Brasileiros estão buscando cidadania em país africano ligado à história da escravidão

Um movimento recente tem despertado o interesse de brasileiros e reacendido conexões com o continente africano

Riulen Ropan
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Milhares de afrodescendentes brasileiros e de outras partes do mundo estão de olho no Benin, país da África Ocidental. O motivo é uma lei histórica sancionada em 2024 pelo governo beninense que facilita a obtenção de cidadania para descendentes de pessoas escravizadas durante o tráfico transatlântico. O movimento, que combina a busca por identidade e a reparação histórica, tem forte apelo entre brasileiros, o principal destino dos africanos escravizados entre os séculos 16 e 19. As informações são de uma reportagem publicada pela BBC News Brasil.

A jornada de volta às raízes

A história do consultor de vendas Clayton Muniz Filho, 29 anos, de São Paulo, ilustra essa busca. Neto de uma mulher negra da Bahia, Clayton enfrentou a dificuldade comum da falta de registros de ancestrais, um “apagamento” histórico que atinge a maioria dos descendentes de escravizados no Brasil. Para preencher a lacuna, ele recorreu ao teste de DNA, que revelou que cerca de 30% de sua ancestralidade provém da região onde hoje fica o Benin.

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“Se você é negro, não tem o privilégio de saber sobre sua linhagem, a origem de sua família. Houve um apagamento desses registros ao longo da história”, afirma Clayton.

Ele agora aguarda a resposta do seu pedido de cidadania beninense, vendo o documento como “uma peça de quebra-cabeça” em sua trajetória familiar.

Benin: reparação, turismo e investimento

A medida do governo do Benin vai além do gesto de reconciliação. É vista como parte de uma estratégia de incentivo ao turismo e atração de talentos e investimentos para o país, que possui cerca de 14 milhões de habitantes e tem crescido economicamente, registrando taxa de crescimento real do PIB de 7,5% em 2024.

O Benin, antes conhecido como Reino de Daomé — um dos principais pontos de saída de pessoas escravizadas para as Américas —, busca se reconectar com a diáspora africana.

Figuras de destaque já receberam a cidadania beninense: a filósofa brasileira Sueli Carneiro (fim de 2024) e a cantora americana Ciara (julho de 2025).

Como solicitar a cidadania do Benin

A lei torna elegível qualquer pessoa com mais de 18 anos, não cidadã de outro país africano e com ascendente subsaariano deportado no contexto do tráfico negreiro. A comprovação pode ser feita por meio de documentação histórica ou teste de DNA.

  • Requisito básico: Ter um ascendente subsaariano (região ao sul do Deserto do Saara) deportado no tráfico negreiro. Não é preciso comprovar ligação direta com o Benin;
  • Processo: A solicitação é feita virtualmente pela plataforma My Afro Origins;
  • Custo: Taxa de 100 dólares (cerca de R$ 550,00, a depender da cotação);
  • Prazo: O processo completo leva cerca de três meses.

O papel crucial do teste de DNA

Devido à queima de documentos e à perda de registros históricos — como a ordem de Rui Barbosa em 1890 no Brasil —, a comprovação por meio de certidões e registros é quase impossível para a maioria dos afrodescendentes.

O teste genético (com preço médio de R$ 300 no Brasil) se torna o caminho principal. O exame analisa o DNA e compara a frequência genética com bancos de dados, permitindo identificar as regiões que compartilham marcadores genéticos. Segundo o advogado Alessandro Vieira Braga, contratado por seis brasileiros antes do lançamento do site oficial, todos eles recorreram ao teste genético.

Mais que um passaporte: orgulho cultural

Embora o passaporte brasileiro tenha um ranking global (11º) superior ao beninense (71º) no quesito acesso sem visto, as motivações dos solicitantes são, segundo especialistas, mais filosóficas que práticas.

“É um movimento de volta às origens, uma questão de orgulho cultural e de identificação com o pan-africanismo,” comenta o advogado Alessandro Vieira Braga.

Com a cidadania, os afrodescendentes têm direito a morar no Benin e obter um passaporte, mas só adquirem cidadania plena — com direito a voto — após cinco anos de residência no país.

O elo Brasil-Benin

O Brasil recebeu a maioria dos africanos escravizados. Estima-se que 4,9 milhões de pessoas desembarcaram em cidades como Salvador (BA) e Rio de Janeiro. A influência cultural é visível até hoje, principalmente em Salvador, a capital mais negra do Brasil, onde 83% da população é preta ou parda (Censo IBGE 2022).

O presidente beninense, Patrice Talon, um grande defensor do pan-africanismo, busca estreitar os laços:

  • Conexão aérea: Há negociações para criar um voo direto entre Brasil e Benin, que poderia encurtar a viagem de mais de 20 horas para cerca de 6 horas, possivelmente ligando Salvador ou São Paulo a Cotonou, maior cidade de Benim;
  • Comércio: As trocas comerciais entre os países cresceram 11,4% em 2024, com o Brasil exportando principalmente açúcares e carnes de aves;
  • Cultura: O chef de cozinha brasileiro João Diamante, por exemplo, sentiu-se em casa ao visitar o país, notando a semelhança do akará (nome original do acarajé) com a versão baiana.

Para o sociólogo Alex Vargem, o gesto do Benin toca em “feridas abertas” da escravidão, ajudando a construir a identidade de um grande número de brasileiros. “Só conseguimos evoluir quando sabemos de onde viemos,” resume o chef João Diamante. A demanda por esse reconhecimento é crescente, embora a burocracia e os custos do teste de DNA criem um “primeiro funil” no processo. O número exato de brasileiros que solicitaram a cidadania ainda não foi divulgado pelo governo beninense.

(Riulen Ropan, estagiário de Jornalismo, sob supervisão de Vanessa Pinheiro, editora web de oliberal.com)

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