Privatização gera debate sobre impactos sociais e econômicos

Manutenção de empresas sob a gestão do Estado é comemorada por sindicatos de trabalhadores

Fabrício Queiroz
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A decisão do Governo Federal de retirar dez empresas públicas do Programa Nacional de Desestatização (PND) e do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) foi recebida com alivio pelos mais de 2,2 mil trabalhadores das instituições passíveis de privatização aqui no Pará. Entre elas, estavam a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), a Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência (Dataprev) e o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), que foram incluídas no processo pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Por sua vez, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou um decreto oficializando a retirada no último dia 6 de abril. A medida foi prometida ainda durante a campanha das Eleições de 2022.

No Pará, o maior contingente é de servidores é da ECT, que possui cerca de 2 mil funcionários, segundo estimativas do Sindicato dos Trabalhadores(a) dos Correios do Estado do Pará (SincortPA). Já o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Tecnologia do Estado do Pará (Sindpd-PA), que representa profissionais das três esferas e da iniciativa privada, diz que o Serpro tem de 200 a 250 funcionários no estado, enquanto a Dataprev possui nove servidores, sendo que todos estão cedidos para órgãos como o INSS.

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Apesar da realidade distinta entre eles, o sentimento de apreensão era compartilhado. “A categoria dos Correios passou quatro anos amedrontada, sem saber se no dia seguinte essa privatização poderia ser votada e se o concurso que esses mais de 2 mil funcionários que nós temos aqui no Pará ia continuar tendo validade. A medida dizia que, após a privatização, a nossa estabilidade acabaria em um ano e meio. Todos os que estudaram e passaram no concurso público estariam com seus sonhos destruídos”, relata Israel Júnior, presidente do SincortPA.

image Israel Júnior, do SincortPA, diz que papel social dos Correios deve ser preservado pelo governo (Carmem Helena / O Liberal)

“Foram anos de muita luta em defesa das empresas públicas e resistência contra a privatização. A retirada dessas empresas foi uma vitória não apenas dos trabalhadores, mas do país, uma vez que o Serpro e a Dataprev são empresas de tecnologia estratégicas para o funcionamento do país e para a execução de políticas públicas”, complementa a presidente do Sindpd-PA, Débora Sirotheau.

Já no Congresso Nacional, o decreto dividiu parlamentares da bancada paraense entre os defensores das decisões tomadas por Bolsonaro e por Lula. “Eu considero um retrocesso. O governo passado tirou da pauta aquilo que não é função do governo, aquilo que a inciativa privada já faz de maneira eficiente, sendo que o Estado faz com custo muito mais alto. O governo tem que se preocupar com saúde, educação e investimentos em infraestrutura”, declarou o deputado federal Joaquim Passarinho (PL), que considera a desestatização uma medida necessária para a preservação dos cofres públicos.

 

“Muitas dessas empresas dão prejuízos e isso mudou nos últimos anos, como é o caso dos Correios, que era deficitária e passou a ter superávit no governo anterior. A gente espera que elas continuem a dar lucro e sejam administradas de maneira correta porque quando se tem prejuízo, quem paga é o contribuinte”, complementa o parlamentar.

Em outra vertente, o deputado federal Airton Faleiro (PT) avalia que a medida é um dos atos mais emblemáticos dos primeiros 100 dias de gestão do presidente Lula. “Para mim, esse decreto é o mais importante porque ele entra no coração do embate do projeto de pais. Com essa medida, nós estamos assegurando a soberania nacional e reforçando um projeto que tem as estatais como componente estratégico para o nosso desenvolvimento econômico e social”, opina Faleiro, que enfatiza a atuação prevista para a Empresa Brasileira de Administração de Petróleo e Gás Natural S.A (PPSA).

“O nosso pais estava entregando o petróleo pro capital privado, para o capital estrangeiro. A retomada do pré-sal é a segurança da volta do fundo soberano e dos recursos para investir na saúde e na educação”, destaca.

Setores divergem sobre benefícios e riscos da desestatização

Os projetos que visam a diminuição da participação do Estado na economia, a venda de estatais e a concessão de projetos e serviços para a iniciativa privada vem ganhando espaço no Brasil desde a década de 1990, com o avanço de uma perspectiva neoliberal. Datam dessa época, por exemplo, a Lei nº 8.031/90, que criou o PND, bem como os processos de desestatização de mais de 50 empresas. Segundo o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), foram arrecadados mais de R$ 16 bilhões somente nessa década.

Para representantes do setor produtivo, a privatização foi uma política bem-sucedida, que permitiu o fortalecimento do mercado, da concorrência e da transparência. “Com a privatização, a gente tem a entrada de outras empresas no mercado e quem ganha com isso é a população. Um exemplo é o caso dos Correios, em que a gente tem preços exorbitantes sendo cobrados e a entrega desses serviços não é a tão atrativa quanto deveria ser. Temos ainda empresas superavitárias, como é a Petrobrás, mas que esteve envolvida em casos de corrupção. Eu entendo que a melhor forma de combater esses problemas é incentivando a livre iniciativa”, defende o presidente do Conselho de Jovens Empresários (Conjove), João Marcelo Santos.

image O presidente do Conjove, João Marcelo Santos, defende menor participação do Estado na economia (Carmem Helena / O Liberal)

Por outro lado, a desestatização é criticada nos moldes em que vinha sendo realizada, que na avaliação de alguns setores, coloca em risco áreas estratégicas para o país. Para o doutor em desenvolvimento econômico e professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), José Raimundo Trindade, os aspectos relativos à formação de preços, o impacto das empresas nas condições da vida da população e a efetividade dos elementos de concorrência devem analisados antes de decidir por um processo de privatização. Isso porque, a despeito de gerar uma redução de gastos para o Estado, pode-se ter como efeito um aumento custos que afeta inclusive o setor produtivo.

“A minha percepção é uma decisão atual é no sentido de uma precaução maior sob o ponto de vista como essas privatizações vão influenciar na inflação e como isso impacta em toda a economia, a população em geral e outras empresas. Há ainda um segundo ponto que é o fato de que qualquer processo de privatização acaba se tornando algo bastante problemático em um quadro de incerteza global. Um exemplo é a França que teve que reestatizar o setor de energia elétrica depois do conflito na Ucrânia. Vale ainda afirmar que esse não é o melhor momento para se privatizar porque todos os ativos empresariais no mundo estão em baixa”, analisa o pesquisador, que defende o papel estratégico das empresas retiradas do PND e do PPI.

No mesmo sentido, as entidades sindicais compreendem que é preciso elucidar a sociedade sobre o papel de determinados órgãos, ainda que alguns representem algum tipo de prejuízo. “Existem muitos tipos de serviços públicos que não são baseados no lucro que eles dão, mas sim no serviço prestado à população. Uma empresa que visa o lucro raramente vai se candidatar a estar presente em locais que não dão lucro, como no Pará, onde somente de 10 a 15 municípios dão lucro para os Correios. Nos outros mais de 100 municípios, o Correios entra com seu caráter social, garantindo a universalização dos serviços para toda a sociedade”, explica Israel Júnior.

Por sua vez, Débora Sirotheau lembra que tanto o Serpro quanto a Dataprev são superavitárias e oferecem soluções tecnológicas relevantes para a efetivação de benefícios, como o seguro-desemprego e o processamento das declarações de imposto de renda. “Se considerarmos o cenário de transformação digital em que nos encontramos, conceder dados pessoais para uma empresa privada ou, pior ainda, para o capital estrangeiro, teria inúmeras implicações legais, assim como afetaria significativamente a nossa própria soberania”, argumenta a presidente do Sindpd-PA.

O empresário João Marcelo Santos não vislumbra um cenário com privatização de grandes companhias no governo atual, contudo ele considera que há perspectivas positivas em outros ramos. “As grandes estatais estão fora de jogo no governo Lula, mas a questão da infraestrutura é a bola da vez. Tem crescido o debate no campo do saneamento básico, assim como as concessões de rodovias, aeroportos e portos, em que o estado do Pará tem muito a se beneficiar por conta do seu potencial logístico.  O setor produtivo e a sociedade vão precisar cada vez mais dessas parcerias público-privadas”, frisa.

Conheça as empresas públicas retiradas do plano de privatização

  • Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) – O Correios é a empresa que tem o monopólio da entrega de correspondências no país. Os serviços de encomendas podem ser operados por empresas privadas, no entanto ações de grande porte, como o envio de livros didáticos às escolas públicas e a distribuição das provas do Enem são de sua responsabilidade.
  • Empresa Brasil de Comunicação (EBC) – Visa criar e difundir conteúdos para emissoras públicas de rádio e TV. São elas: TV Brasil, Agência Brasil, Rádio Nacional AM do Rio de Janeiro, Rádio Nacional AM de Brasília, Nacional FM de Brasília, Rádio MEC AM do Rio de Janeiro, Rádio MEC FM do Rio de Janeiro, Rádio Nacional da Amazônia, Rádio Nacional AM do Alto Solimões e Rádio Nacional FM do Alto Solimões.
  • Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência (Dataprev) - Fornece soluções de Tecnologia da Informação e Comunicação e gere a Base de Dados Sociais Brasileira, especialmente a do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
  • Nuclebrás Equipamentos Pesados S.A. (Nuclep) - Indústria de base produtora de bens de capital sob encomenda, preferencialmente na área de caldeiraria pesada. Seu principal acionista é a União.
  • Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) - Empresa pública de tecnologia da informação, que oferece serviços especialmente para o governo. É responsável pela criação da plataforma “gov.br” e pelo processamento das declarações do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF), entre outros produtos.
  • Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias S.A. (ABGF) - Presta serviços para as atividades de seguro de crédito à exportação amparadas pelo Fundo de Garantia à Exportação (FGE).
  • Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada S.A. (Ceitec) - Projeta, fabrica e comercializa circuitos integrados para aplicações em Internet das Coisas, Cidades Inteligentes, Indústria 4.0, Agronegócio 4.0, Saúde 4.0, entre outras.
  • Armazéns e imóveis de domínio da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) - A empresa possui 64 Unidades Armazenadoras (UA), que servem para estocar gêneros agrícolas e garantir o suprimento alimentar.
  • Empresa Brasileira de Administração de Petróleo e Gás Natural S.A. - Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA) – Atua na gestão dos contratos de partilha de produção, gestão da comercialização de petróleo e gás natural e a representa a União nos acordos de individualização da produção.
  • Telecomunicações Brasileiras S.A. (Telebras) - Sociedade de economia mista de capital aberto, que fornece soluções de conexão para a administração pública, promove políticas de inclusão digital, além de fornecer infraestrutura de internet de banda larga para provedores regionais.
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