismo sobrevive ao WhatsApp?
Wilson Gomes | Sim. O jornalismo é necessário. Mais que nunca. Mas, para sobreviver, precisa tratar as coisas com mais complexidade. É preciso melhorar a formação dos jornalistas. Não a formação que está prevista no currículo de ter mais tempo de redação, mais horas de televisão, coisas desse tipo. Tem que se melhorar a formação em Teoria Política, Teoria Democrática, estudar Direito Constitucional... Precisamos de mais informação para compreender um mundo cada vez mais complicado e apresentá-lo na sua complexidade ao leitor. O jornalista precisa estar apto para compreender o mundo e, para isso, não é preciso simplesmente mais técnica jornalística, mas o domínio complexo de informações que só uma formação de alto padrão pode dar.