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Quase um século após a conquista de votar e serem votadas, mulheres ainda são subrepresentadas

Especialista diz que falta comprometimento dos partidos e dos parlamentares, além da fiscalização do poder público e a criação de um debate político mais profundo com a sociedade

Elisa Vaz

Quase um século se passou desde que as mulheres conquistaram o direito de votar e de serem votadas – foi 90 anos atrás, em 1932, por meio do Código Eleitoral assinado pelo então presidente Getúlio Vargas. Até esta data, o poder público era legalmente um espaço masculino. Tanto tempo depois, as mulheres têm ocupado, cada vez mais, posições de destaque na sociedade e na política, representando eleitoras exigentes que clamam por mais lugar de fala nas decisões públicas.

No território paraense, os avanços também têm sido notados a passos lentos. A Assembleia Legislativa do Estado do Pará (Alepa) tem a maior bancada feminina da história: 10 mulheres ocupam a função de deputadas estaduais. Mesmo assim, o número é baixo se comparado ao de homens, que somam 31. Do total, portanto, as mulheres correspondem a apenas 24,39% das cadeiras nesta Casa de Leis.

Já na capital o número é ainda menor. Representando as mulheres, há apenas cinco vereadoras na Câmara Municipal de Belém, que respondem por 14,28% do total – há 30 vereadores do sexo masculino. Um percentual ainda menor é o da Câmara dos Deputados, no Congresso Nacional, onde trabalham os deputados federais. De todos os 17 parlamentares que representam o Pará na Casa, apenas duas são mulheres (11,76%), sendo que uma delas, Vivi Reis, só assumiu o cargo porque o deputado eleito, Edmilson Rodrigues, venceu a eleição para a Prefeitura de Belém e renunciou ao Congresso. Ela era a primeira suplente da bancada do partido no Pará. E o Senado não tem mulheres representando o Estado, apenas três homens.

Alcançar cargos elevados é desafio para mulheres na política

Além de ocupar bem menos cadeiras dentro dos Parlamentos, as mulheres também enfrentam dificuldades para alcançar cargos mais altos. Em muitos casos, quando são escolhidas para funções de destaque, é pelos motivos errados. Uma vereadora do Rio Grande do Sul chamada Iasmin Roloff, disse que ficou “abalada” após ter sido eleita segunda vice-presidente da mesa diretora da Câmara de Vereadores de Canguçu para “embelezar a mesa”.

Quanto à presidência destas Casas, a Câmara dos Deputados, por exemplo, não teve nenhuma presidente do sexo feminino eleita desde que as mulheres conquistaram o direito de participar da política por meio da votação. Na Alepa, a mesma coisa. A única vez que uma mulher presidiu a Casa não foi por meio de eleição, mas sim interinamente: Michele Begot. Já na Câmara Municipal de Belém, a primeira pessoa do sexo feminino a ser eleita para presidir o Parlamento foi Alice Antunes Coelho, entre 1959 e 1961, a única, até hoje, que ocupou o cargo por meio de eleição.

As mulheres também ficam em menor número nas funções do Poder Executivo que exigem votação, ou seja, Presidência, Governo do Estado e Prefeituras. No país, o cargo de maior autoridade só foi ocupado por uma mulher: Dilma Rousseff, que cumpriu seu primeiro mandato entre 2011 e 2014 e metade do segundo mandato entre 2015 e 2016, quando foi expulsa do cargo por meio de um impeachment. Nunca houve nenhuma mulher ocupando a função de prefeita de Belém, a capital do Estado, por meio de eleição, apenas Alice Antunes comandou a Prefeitura interinamente por sete meses, sendo a primeira mulher a sentar naquela cadeira, e, décadas depois, Ana Júlia Carepa, vice-prefeita de 1997 a 2001, repetiu o feito. Esta última foi a única que comandou a administração estadual por meio de eleição, entre 2007 e 2011.

Subrepresentatividade

Os motivos para que mulheres ainda enfrentem tantas barreiras para alcançar destaque na política, e a população feminina ser mal representada, são vários. A advogada Natasha Vasconcelos, que é ativista pela luta feminista, criadora do ‘Política para Mulheres’ e presidente da Comissão das Mulheres Advogadas da Ordem dos Advogados do Brasil Seção Pará (OAB-PA), afirma que existe uma grande diferença entre o voto e os direitos políticos, e que o primeiro é apenas uma parte do todo.

“Direito político é um complexo de regras de participação no processo político, que envolve a participação da vida política, aquela cuja história patriarcal não só insiste em seguir invisibilizando as mulheres, como também demonstrou grande esforço em retardar sua inclusão. É fundamental, para compreender o debate sobre avanço dos direitos políticos das mulheres, o resgate dessas vozes. Precisamos descortinar os esforços político-partidários que foram operacionalizados, sobretudo nas décadas de 70 e 80, para excluir as mulheres desse processo político eleitoral. A democracia representativa se completa com a efetiva participação do direito ao voto com o direito de ser votada”, afirma.

Algumas medidas já foram tomadas para que mais mulheres tenham acesso a este segmento social, como a política de cotas, prevista na lei 9504/1997, que indica a reserva de 30% das candidaturas dos partidos para mulheres. Porém, muitos partidos continuam tentando burlar esta regra – até mesmo em Belém, como mostrado em uma matéria divulgada em setembro do ano passado, O Liberal teve acesso ao teor de algumas ações protocoladas no início de 2021 e que apontam supostas fraudes na cota de gênero no processo eleitoral de 2020. Além disso, a legislação nunca garantiu o preenchimento destas vagas, já que o percentual de mulheres no Parlamento oscila, em média, entre 12% e 15% do total, e faltava uma norma que determinasse a promoção de campanhas publicitárias voltadas à promoção da participação feminina.

Por isso, a Lei de Participação Feminina na Política, de número 13.165/2015 e criada em 2015, determina e garante a promoção e a difusão da participação feminina na política. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em anos eleitorais, deverá promover campanhas destinadas a incentivar a participação das mulheres na política, além de esclarecer os cidadãos sobre as regras e o funcionamento do sistema eleitoral brasileiro. Essas campanhas devem ser difundidas tanto em emissoras de rádio e televisão, quanto em propaganda institucional. A lei ainda dispõe sobre a reserva mínima de 5% do fundo partidário para a criação, manutenção e promoção de campanhas com vistas a despertar o interesse da população feminina para a atuação na vida política do país.

Natasha diz que ainda é preciso de um pouco mais de tempo para avaliar se as recentes alterações nas regras eleitorais vão, de fato, significar um avanço para os direitos políticos das mulheres. Um dos aspectos mais importantes sobre a representação delas no Parlamento, segundo a advogada, é que nem toda mulher tem consciência de gênero. “A socialização em uma sociedade patriarcal favorece a reprodução de opressões de gênero ora por homens, ora por mulheres, mas uma coisa é fato: mulheres nunca irão se beneficiar dessa estrutura, não importa quanto machismo reproduzam nas suas falas e ações. É por isso que é importante que essas parlamentares consigam trabalhar de forma suprapartidária, em uma agenda mínima de avanço para os direitos das mulheres, pois o fortalecimento dessas pautas implica também no fortalecimento delas dentro do cenário político e além”, declara.

Sobre o Legislativo local, a presidente da Comissão ressalta que a Alepa tem um percentual de mulheres acima da média brasileira e uma bancada histórica, com possibilidade de articulação política que precisa ser mobilizada para reivindicar e promover, além de mais espaços de poder decisório para mulheres, mais destinação de recursos para políticas para mulheres, criação de organismos de políticas públicas para mulheres, fortalecimento da rede de enfrentamento à violência contra mulheres, expansão da rede de atendimento às mulheres em situação de vulnerabilidade social, dentre outras, diz ela.

Na Câmara Municipal de Belém, Natasha considera “inegável” o avanço deste debate, sobretudo pela maioria de parlamentares negras, que têm encabeçado a luta, trazendo interseccionalidade para a pauta política, isto é, colocando as questões de gênero, raça, classe, sexualidade para o centro dos debates políticos.

Mesmo assim, são inúmeros os fatores político-sociais que contribuem para a sub-representação de mulheres no Parlamento, explica a advogada, “como: estereótipos tradicionais de gênero que generalizam a ideia de que política não é lugar de mulher; a tripla jornada de trabalho, do cuidado e da vida doméstica, que compromete o tempo, elemento imprescindível do fazer político; as desigualdades econômico-financeiras que impactam no alcance das campanhas; a violência política sexista que torna o ambiente político um espaço hostil para mulheres; e outros. Além dos fatores políticos-partidários, tais como: o favorecimento (apoio político)  para candidaturas de homens brancos e héteros; maior destinação de recursos; mais tempo de exposição e visibilidade para essas candidaturas; institucionalização incipiente nas definições de responsividade dos partidos para com a equidade; baixo comprometimento dos partidos com o aumento da participação das mulheres em cargos públicos/políticos; e mais”.

O que falta para transformar esta realidade, na avaliação da ativista feminista, é o comprometimento dos partidos com a equidade, além dos próprios parlamentares com a pauta e a fiscalização do poder público diante das irregularidades, com punição diante das ilegalidades, e, por último, a criação de um debate político mais profundo junto à sociedade para descortinar as causas desta desigualdade política.

Vasconcelos ressalta um ponto crucial para se entender a necessidade de votar em mulheres: a política tem um gênero e atua em serviço dele. E a política para mulheres não é nichada e específica, mas para mais da metade da população e do eleitorado, condição matemática que, por muitos anos, colocou a experiência do homem na sociedade como a experiência universal. Ela defende que isso precisa ser repensado.

Como está a representatividade das mulheres na política paraense

Câmara dos Deputados
Total: 17 deputados federais
Mulheres: 2
Homens: 15
Percentual feminino: 11,76%

Alepa
Total: 41 deputados estaduais
Mulheres: 10
Homens: 31
Percentual feminino: 24,39%

Câmara Municipal de Belém
Total: 35 vereadores
Mulheres: 5
Homens: 30
Percentual feminino: 14,28%

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Política
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