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Educação sexual para todos

Lorena Filgueiras
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Quando se fala em educação sexual, há uma enorme confusão, mas é bom esclarecer: não é apenas sobre sexo que trata. Outros temas e problemas são abordados, que vão desde inseguranças de cada fase, passando por conceitos, até abusos sexuais – por isso é tão importante o diálogo com nossos jovens. Nesta troca, pais e familiares também aprendem muito, como vocês acompanham a partir de agora. 

Recentemente, o caso de uma menina de 10 anos de idade, abusada por um tio desde os 6 anos, parou o Brasil. Grávida, a família da criança conseguiu, na justiça, autorização para interromper a gestação. A pequenina, que teve os dados expostos em rede social por fanáticos de extrema direita, passou pelo procedimento, está bem e deve ser incluída em um programa especial de proteção. Tamanha dor, exposta e escancarada nacional e internacionalmente, traz à tona a necessidade de reforçar os cuidados com crianças e jovens, uma vez que eles são vulneráveis.

Segundo dados divulgados pelo Governo Federal, em maio deste ano, dos 159 mil registros feitos pelo Disque Direitos Humanos, ao longo de 2019, quase 87 mil foram de violações de direitos de crianças ou adolescentes, um aumento de quase 14% em relação a 2018. A violência sexual corresponde a 11% das denúncias que se referem a este grupo específico, equivalendo a aproximadamente 17 mil ocorrências. 

Se os dados já assustavam antes, com a pandemia, as projeções de violência contra crianças aumentaram consideravelmente. A organização não-governamental World Vision estimou, num estudo divulgado em maio passado, que 85 milhões de crianças e adolescentes poderiam ser somadas às vítimas de violência física/emocional/sexual. O isolamento social contribuiria muito para expor essa parcela da população às possibilidades de algum tipo de violência – ou seja, a maioria de casos de violência sexual começa em casa e acaba sendo praticada por adultos que têm o dever legal de proteger a vítima – se não o dever legal, o moral. No Brasil, apenas 10% dos casos de violência chegam ao conhecimento das autoridades.

Informação é defesa e proteção
Por tudo isso é que faz-se tão necessário ter educação sexual na escola e em casa: para muito além do sexo, a abordagem busca empoderar, informar e, principalmente, desmistificar alguns tabus. É o que afirma a professora Renata Sobral, com uma década de atuação na área. “A família cabe também ser orientada. Muitas vezes, eles não têm noção do quão amplo o tema pode ser. Entendo que buscar a parceria entre escola e família seja a melhor forma de promover um trabalho mais amplo e com foco no bem-estar das crianças e jovens.”

Renata diz que casos, como o da criança de 10 anos (sobre o qual falamos no começo desta matéria), e que repercutem na grande mídia, costumam "acender" um alerta. “Normalmente são nesses momentos (e apenas nesses), que a família comenta sobre o assunto com a criança ou adolescente. Compreendo que se faz necessário que esse assunto seja abordado quando possível! Eles crescem, o corpo muda e as dúvidas se ampliam. Então, se a criança já tiver idade suficiente para compreender, sim, [o assunto] precisa ser falado e debatido entre a família”.

Educação entre gerações 
A advogada Marilia Machado Nunes, 38, é mãe de duas meninas, Lara, 6, e Liz, de apenas 3 anos. A educação sexual sempre esteve presente em casa. “Minha mãe conversou comigo. Meu pai era fechado. Tinha vergonha, porém conversava sobre tudo com a minha mãe”, ela diz. E ressalta que a mãe a presenteava com livros sobre o assunto. Tamanha naturalidade e desmistificação foi passada para as suas meninas. “Minha mãe me disse que é desde criança que tem que alertar a respeito desses cuidados. Meu marido é um homem muito alerta, preocupado com isso, e temos um diálogo muito aberto”. 

Como Liz é muito pequenina, Marília utiliza muitos gestos para ensinar à menina que ninguém, se não for a mãe, pode tocar nela. “Digo à Liz que ela só pode sentar no colo do papai ou no meu”. A mais velha, Lara, por ser especial, começou a receber as primeiras orientações aos 4 anos – e ela, desde então, tem compreendido bem.

Em relação à escola, em função da pandemia, Lara, que é a única em idade escolar e em fase de alfabetização, tem estudado com os pais em casa, que se alternam semanalmente, dividindo os afazeres relacionados à educação da primogênita. E a educação sexual se faz presente. “Elas absorvem muito rapidamente. São muito inteligentes. Conversamos muito e elas ouvem atentamente. Sigo alguns sites e páginas a respeito do tema e, sempre que possível, trocamos ideias com alguns amigos. O conselho mais precioso que compartilho é ter diálogo. A criança precisa ter confiança nos pais. Aqui, buscamos ter diálogos e não ser só pai e mãe: queremos ser melhores amigos delas”, finaliza. 

O exemplo transforma
A professora Jaqueline Santos, 36, diz que não teve uma relação aberta com os pais, no que tangia ao tema da sexualidade. “Nem meu pai e minha mãe tiveram essa conversa comigo. Eles nunca sentaram ou me chamaram para conversar sobre a educação sexual. O que aprendi foi na escola, televisão, leitura. Enfim, isso foi angustiante. Descobri sozinha tudo em relação a sexualidade. Tive que ir em busca de informação e o que me ajudou muito foi a escola, as aulas de ciências e biologia”, relembra. “Essa conversa só aconteceu, quando engravidei do meu primeiro filho”. E complementa que a relação com a mãe, naquele momento, mudou totalmente. “Nos aproximamos mais. E ela assumiu que podia ter feito de outra forma, que poderia ter conversado comigo mais e me orientado a respeito. Já com as minhas duas irmãs mais novas, ela já tomou essa postura de conversa e orientar”.

Mãe de dois meninos, João Tiago, 10, e José Pedro, de 3 anos, Jaqueline afirma que a temática é recorrente dentro de casa. “Não sei precisamente o momento em que iniciei essa conversa com o João, mas busquei cuidar e educá-los na base da conversa, do diálogo, para eles sentirem confiança na mãe e falarem o que sente, o que pensam. Enfim, busco conversar bastante com eles, inclusive com o Pedro, meu filho mais novo que tem 3 anos. Falo para eles que ninguém pode e nem deve pegar, tocar neles e que certas partes do corpo eu só podia tocar (no caso do João, pois ele já faz sua higiene corporal sozinho) porque estava cuidando e limpando. Com o Pedro é o mesmo cuidado: digo para ele que não pode deixar ninguém tocar ou mexer no seu corpo, se não for para cuidar e limpá-lo. E se, em algum momento acontecer algo diferente que ele não goste, que ache estranho, ou que se sinta mal, ele deve me falar”. 

Sempre que possível, Jaqueline assiste vídeos educativos com as crianças, além de ter buscado envolver a família na educação dos pequenos. “Todos que participam da educação deles dois também tem essa postura: pai, avós e tias”.

Por conta da pandemia, os meninos estão em casa, tendo aulas on-line. “Estou direto com eles desde março”, diz Jaqueline, que incluiu orientação emocional e educação sexual na rotina de estudos. 

A professora Renata Sobral reconhece que há existem tabus, principalmente com a família, mas na escola a realidade é outra. “Percebemos que esse tema interessa. Normalmente quando inserimos esta temática, os olhares ficam atentos, já que a adolescência é uma fase em que eles começam a sentir interesse nas relações amorosas e sexuais. Acredito que o primeiro passo é abordar e ampliar o conhecimento da família sobre a temática. Posteriormente com os estudantes menores, costumo abordar de forma sutil. Para cada idade é possível tratar de uma forma, perceber o que é mais adequado para cada grupo, normalmente através de desenhos do corpo humano, ampliando o conhecimento sobre o próprio corpo, bem como, a compreensão dos sistemas reprodutores masculino e feminino”, complementa.

Existe idade para se falar sobre o tema?
“A UNESCO possui um documento que dispõe sobre orientações para compreensão do desenvolvimento da sexualidade, que se inicie a conversa a partir dos 5 anos de idade. Mas, acredito que depende muito do interesse do aluno, já que se houver indicação desta criança de indícios de abuso, é importante que esta conversa seja feita antes mesmo dos 5 anos”, aconselha Renata. “É importante que os pais percebam que essa criança ou adolescente, em algum momento, vai ter acesso a informações e orientações sobre a temática, o que pode ser um problema se vier da fonte errada. Então, abafar o assunto não vai resolver. O primeiro passo é ter uma boa relação com seus filhos. Assim, haverá maior abertura para a introdução do tema. Os pais podem escolher assistir filmes com esta proposição junto aos filhos e convidá-los para o diálogo ou até mesmo começar a partir de um noticiário. É importante que a família aborde de forma natural. Se for desta forma, não gerará constrangimento, nem espanto nas relações”.

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