Equilíbrio emocional na balança

Lorena Filgueiras

O transtorno bipolar é um distúrbio psiquiátrico, marcado pela brusca mudança de humor. A condição, que é de mais fácil identificação nos dias atuais, causa crises que alternam entre depressão e euforia.

Geraldo Wellington Corrêa da Silva, 42, trabalhou na Urgência e Emergência de um plano de saúde e por ver muitos pacientes em surto chegando lá, sabia exatamente como se comportavam em distintas fases de crise.

Mas precisamos voltar um pouco no tempo para compreender melhor sua história. Aos 12 anos, começaram a aparecer os primeiros indícios de sua condição [transtorno bipolar]: pensamentos destrutivos e suicidas. Como ele estava na adolescência, reconhecidamente uma fase difícil para muitos jovens, o comportamento foi confundido com mudanças hormonais. Já depois de casado e com uma filha pequenina, foi que ele percebeu que havia algo errado, por conta da explosão emocional que teve diante da demora da menina em escovar os dentes. “Falei um monte de palavrões para ela e, posteriormente, fiz o mesmo com minha esposa”. Só então foi que lhe ocorreu que aquilo não era normal. Mas seguiu. A intensidade dos pensamentos destrutivos aumentou e ele decidiu dar um fim em sua vida. Em crise, ele teve um episódio de alucinação e, felizmente, desistiu.

Geraldo buscou ajuda com um psiquiatra e a demora de um diagnóstico certo o fez atravessar inúmeras crises (além de outras tantas condições, já que o médico aventou a possibilidade de esquizofrenia também). Ao final de um tempo, veio o bater do martelo: tratava-se de transtorno bipolar com surtos psicóticos, além de depressão profunda. Nesse ínterim, Geraldo foi rotulado de inúmeras coisas: “monstro, louco, ator”. “O preconceito é enorme”, conta. “O médico pediu que minha filha morasse com minha mãe, na casa ao lado, enquanto iniciava o tratamento. Foi uma das coisas que mais pesou pra mim: ela tinha 6 anos, hoje tem 16 e perdi muitas fases dela. Não a vi andar de bicicleta sem rodinhas”, lamenta. “Nesse período, fiquei quase 8 meses sem sair do meu quarto, no escuro. Minha esposa me dava banho. Parei de comer, de beber água. Minha esposa molhava um algodão com água e passava nos meus lábios. É até muito difícil relembrar essa fase”, rememora.

Mesmo sendo doloroso confrontar algumas épocas de sua vida, nosso entrevistado não esconde sua condição e diz que fala abertamente sobre o tema. “Precisamos desmistificar as coisas em torno do transtorno bipolar, mostrando que mesmo diante de limitações, a gente tá na luta contra meu outro eu. Ouço vozes que me mandam atentar contra minha própria vida”. 

O tratamento o ajudou a se aceitar e, em 2016, ele criou um canal no YouTube para falar sobre a condição. Ainda assim, por ser um mal sem cura, volta e meia, os gatilhos disparam flutuações de humor. “Meu maior embate hoje é a questão financeira. Tenho ajuda da minha mãe e recebo atualmente o auxílio emergencial, que são minhas fontes de renda. Estou no limbo previdenciário. O que me distrai é criar vídeos para o YouTube. Minha esposa está desempregada e começou a fazer alguns vídeos comigo”.

Doença precisa de atenção

A bipolaridade ou transtorno bipolar é uma condição caracterizada por uma oscilação de humor. As pessoas que sofrem desse transtorno vivem, ao longo da vida, alternância entre euforia e irritabilidade. “A fase depressiva é caracterizada por uma tristeza muito grande, falta de perspectivas. Sentimento de culpa, inferioridade e acentuado estado de tristeza, diminuindo a capacidade produtiva e a pessoa tende a ficar mais reclusa, em função da diminuição da força física”, explica o médico psiquiatra e professor de Medicina da UFPA, Bruno Brabo, 30 anos. “A fase eufórica aumenta tanto que a pessoa chega a perder o filtro social, falando demais, pensamentos supervalorizados de si próprio e crises alucinatórias. O que caracteriza o transtorno é oscilar entre esses dois extremos”.

Ele diz que é fundamental que a pessoa busque ajuda. “Nas fases depressivas/melancólicas é muito comum, por conta do quadro de tristeza e perda do sentido do viver, pensamentos e ideações suicidas. Por a pessoa não enxergar perspectivas, acaba pensando que dar cabo à vida é a única solução. Daí a importância de garantir acesso ao tratamento adequado, que vai promover melhora desse estado depressivo e por conseguinte redução do risco tentativas ou atos suicidas. Já nas fases maníacas graves, há uma maior tendência à intensa agitação que pode acabar gerando atos de agressividade verbal ou até mesmo física às pessoas que convivem com quem está sofrendo do quadro”.

Muitos tabus

“O próprio termo bipolar e chamar uma pessoa, que muda de opinião facilmente, de bipolar são pejorativos. ‘De lua’, ‘duas caras’ são popularmente utilizados, mas não se referem aos que sofrem de transtorno de humor bipolar”, diz Brabo. “Por outro lado, tem um tabu muito grande aos que sofrem dessa condição. O estigma é muito grande e é importante que, apesar de ser uma condição pra vida toda, a pessoa precisa fazer um acompanhamento psicológico. Não há cura, mas existe controle adequado. A ideia leiga de bipolaridade atrapalha muito no reconhecimento do problema”.   

“Em termos de números, existem muitas dificuldades metodológicas para se afirmar com precisão, mas estima-se, por estudos populacionais que a prevalência de Transtorno Bipolar acometa entre 1% a 5% da população brasileira”, revela o médico. “Os medicamentos específicos – ou estabilizadores de humor – são utilizados no tratamento. Além da questão medicamentosa, é fundamental que os pacientes contem com apoio psicossocial, encontrado em consultórios de psiquiatras e psicólogos e faz toda a diferença”.

Embora haja uma predisposição orgânica, o médico diz que via de regra os quadros maníacos ou depressivos são desencadeados por eventos muito intensos ou eventos estressores. “A bipolaridade costuma se manifestar no final da adolescência ou no começo da vida adulta, que é justamente quando o sujeito tem que lidar mais diretamente com problemas e desafios”, finaliza, não sem antes alertar que o SUS tem postos de saúde específicos para tratar questões da saúde mental – os CAPs (leia box no final da matéria).

“Houve negação”
O jornalista e escritor Tiago Júlio Martins, 29, anos, procurou um diagnóstico médico, após enfrentar uma crise aguda, em 2013. “Até então, eu resistia muito à ideia de procurar ajuda especializada. Minha mãe é psicóloga e desde muito cedo notou que havia algo fora do lugar comigo, mas eu nunca cedi e ela não poderia me obrigar a buscar tratamento também. Quando recebi o diagnóstico de bipolaridade comecei a me tratar regularmente, com psiquiatra e psicóloga. Minha vida melhorou muito, desde então. Caí e levantei várias vezes, é um aprendizado constante, não podemos perder a vigilância, mas me orgulho hoje de ter superado muitos dos meus desafios, traumas e problemas e levar uma vida ‘normal’, dentro do que a situação atual do mundo permite”, conta.

image Tiago Júlio Martins (Arquivo Pessoal)

Logo que recebeu o diagnóstico, Tiago não quis aceitar o problema. “Não conhecia nada a respeito do Transtorno Bipolar e passei a pesquisar muito sobre o assunto. Foi decisivo esse processo de autodescoberta e autoconhecimento pra que eu pudesse alcançar um equilíbrio. Sou privilegiado, em muitos aspectos, e um deles reside no fato de que sempre tratei minha doença de forma muito natural e espontânea, além de ser cercado por pessoas incríveis e muito afetuosos. O preconceito chegou pouco pra mim, mas sei que esta não é uma realidade pra grande parte dos bipolares”.

Fazendo tratamento com o uso de remédios controlados associados à psicoterapia, o jornalista e escritor está estável há dois anos. “Tomo uma dose reduzida de remédios que não apresentam quase nenhum efeito colateral no meu corpo. Também tenho apoio psicológico para situações específicas em que eu recorro a um amparo e suporte maiores. Eu sou uma pessoa ansiosa por natureza, independentemente da bipolaridade, então situações ansiogênicas e de estresse muito grande podem ser gatilhos pra mim. Porém, como eu disse, errei e aprendi muito nestes 7 anos e agora já sei antecipar e prevenir uma possível nova crise”.

A família, conta ele, foi fundamental (e continua sendo) ao êxito do tratamento. “Além da minha mãe, minha vó, minhas tias, meus amigos, todos me dão um grande apoio e um super incentivo nos momentos mais complicados. Sem essa força toda, eu não conseguiria me reerguer, porque o baque de uma emergência psiquiátrica é muito forte. Essa rede de apoio é essencial para qualquer portador de doença mental. Sozinhos, raramente dados conta de enfrentar desafios tão pesados. Sou eternamente grato a todas e todos”.

Falar sobre o problema foi parte da solução para Tiago. “Administro um projeto chamado ‘Vida De Um Bipolar’, que inicialmente foi criado por uma amiga chamada Marilia Corrêa, que também tem a doença. Apenar no Facebook, a fanpage tem mais de 80.000 seguidores. São quase 3.000 no Instagram. Além disso, escrevi um livro chamado ‘Cabeça Bipolar’, com e-book disponível na Amazon, em que conto toda minha trajetória de vida, incluído a descoberta da doença e as crises. Falar e desabafar sempre me ajudou a encontrar conforto e carinho das pessoas. Como expliquei, trato a doença de forma muito natural e espontânea, de modo que se existe preconceito, discriminação e julgamento, eles devem ser combatidos e rechaçados com informação, esclarecimento e postura consciente”, detalha. 

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