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Antônio Lemos: O intendente que vislumbrou o futuro

Com os recursos advindos da exploração da borracha ele fez de Belém a petite Paris, ou “A Paris n’América”.

Por Lorena Filgueiras

Frequentemente rememorado e evocado como o mais importante e melhor administrador municipal que Belém já teve, Antônio Lemos amava a capital que o acolheu. E não há como negar seu protagonismo e amor. Nascido no Maranhão, chegou à cidade (então ainda “não das mangueiras”) de Santa Maria de Belém do Grão-Pará a bordo de um navio da Marinha e logo conseguiu um emprego no jornal “A Província do Pará” – carreira, aliás, na qual se destacou por uma notável habilidade de expressão e com os escritos, e que serviu de alicerce à carreira política. 

Iniciou a vida pública como vogal [cargo equivalente ao de vereador] de Belém. Foi deputado, secretário de governo e o apogeu de sua carreira deu-se quando foi eleito intendente geral [atualmente, seria prefeito]. 

Em uma longeva e frutífera gestão, marcada fundamentalmente pela modernização de Belém, Lemos aproveitou os recursos advindos da exploração da borracha e fez de nossa cidade a petite Paris, ou como entrou para a história, “A Paris n’América”. A “galicização” da cidade e de seus habitantes foi uma paixão planejada e, em parte, conquistada – porque, embora o embelezamento da cidade tenha sido flagrante, muitos aspectos relacionados à periferia foram deixados à deriva.

Amava a cidade como poucos gestores que o antecederam e sucederam (nascidos em Belém) e cunhou seu nome como o maior, embora seu fim de carreira tenha sido dolorido e sua gestão, marcada por escândalos financeiros e corrupção relacionada ao favorecimento de amigos e parentes.

A punição foi implacável, tanto que morreu exilado no Rio de Janeiro, pouco tempo depois. Na semana em que Belém aniversaria, conversamos com a professora e escritora Maria de Nazaré Sarges, biógrafa do “velho intendente”, para compreender um pouco mais de suas motivações políticas e pessoais – que o impulsionaram a mudar para sempre a paisagem e o próprio modo de vida dos belenenses.

Troppo + Mulher: Lemos foi intendente geral de Belém por 14 anos - período muito maior que a legislação atual permite para o cargo de prefeito, mesmo com reeleição. Por que?

Maria de Nazaré Sarges: Considero a conjugação de vários fatores para este feito: a habilidade política do intendente, a percepção de que as elites intelectuais e aquelas conhecedoras do viver europeu gostariam de morar numa cidade civilizada e, sobretudo, a eficiência na administração da cidade. Além disso, acredito que o intendente também se “cacifava” para se tornar um político fora dos muros provincianos, basta ver algumas charges publicadas na revista “O Malho”, do Rio de Janeiro, as quais insinuavam as pretensões de Lemos e de Montenegro em participarem da política nacional que estava centrada no Rio e São Paulo. 

T+M: Comumente rememorado como o maior gestor que Belém já teve, Lemos foi o responsável por toda a mudança visual de Belém e seu desenvolvimento urbano - quais foram as mudanças mais basilares que ele promoveu? E que servem - até hoje - como referência?

MNS: É importante ressaltar que o modelo urbanístico vindo da Paris haussmaniana indicava que era preciso um conjunto de ações, até certo ponto radicais, para tornar a cidade moderna e civilizada, entre elas, a solução do saneamento urbano. Um dos atos iniciais foi a construção de rede de esgotos e de instalação de uma usina de cremação do lixo. Mas, para isso, de
maneira pragmática, procurou dar sustentação legal aos atos que mexeriam com a vida dos moradores da cidade, desse modo, procurou atualizar e modernizar o código de posturas, inclusive dando-lhe uma nova denominação Código de Polícia Municipal. Como referência da gestão que perpassa o tempo basta olhar para as principais praças da cidade: a da República e a de Batista Campos.

T+M: Há uma corrente de historiadores que afirma que Lemos foi higienista (uma vez que código de conduta da cidade impunha o combate à mendigarem e vadiagem, aos desocupados), quando promoveu o embelezamento da cidade - essa afirmação é verdadeira? Como era o cenário de Belém à época e o retrato de então de sua periferia?

MNS: Higienista foram todos os reformadores das cidades do final do XIX e início do XX porque tinham a clareza que deveriam primeiro higienizar o espaço público para depois embelezá-lo. A higienização entendida como instalação de rede de esgotos, pavimentação das ruas, coleta de lixo, enfim, medidas para impedir a proliferação de miasmas causadores de inúmeras
doenças e facilitadores de propagação de epidemias, foram ações implementadas na administração lemista. Em outro sentido, atribuem-lhe a prática de uma higienização social na medida em que casebres foram derrubados porque não poderiam fazer parte da paisagem central da cidade, assim como mendigos não deveriam circular nas ruas e muito menos os desocupados. O interessante é que ao fazer o expurgo social de mendigos do espaço público, Antonio Lemos tomou uma medida que, posteriormente, foi vista como uma benemerência, um ato piedoso, ou seja, a construção do Asilo de Mendicidade em uma área afastada do centro da cidade, de modo que não causasse má impressão aos visitantes e investidores. Em relação à periferia da cidade, esta continuou no abandono, sem saneamento e sofrendo de todos os males causados pela ausência do poder público.

T+M: O exercício do jornalismo facilitou bastante a entrada de Lemos no universo político - como foi sua atuação como editor de um dos maiores periódicos de sua época?

MNS: O exercício do jornalismo e a prática política cotidiana se misturavam. Antonio Lemos foi um ser múltiplo: jornalista, político, administrador. A carreira política de Lemos iniciou quando estabeleceu amizade com o Dr. José Joaquim de Assis, chefe do Partido Liberal e, em 1876, em parceria com Lemos e Francisco Cerqueira funda A Província do Pará, periódico que se tornou um dos mais expressivos da cidade, à época. Ao longo do tempo, à medida que Lemos se fortalecia politicamente, a sede do jornal se transformava em escritório político, pois, era comum os políticos do interior ao visitar a cidade se dirigirem até à sede do jornal, o que sempre se transformava em notícia. Para um intendente do interior isto era um sinal de prestígio.

T+M: Para além das obras físicas, quais foram os principais marcos da gestão de Lemos?

MNS: Considero o apoio dado às artes. Não foi à toa que Humberto de Campos o considerava um Lourenço de Médici nos trópicos pela apreciação das artes e das letras. Apoiou escritores, patrocinou a vinda de inúmeros artistas estrangeiros, entre eles, o pintor espanhol Antonio Fernandez, adquiriu telas de pintores renomados como Carlos Azevedo, Benedito Calixto, Antônio Parreiras e Theodoro Braga, este encarregado de pintar a famosa tela “A Fundação da cidade de Belém”. O gabinete do Intendente decorado com diversos objetos e obras de valor artístico, documentava esse apreço para com as artes.

T+M: O que foi a "economia de arquipélago", referenciada como característica da gestão de Lemos?

MNS: Eu não uso esse conceito para caracterizar a gestão lemista, embora encontremos essa denominação para a economia da borracha por estar articulada apenas ao comércio exterior. Contudo, é importante destacar o incentivo que Lemos deu à economia dos municípios e em razão desse apoio, o resultado foi o estabelecimento de uma relação política “insular” muito
forte com as intendências do interior.

T+M: O fim de sua vida foi triste, arrastado pelas ruas de Belém... gostaria muito que a senhora pudesse contar aos nossos leitores os episódios da decadência da gestão - após longos anos de opulência, proporcionados pela Borracha - e mesmo o fim de vida de Lemos. Quais foram os escândalos de que tanto falam do fim de sua gestão? Também gostaria que a senhora falasse da intervenção do médico Camilo Salgado neste episódio...

MNS: Vários fatores contribuíram para a decadência do poder lemista. As disputas políticas; as exorbitantes taxas que trabalhadores urbanos tinham que pagar, como os carrinhos dos ambulantes que deveriam ser adquiridos de uma concessionária gerando insatisfação no seio da população; a política de concessão de serviços e favores dada a amigos e correligionários, e a própria política nacional que se refletia nos arraiais do Pará, tudo isso somado, levou à uma situação política insustentável para Lemos. Quanto ao Camilo Salgado, o médico não participou da gestão lemista, por ser correligionário e amigo de Lauro Sodré. O que se sabe é de sua interferência no episódio do linchamento de Lemos (1912), por ter apelado ao populacho que parassem com as agressões e, segundo o médico e historiador José Maria Abreu, essa atitude de Camilo Salgado foi apenas um gesto humanitário de um médico, que percebeu o risco de morte de um ancião.

T+M: Como profunda conhecedora e estudiosa de Lemos, adoraria que a senhora pudesse destacar aspectos da personalidade dele (em foros privado e público) - no processo de levantamento histórico, o que mais lhe surpreendeu? Ou tocou?

MNS: Apesar de atitudes contraditórias e excludentes que tenha adotado em sua administração, aprecio muito a sensibilidade que teve para com a cidade que nem era a sua terra natal. Também o considero um “homem das luzes” pelo mecenato exercido colocando a cidade de Belém no circuito nacional e internacional das artes. Sempre me pergunto: como um indivíduo sem uma formação superior, sem conhecer in loco as principais cidades europeias (só esteve em Lisboa em 1911), um simples escrivão da Armada Brasileira, mesmo contando com auxiliares da melhor estirpe intelectual, foi tão perspicaz e sensível em cuidar da urbanização da cidade e apreciar as manifestações do belo?

Agradecimentos:
À professora Maria de Nazaré Sarges, Cleo Ferreira e à editora Paka Tatu.

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