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Vencer a evasão escolar pós-pandemia é desafio para jovens e adultos no Pará

Muitos dos que estavam tentando retomar estudos acabaram, durante a pandemia, voltando a abandonar as aulas para tentar trabalhar

João Paulo Jussara / O Liberal
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A pandemia de covid-19 agravou problemas sociais que já eram graves no Brasil, e a educação foi uma das áreas mais afetadas. Segundo o Instituto Datafolha, 8,4% dos estudantes com idade entre 6 e 34 anos matriculados antes da pandemia abandonaram a escola. O percentual representa cerca de 4 milhões de pessoas, mais do que a população do Uruguai. Desses, 80% são alunos do ensino público. Os dados foram destaque do relatório “Covid-19 e direitos humanos no Brasil: caminhos e desafios para uma recuperação justa“, da Anistia Internacional, divulgado na última semana.

O relatório aponta que os principais motivos apontados pelos estudantes para largarem os estudos foram dificuldades financeiras, interrupção das atividades pedagógicas e falta de planejamento de ensino à distância, além da falta de acesso aos dispositivos para a educação remota. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontam que mais de 1,8 milhões de alunos não possuem equipamentos eletrônicos para estudar, e cerca de 6 milhões carecem de acesso à internet.

A titular da Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Belém (Semec), Márcia Bittencourt, afirma que o problema da evasão escolar foi agravado, também, na capital paraense, desde o início da pandemia. "É um dado real, muitas crianças saíram de Belém e voltaram para o interior com os pais. Muitas estão órfãs e deixaram a escola porque têm que sobreviver, comer, e estão indo buscar a materialidade da vida, que é matar a fome", comentou.

Para tentar combater a evasão escolar, a Semec iniciou uma parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) para fazer uma busca por estudantes que deixaram de estudar durante a pandemia e rematriculá-los. "Este ano nós vamos passar dois meses neste processo, fazendo uma busca ativa das crianças nos bairros, por distrito, priorizando as crianças com deficiência, em um trabalho integrado para que cada criança esteja na escola em Belém", disse Márcia Bittencourt.

Para a titular da Semec, um dos principais desafios para recuperar a educação no pós-pandemia é a saúde física e mental dos estudantes. Ela revelou que, somente em 2021, três alunos do ensino municipal público cometeram suicídio em Belém. Por conta disso, a secretaria fez um processo seletivo para contratar psicólogos e assistentes sociais para fazer o acompanhamento psicológico dos alunos.

Outro desafio é a volta segura ao ensino presencial, que vem ocorrendo de maneira gradativa. "Precisamos voltar com segurança de continuar as atividades escolares. Esse é um ponto fundamental, que requer essa inteligência integrada e cuidado com as pessoas", declarou. "Cuidar dos professores, que já é uma classe adoecida, pela carga de trabalho e precarização que existe dentro das escolas. Mas cuidar também dos alunos, para que eles consigam estudar".

Estudantes largaram a escola para começar a trabalhar

Para além da falta de estrutura tecnológica, muitos estudantes vivem em situação domiciliar precária e, sem a alimentação oferecida nas escolas, sofrem de insegurança alimentar. Alguns precisaram trocar os estudos pelo trabalho para conseguir se alimentar. Carlos Alberto Ferreira tem 60 anos e hoje vive em situação de rua e é atendido pelo Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop), da Fundação Papa João XIII (Funpapa).

Ele conta que parou de estudar na terceira série do ensino fundamental para começar a trabalhar capinando terrenos e fazendo outros bicos durante o dia. "Não tive oportunidades de estudar porque eu tinha que colocar comida na mesa. Estudei até a terceira série, e mais trabalhava do que estudava, não ia para as aulas, naquele tempo não dava muito valor ao estudo. Fui parar nas ruas por causa de brigas na família, convivência com mulher que não deu certo, drogas, bebidas", relembra.

Em setembro, ele foi agraciado pelo "Movimento Alfabetiza Belém", projeto da Semec que alfabetizou pessoas em situação de rua a partir do método do educador Paulo Freire, e em pouco mais de dois meses, aprendeu a ler e escrever, junto com outros 19 colegas da mesma turma. Na última quinta-feira (16), ele recebeu o certificado de conclusão do curso pelas mãos do prefeito Edmilson Rodrigues, em uma cerimônia realizada no Centro de Ciências Naturais e Tecnologia (CCNT) da Universidade do Estado do Pará (Uepa).

Agora, Carlos Alberto Ferreira quer concluir os estudos e perseguir o seu grande sonho: se tornar um advogado. "Terminando o curso vou partir para outro, vou me matricular no colégio e, se Deus quiser, eu vou conseguir o que eu quero, que é me formar em Direito e conseguir um futuro melhor", disse, emocionado. "Tem uma frase do Paulo Freire que diz assim: 'A educação não transforma o mundo, a educação muda as pessoas e as pessoas transformam  o mundo'. Isso ficou na minha cabeça, e é uma verdade. Eu vou atrás do meu sonho e não vou desistir. Nunca é tarde pra recomeçar".

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