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Ciúme não é afeto e sentimento é muitas vezes confundido com amor

Flávia Ribeiro

Tudo começa como um zelo e atenção, mas que pode ganhar novos contornos e sair do controle. Ciúmes em pequena quantidade, não chega a ser algo ruim ou bom, mas o problema é quando sai do controle – mais ainda quando isso é romantizado ou naturalizado. Sabemos que o excesso de ciúmes pode acontecer tanto entre homens quanto entre mulheres, mas é contra as mulheres que o prejuízo pode der maior.

Romantizar e naturalizar demonstrações de ciúmes pode ser perigoso. A psicóloga Zildinha Sequeira fala que o ciúme tem por base o medo de perder o objeto de amor. “É um sinal de insegurança, de falta de confiança, de medo. Se para os poetas é o perfume do amor, eu acredito que não. O amor cresce em liberdade”, comenta.

O ciúme em si não chega ser um problema se for um sentimento que aparece e some sem causar nenhum tipo de desconforto. E é preciso ter cuidado para não haver confusões em relação ao sentimento: assim como o ciúme não é sinal de amor, a aparente ausência não quer dizer desamor. “Pode ser apenas que a pessoa tenha confiança em si e na relação que está sendo estabelecida. As pessoas consideram que um pouco de ciúme anima a relação. Sinal de amor é cuidado, carinho e compreensão”, afirma Sequeira.

O problema é quando o ciúme passa a ser excessivo ou patológico. “É preciso intervir quando provoca prejuízo, traz sofrimento; quando alguém não permite que o companheiro ou companheira faça algo e quando este deixa de ser quem é para ser o que o outro deseja. O Brasil tem dados alarmantes de feminicídio, então é preciso ter cuidado”, alerta a psicóloga.

Toda a sociedade precisa estar atenta, porque muitas vezes, as mulheres nem percebem o que está acontecendo. Começa com ofensas de ordem moral, com coisas “pequenas”, como um beliscão ou empurrão... mas essas coisas quase sempre ocorrem no privado e, mesmo sendo pequenas, são agressões. “Quem está de fora do relacionamento, se perceber isso, interfira! Agora, quem está no relacionamento, deve-se conversar com o parceiro sempre que se sentir agredida. O amor se faz na amizade, companheirismo e no respeito. Se há abuso físico e emocional, então não há amor. A pessoa também precisa melhorar a autoestima porque não se ama o suficiente e por isso, aceita. É preciso primeiro se amar e se respeitar para depois, amar o próximo”, relata a psicóloga, complementando que o tratamento para essas situações pode ser por meio de psicólogo ou psiquiatra, mas é bom que os dois procurem ajuda, porque o casal precisa de cuidados.

A baixa autoestima, citada pela psicóloga, é uma característica das mulheres em relacionamentos onde há excesso de ciúme do companheiro. “Ele dizia que se terminasse comigo, ninguém ia me querer. Que ninguém ia passar pelo o que ele passava e eu pensei que ninguém ia me querer mesmo. Então, eu precisava segurar quem queria ficar comigo e era ele”, comenta Luana Maria, nome fictício da estudante, que prefere não se identificar.

“É um sinal de insegurança, de falta de confiança, de medo. Se para os poetas é o perfume do amor, eu acredito que não. O amor cresce em liberdade”, da psicóloga Zildinha Sequeira, sobre o ciúme.

image Zildinha Sequeira (Naiara Jinknss)

 

Ela diz que o relacionamento começou quando ambos estavam tentando uma vaga no ensino superior. O casal conseguiu vagas em universidade diferentes. Luana era bolsista em uma faculdade particular, por isso precisava manter a média para não correr o risco de perder a bolsa. Ao contrário dele, que havia passado em uma universidade pública e não sentia a mesma pressão. Ele começou a ir para festas e queria a companhia da namorada, mas nem sempre ela conseguia ir porque tinha os compromissos. “Foi quando começaram as cobranças. Ele dizia que eu estava trocando ele pelo curso. Quando eu conseguia ir às festas, ele ficava muito alegre. Mas quando não conseguia, ele fazia um drama e dizia que eu não gostava dele, que não priorizava o namoro e só priorizava os próprios compromissos, que não se importava se ele estava feliz ou em como ele se sentia sozinho nos lugares”.

Quando a estudante tentava sair sozinha, tinha que ouvir reclamação. “Tipo, por que você está saindo com seus pais e não comigo? Porque você tem sempre tempo para os outros, família, faculdade, mas não para mim? Nada do que eu fazia para ficar com ele era suficiente, ele sempre queria mais, isso começou a me sugar e comecei a adoecer”, analisa Luana, revelando que depois de anos de namoro, mesmo sem se sentir bem, se convenceu de que ele estava certo e que estava me defendendo. 

Mesmo cedendo às exigências do namorado, Luana teve uma revelação desagradável. Uma pessoa da família dele falou que ele a traía. “Apesar da possessividade sobre mim, por trás ficava com outras garotas e comecei a entender que o ciúmes dele era porque ele tinha medo que eu fizesse o mesmo. Fui conversar com ele, e chorou, disse que queriam separar a gente. Ele fazia sempre um jogo para se tornar a vítima”.

Com quase quatro anos de namoro, uma situação fez com que a estudante começasse a se libertar do relacionamento. Ela conta que foram a uma festa. Ele combinou com alguns amigos e ela, com um casal de amigos. “Ele teve que sair porque um amigo estava passando mal. Fiquei só na mesa, quando um amigo dele se apresentou e começou a puxar papo. Eu pensei que ele ia ficar chateado e saí da mesa com os meus amigos, fomos para frente do palco. Não passamos dez minutos lá. Quando voltei, ele já estava na mesa e quando fui falar com ele levei o primeiro empurrão no ombro. Ele perguntou onde eu estava. Eu respondi, mas ele não acreditou. Foi quando deu um tapa na mesa e disse que eu estava traindo ele. Eu neguei e tentei me aproximar, quando ele me deu o segundo empurrão, dizendo que eu tinha me afastado para ficar com outro. Ele estava gritando e eu estava nervosa, mas ninguém se meteu. Uma amiga minha estava esperando o namorado na porta do banheiro, quando ele deu o segundo murro na mesa e partiu para cima de mim. Neste momento, ela apareceu e se colocou no meio. Disse que se ele fosse bater em mim, teria que bater nela também. Neste momento o namorado dela também apareceu. Ela me levou para o canto, eles explicaram para ele tudo o que havia acontecido e me levaram embora. Foi quando parei e pensei: eu quase apanhei hoje. Ia apanhar na frente de todo mundo e ninguém ia se meter. Que todos os murros na mesa, eram para ter sido em mim. Passei a noite em claro, revivendo o que havia acontecido e percebi que não queria aquilo para a minha vida” relata Luana.

O namorado pediu desculpas de novo, mas dessa vez, ela conseguiu se manter firme na decisão. E mesmo depois de anos, as marcas permanecem “Percebi naquele momento, quase com uma agressão física, que não era para ser assim, que aquele relacionamento não era saudável. Fui me afastando dele. Passei a compreender que ciúme não era sinônimo de amor, que não era cuidado. Eu não sabia o que era relacionamento toxico ou abusivo, mas não me sentia bem. Eu passei quase quatro anos com ele, mas precisei de mais dois para me recuperar dele. Hoje me sinto mais forte e queria dizer para as mulheres que não temos que ter medo de dizer ‘eu não quero isso, não aceito isso’. Precisamos aprender a dizer não e a não nos submeter a relacionamento abusivo para nos sentir amadas”.

A sensação de retomada da vida e dos prazeres também marcou a vida da professora Elaine Silva, nome fictício, após um relacionamento marcado pelo ciúme do namorado. “Eu dependia muito dele emocionalmente. Eu ingressei na faculdade e comecei a namorar e de repente me vi sozinha em outra cidade. Na faculdade ou no estágio eu não desenvolvi nenhuma amizade a fundo. Foi quando redescobri o prazer das minhas amizades e de coisas simples como ir a um samba. Redescobri quem eu era, sem associar o meu eu a outra pessoa”, fala.

O namoro durou sete anos. Desde o início, ela conta que a relação sempre foi abusiva, mas os sinais de ciúmes começaram bem sutis, nunca eram explícitas ou flagrantemente violentas. Foi uma espécie de controle. “Eu sempre saía da faculdade e ia no trabalho dele em um dia da semana para almoçarmos. Como o deslocamento era complicado, um dia eu não fui e ele me ligou com raiva. Sempre que voltasse de qualquer lugar, eu tinha que ligar. Quando liguei, ele estava alterado e falou assim: ‘agora, todas as quartas-feiras, você sai da faculdade e vem me ver!’. E eu concordei porque achei que era uma forma de ele dizer que estava sentindo minha falta”, afirma a professora.

Como era seu primeiro relacionamento sério, Elaine disse que associava o exagero de ciúmes a amor. “Eu não entendia que era algo ruim. Até que os ciúmes foram se tornando mais explícitos, mas sempre com a máscara do cuidado. Uma vez, eu estava andando na rua, caí e machuquei o joelho. Quando falei para ele, a primeira pergunta foi se eu estava olhando para alguém”, fala.

Foram várias as situações em que ela teve que mudar seus planos para não desagradar o namorado. “Uma vez, eu ia a uma festa com os meus familiares, na minha cidade. Liguei antes para avisar, ele pediu que eu mandasse uma foto. Ele não gostou da minha roupa e acabei desistindo de sair. Já outra vez, eu até consegui sair, mas com a condição de que eu ligasse para ele, às 23h de um número fixo, para comprovar que eu já estava em casa. E eu concordei”. 

O relacionamento acabou nem foi por causa do ciúme, já que para ela, isso nem chegava a ser um problema. A razão foi como ela identificou e se incomodou com as maneiras que ele reforçava a baixa autoestima dela. “Por exemplo, eu fui criada pela minha mãe, minha tia e minha avó, três mulheres independentes, funcionárias públicas, pós-graduadas. Mas ele falou que se eu não melhorasse, acabaria solteira assim como elas. Mas a gota d’água veio em uma das últimas discussões quando ele disse que eu era a mulher que eu era por causa dele, que me moldou, me forjou”, diz. “Eu sei que é difícil para quem está nessa situação identificar e assumir que é um ciúme excessivo. Nossa tendência é de mascarar isso. Mas a gente precisa se cuidar antes de entrar em relacionamentos para poder identificar com clareza os abusos e quais são os nossos limites aconselha a professora.

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