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Pará recebeu mais de R$ 92 milhões em emendas, mas 25% das cidades não tiveram acesso

Embora não esteja entre os municípios mais populosos nem tenha um dos piores Índices de Desenvolvimento Humano, Benevides foi a cidade mais contemplada com a verba

Elisa Vaz

O Pará recebeu da União mais de R$ 92 milhões em emendas de bancadas neste ano, segundo dados do Tesouro Nacional, mas, mesmo assim, mais de 25% das cidades não tiveram acesso a nenhuma parte deste recurso. Tratam-se de emendas coletivas de autoria das bancadas estaduais no Congresso Nacional relativas a matérias de interesse local, proferidas por senadores e deputados do Estado, independente se fazem parte do mesmo partido ou não. O documento, que contabilizou os valores até agosto, não informa os tipos de emendas recebidas e nem por quem foi solicitada.

Para o cientista político Renan Bezerra, esse valor é muito baixo para o potencial do Pará e isso se reflete na qualidade de vida da população, além das obras e dos serviços que chegarão até aquele local. "Acho que R$ 92 milhões é um valor bem abaixo do potencial do Estado, não condiz com a grandeza do Pará", opina.

Segundo o especialista, o recurso deve ser dividido com base em vários critérios. Um deles é a necessidade de cada cidade: transferência de renda, serviço, infraestrutura, saúde, educação e outras pastas que podem precisar de investimentos. Além disso, também entram em questão a importância do município, o tamanho da população, a carência de serviços e a urgência de medidas específicas. Esses critérios não têm uma ordem hierárquica e, por isso, geralmente, a distribuição do montante depende muito mais da articulação política do que outro fator, diz Renan.

"Quem define essas prioridades, obviamente, são os mandatários, e não necessariamente estão ligadas ao tamanho da população. Pode haver um município não muito populoso, mas que tem necessidade muito urgente, por exemplo, da construção de um hospital ou uma estrada, e esse município menor vai acabar tendo mais urgência na distribuição desses recursos. Então, os critérios não são ordenados hierarquicamente, eles merecem uma análise minuciosa e dependem de informações para que os tomadores de decisão, no caso, os políticos, consigam mobilizar da melhor forma esse recurso", avalia.

Municípios

De acordo dados oficiais do Tesouro Nacional, Benevides foi a cidade que mais recebeu verba proveniente de emendas de bancadas (R$ 3,7 milhões), mesmo sendo apenas o 28º município mais populoso do Pará, com 64.780 moradores, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referentes a 2021. Já Belém, capital com 1,5 milhão de habitantes (23,2 vezes mais que a vizinha), ficou em segundo lugar, recebendo R$ 2,8 milhões em emendas. Enquanto as duas lideram o ranking, mais de um quarto dos municípios paraenses sequer tiveram acesso às emendas, incluindo, por exemplo, Tailândia, que tem uma população de 111.554, bem superior à de Benevides, e ocupa o 16º lugar entre os locais mais populosos do Pará.

A mesma discrepância entre recurso alocado e população municipal é vista no restante do ranking. Por exemplo, fecham a lista das 10 cidades mais beneficiadas com verba de emendas de bancadas Marituba (R$ 2,6 milhões), Eldorado dos Carajás (R$ 2,4 milhões), Itaituba (R$ 2,1 milhões), Santarém (R$ 2 milhões), Augusto Corrêa (R$ 1,9 milhão), Abaetetuba (R$ 1,6 milhão), São Miguel do Guamá (R$ 1,5 milhão) e Tucumã (R$ 1,5 milhão). Na população, respectivamente, os municípios ocupam os seguintes lugares: 9º, 63º, 18º, 3º, 50º, 7º, 36º e 58º.

Para Renan Bezerra, essa diferença pode ocorrer por uma série de fatores. Um deles é a necessidade que o município atravessa naquele momento. "Se essa cidade, por exemplo, sofre uma calamidade pública, algo de ordem natural ou ocorreu algum fato inusitado, pode receber o maior quantitativo de recursos em relação a um município mais populoso. Pode ser que o local precise de certa urgência de algum serviço ou obra; é uma justificativa. Isso não é um problema, a não ser que os tomadores de decisão passem a utilizar os critérios políticos e não os técnicos", alerta.

Outra possibilidade é o uso da estratégia de infraestrutura. "Vale lembrar que, aqui na Região Metropolitana de Belém (RMB), tem uma obra muito grande, o BRT, e pode ser que parte desse recurso tenha sido destinada para uma obra como essa ou para resolver parte da estrutura necessária para que uma grande obra desse porte avance", acrescenta. Benevides fica na RMB.

Desenvolvimento

Renan ainda destacou que nem sempre a população é o fator mais importante a ser avaliado em cada município - outro que deve ser considerado é o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), que pode ser estratégico na hora de enviar determinada quantia à cidade. "Ele [político] quer, por exemplo, elevar o IDH daquela região e, para isso, precisa intervir em locais mais pobres em detrimento de regiões mais populosas. Isso pode ocorrer, principalmente se o município tem problemas estruturais, como falta de esgoto, de escolas, de saneamento básico ou um déficit habitacional muito grande, e aí é natural que essa região receba mais recursos", enfatiza.

Analisando apenas as 10 cidades com o maior recebimento de verbas de emendas de bancadas, a ordem de distribuição não seguiu a lógica do IDHM. Benevides, que ocupa o primeiro lugar, tem o índice de 0,66, enquanto Augusto Corrêa, em 7º lugar, enfrenta a taxa de 0,52. Atrás desse município, aparecem, do pior ao melhor IDHM, Eldorado dos Carajás (0,56), São Miguel do Guamá (0,59), Abaetetuba (0,62), Itaituba (0,64), Tucumã (0,65), Marituba (0,67), Santarém (0,69) e Belém (0,74). Os dados são do IBGE, mas referentes a 2010, ano do último Censo.

Também é importante considerar a proporção entre a verba recebida por emendas de bancadas e a população, ou seja, quanto cada cidadão recebeu desse recurso, dividindo o valor pelo número de cidadãos. Nesse caso, a cidade que tem a melhor distribuição per capita é Eldorado dos Carajás (R$ 70,55), seguida de Benevides (R$ 57,98), Augusto Corrêa (R$ 40,47), Tucumã (R$ 36,89), São Miguel do Guamá (R$ 25,91), Itaituba (R$ 20,68), Marituba (R$ 19,77), Abaetetuba (R$ 10,09), Santarém (R$ 6,66) e Belém (R$ 1,89).

Política

Em alguns casos, segundo ele, o município é mais estratégico eleitoralmente do que outro e passa a receber mais por conta das articulações políticas, o que passa a ser um problema. Principalmente por esse ano ser eleitoral, o fator político conta e influencia na locação de verbas. "Os municípios mais estratégicos para determinado candidato podem receber mais recursos, isso é bem evidente nos anos eleitorais, quando um candidato a deputado estadual ou federal ou senador, e até mesmo ao cargo majoritário, de repente aloca uma série de recursos em uma cidade por considerar ela como mais estratégica. Isso mobiliza obras e serviços que o município estava carente", aponta o cientista político Renan Bezerra.

Essa prática pode ser mais comum, segundo o especialista, se o prefeito, por exemplo, for do mesmo partido ou tiver parceria com determinado deputado. "É natural que esse deputado vá buscar e alocar mais recursos no município onde ele tem parceria e onde acha estratégico aquele parceiro", comenta. Somado a isso, Renan afirma que é importante ter em mente o que é necessidade estratégica para o Estado e para os municípios.

O primeiro passo para tornar a distribuição de verbas mais justa, na avaliação do cientista, é respeitar as necessidades e os quesitos técnicos definidos por equipe multidisciplinar envolvendo governo do Estado, municípios, governo federal, parlamentares, além de técnicos, sociólogos, assistentes sociais, médicos, sociedade civil, engenheiros e outros profissionais, delimitando se as prioridades de cada município estão de acordo com as prioridades de um plano estadual e nacional de desenvolvimento.

"É importante também essa coordenação para que você não tome uma medida ou assuma um serviço e uma obra que não esteja de acordo com esse plano, porque quando as coisas são feitas isoladamente o plano macro fica prejudicado, quer seja na entrega, quer seja na sua eficácia e eficiência. Por isso é importante que os entes e os poderes estejam muito bem articulados e coordenados para que essas medidas sejam cada vez mais efetivas e atendam, de fato, às reais necessidades da população", conclui Renan.

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Política
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