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“Nosso trabalho é plural!”

Lorena Filgueiras

Às vésperas de completar 32 anos de estrada, a banda Catedral, teve de interromper uma agenda lotada – a da turnê comemorativa –, em função da pandemia do Coronavírus. Morando em Belém há quase 7 anos, Kim Motta, o vocalista do grupo, também tinha planos pessoais (que foram adiados indeterminadamente): estava com uma turnê solo programada. Ele conversou com a Troppo + Mulher sobre a carreira, o futuro da banda – além de ter rememorado momentos muito importantes do grupo, especialmente, quando retiraram o rótulo de gospel de suas músicas (aspecto que contribuiu também para que a banda se tornasse um case, dado o número de discos vendidos ao longo de sua existência: mais de três milhões). Nosso convidado especial desta edição falou ainda do carinho pela terra e de como veio parar no extremo Norte do país.

 

Troppo + Mulher: Kim, em qual momento você decidiu que viveria de música?  

Kim Motta: Sobre a música e eu, é algo que se confunde. Desde muito pequeno, a música está na minha vida. E de uma forma muito natural. Eu era muito pequeno. Muito pequeno mesmo e tinha aquela guitarrinha de plástico e ficava dublando as músicas que eu gostava – principalmente as do Elvis. Isso foi na época em que meu avô era vivo e eu lembro demais. A música sempre teve uma importância muito grande na minha vida. Depois, naturalmente, ela se tornou uma coisa profissional, maior e eu tive que optar, porque também sou psicólogo e cheguei a atuar quando morava no Rio de Janeiro. Mas a música tomou conta de tudo e virou minha profissão. Ela sempre foi parte de mim, está no meu sangue.

 

T+M: Pois então, era o que eu ia te perguntar, como se deu a escolha pela Psicologia?

KM: Aconteceu! [ele ri] Minha família queria que eu fosse médico e até cheguei a passar na Faculdade de Vassouras [no estado do Rio de Janeiro], que era muito famosa à época, mas teve algum problema grave lá, estranho mesmo, relacionado a vagas, acho. Já nem lembro mais. O fato é que eu não quis mais ir. Fiz vestibular de novo, para outra Instituição, e optei por Psicologia. Definitivamente, a Medicina não era pra mim. Eu sequer consigo olhar para sangue! Como é que eu ia fazer Medicina? Foi um livramento que Deus me deu! “Não é a tua, não, cara. Parte pra outra!”. Eu era muito novo, aos 17 anos entrei na faculdade. A carreira na banda começou quando eu tinha de 19 para 20 anos, e foi crescendo, crescendo de maneira muito espontânea. Ainda consegui clinicar durante 4 anos, mas não teve como! Eu já estava recebendo fãs no consultório [ele gargalha]. Eles apareciam no consultório para pedir autógrafo, não para se consultarem! Aí não dá, né? [ele ri de novo]

 

T+M: Que história sensacional! A banda nasceu quase ao mesmo tempo em que estavas na faculdade. Me conta como isso tudo rolou?

KM: A banda nasceu em berço religioso, a Catedral. Mas deixa eu explicar algo: a música, pra mim, sempre foi algo além da religião. Quando eu era novo, principalmente adolescente, participei de vários festivais no meu segundo grau. Hoje seria “ensino médio”. Isso, no Rio de Janeiro. O que acontece: sempre fui presbiteriano, cristão, mas nunca levantei bandeira. A minha ideia de religião sempre foi respeitar as religiões de todas as outras pessoas, até para que elas respeitem no que eu acredito, também. Mas essa formação, especificamente, da Catedral, nasceu dentro da Igreja. Éramos amigos, da Igreja Presbiteriana, formamos uma banda e, três meses depois, já estávamos gravando um LP e a história surgiu daí: dentro da Igreja Presbiteriana.

 

T+M: Como é tua relação, atualmente, com espiritualidade e fé?

KM: A minha religião, hoje, é Deus. Acredito N’Ele, O respeito muito. Acredito em Jesus Cristo, sou cristão. Mas, hoje, prefiro falar disso. Não levanto bandeira de religião alguma.

 

T+M: Aconteceu alguma decepção no meio do caminho da religião? Ou foi uma questão de autoconhecimento?

KM: Foi exatamente isso o que você falou: foi uma questão de ir me conhecendo e conhecendo tudo em volta. Foi uma questão de me sentir mais à vontade e até fortalecer a fé quando se aproxima mais de Deus – não de religiões ou dogmas que são colocador por homens. Então, assim, atualmente minha questão espiritual é até muito mais forte. Sou um cristão muito mais firme, porque me aproximei D’Ele e não da religião. Entende?

T+M: Claramente!

KM: É importante mesmo eu esclarecer, se não isso vira uma polêmica braba e não quero polêmica! [ele gargalha]

 

T+M: Eu entendi perfeitamente! A banda nasceu com o rótulo de pop-rock gospel. Em qual momento, vocês decidiram retirar esse rótulo?

KM: O processo de autoconhecimento e crescimento pessoal aconteceu com a banda também. À medida em que amadurecíamos, percebeu-se que não era preciso ter um rótulo específico, pra um segmento! Não que tenhamos deixado de cantar para quem evangélico, ou quem é católico. Mas a gente notou que se rotulássemos nosso trabalho, delimitaríamos a área da nossa música e ela estava sendo escutada e apreciada por várias outras tribos de pessoas, que temos de respeitar também e que são muito bem-vindas dentro do nosso trabalho! A pluralidade, a banda sempre teve. Tiramos o rótulo para que ela ficasse livre! E esse processo natural rolou em 2000. Desde então, já se foram 20 anos. Há duas décadas, praticamos essa música plural, para todas as pessoas, independentemente de credos e religiões.

 

T+M: Passei o dia de ontem ouvindo as músicas de vocês e a tua voz me lembrou demais a do Renato Russo [cantor brasileiro, vocalista da banda Legião Urbana e que faleceu em 1996]. Até então, não tinha resgatado algumas entrevistas antigas da Catedral, mas vi que algumas também faziam menção à semelhança vocal. Obviamente, que longe de comparar, até porque nem seria respeitoso, essa evocação o incomodou em algum momento? 

KM: Eu, particularmente, acho que minha voz está numa mesma região e aí, por isso, que há essa comparação. Eu não acho que lembre, o grande detalhe é que, na época em que “desrotulamos” nosso trabalho... inclusive, o trabalho que lançamos na época, se chamava “Para todo mundo”, que é bem explicativo, as comparações foram bem pejorativas.

 

T+M: Lamentavelmente. Não deveria ter sido assim.

KM: Eu nunca entendi o motivo. Algumas pessoas ficaram incomodadas com o sucesso da banda e houve muita perseguição à Catedral, dentro dessa percepção e conotação pejorativa. Nunca me incomodei em ser comparado com pessoas que têm talento. Me incomoda o tom pejorativo, até porque eu tenho meu valor e o Renato, o dele. Não questiono isso! Agora um cantor em quem sempre me inspirei e que colaborou muito para isso foi o Elvis, né? Elvis também estava na mesma região vocal. Atualmente, dificilmente, ouço alguém fazer as comparações de outrora – elas são sempre positivas. Veja bem, o Renato nunca foi meu modelo de cantor, mas se as pessoas entendem assim, não há problema algum!

 

T+M: Sua paixão pelo Elvis é tão grande que você chegou a gravar um disco tributo a ele. Quando foi que ela começou?

KM: Eu não diria paixão. Está mais para uma admiração. Há uma romantização muito grande. Costumo dizer que não sou fã, não aquele fã ao ponto de roadie. Mas do Elvis eu sou bem próximo. A música dele toca o meu coração e a voz é muito marcante. Não sei se consciente ou inconscientemente, me espelhei numa voz e interpretação marcantes, além da consistência. Hoje, não se vê muito isso e é algo que me preocupa muito. Elvis, pra mim, sempre foi um cantor acima da média. Digo a todos que tenho uma trindade do canto que é formada pelo Elvis, Frank Sinatra e Nat King Cole. São três que são meus heróis. Tenho outros, como Ray Charles, Steve Wonder. Mas a minha trindade é essa.

 

T+M: Olha, eu sou muito apaixonada pelo Sinatra! Mudando de assunto, a pandemia deixou nossas vidas em suspenso – quais planos da banda foram adiados?

KM: Ah, minha querida, acho que tudo! [ele ri] Adiou tudo, alterou tudo! Foi um ano praticamente perdido e eu só não fico mais triste, porque, tanto eu, quanto minha família inteira, estamos bem e com saúde – isso é o que importa! Eu estava fazendo uma turnê solo, no início do ano, que se estenderia até julho. Só fiz um show dos vinte que estavam programados! E foi no Rio de Janeiro, em 12 de março. Todos os outros tive de cancelar. A turnê da Catedral começaria em julho, assim que terminasse a minha, e também tivemos que cancelar todos, sem previsão de voltar! Tudo o que aconteceu foi muito triste para o mundo, para os músicos e Arte, em geral. Mas temos que entender e vamos esperar até que tudo seja seguro.

 

T+M: Você passou a pandemia em Belém e os outros integrantes, no Rio. Vocês se encontraram virtualmente, ensaiaram?

KM: Eu sou um cantor e minha voz é fundamental. O cuidado que tenho com minha voz, pulmões, diafragma tem que ser muito grande. Eu levei a pandemia muito a sério. Fiquei em isolamento total – não sei se peguei ou não -, mas foram cinco meses em firmes de isolamento. Saí de casa, pela primeira vez, para cortar meu cabelo! [ele gargalha] Antes, minha esposa foi quem o cortou, em casa. As reuniões com a banda ocorreram por vídeo e todos levaram muito a sério. Agora, atualmente, eu acho que fomos vítimas também de uma grande fobia que se instaurou. Acho que há muita coisa envolvida aí. Prefiro até nem falar muito, mas penso que há muitos fatores envolvidos e espero que, em breve, surja a vacina, porque, senão, em breve, as pessoas não terão só problemas com a pandemia. Terão problemas com as sequelas dela!

 

T+M: Qual o maior aprendizado que a pandemia trouxe?

KM: Se depois de tudo que passamos, a gente não aprender a viver melhor, a não valorizar as coisas simples que nos foram tiradas tão abruptamente, é melhor desistir, né? [ele cai na risada]

 

T+M: Kim, pouca gente sabe, mas você mora em Belém. Como foi que você veio parar no extremo Norte do país?

KM: Moro! E já se vão quase 7 anos! Foi o coração, né?! O coração me trouxe até aqui. Aí, já era! Quando ele manda, a gente não pode dizer não! Eu acho Belém uma cidade... bem, há muita coisa para se melhorar, a ser ajustada, mas o povo é maravilhoso! Um povo que recebe muito bem e gostei muito da cidade. Já me sinto em casa!

 

T+M: Dos artistas e sonoridade local, algo te cativou?

KM: O carimbó é um ritmo muito dançante. É interessante e sempre gostei do ritmo. Tenho começado a ouvir algumas coisas e gosto muito do Pinduca. É uma música muito verdadeira. Ah, e não posso deixar de citar a Fafá. “Foi assim” é um dos clássicos mais bonitos da MPB e eu já ouvia muito, lá no Sudeste, antes mesmo de vir para cá. Gosto de ouvir músicas com letras.

 

T+M: Falando no Pinduca, tem aquela música dele que afirma que quem vem ao Pará e toma açaí, fica por aqui...

KM: O açaí é do que mais gosto! Realmente é formidável e o daqui é bem diferente do que é comercializado no Sudeste. Não tem nem comparação!

 

T+M: Qual mensagem final deixa aos teus fãs?

KM: Que se cuidem, a vida é nosso bem mais precioso. Esperamos que tudo isso, em breve, acabe. Que tenham paciência e que fiquem atentos: estrearemos a turnê nova, que se chama “Viagem pelo tempo” e esperamos ficar um ano inteiro fazendo shows. Sentimos falta do público, da interação. Live não dá!

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