Pará: cerca de 700 pessoas processam big techs nos primeiros cinco meses de 2023

Para Comissão de Direito Digital da OAB Pará processos contra empresas mostram a necessidade de regular e mediar as relações entre essas companhias, usuários e poder público

Igor Wilson

Se George Orwell pudesse mudar o nome de seu livro "1984", poderia escolher tranquilamente ‘2023’. O ano marcado pela Inteligência Artificial (IA) elevou o nível de controle das big-techs sobre a vida da humanidade de forma semelhante a descrita pelo escritor inglês. As empresas chamadas ‘big techs’, como Google, Microsoft, Apple e Meta, alcançaram onipresença semelhante a do ‘Big Brother’ da obra. Nada do que se guarda ou compartilha na internet pode ser escondido. Quem vigia a todos é a poderosa inteligência artificial, cada vez mais implacável. Porém, o monitoramento mais eficiente das big techs causa um efeito colateral que demanda os tribunais: o número de pessoas que processam grandes empresas de tecnologia também aumenta anualmente. No Pará, cerca de 700 pessoas moveram ou movem processos contra big techs nos primeiros cinco meses de 2023.

Se por um lado, essa onipresença das big techs faz com que essas empresas passem a ser fundamentais na investigação e solução de diversos tipos de crimes, por outro, a vida particular parece mais vulnerável e submetida a termos e condições que nem sempre se lêem antes de concordar.

O monitoramento das big techs está mais rígido principalmente com arquivos que remetam a crimes sexuais, o que reflete em punições como exclusão ou suspensão de contas de usuários. O Brasil é o segundo país do mundo em que mais contas são desativadas em razão das políticas de material de abuso sexual infantil. Neste ano, a Google desativou mais de 635 mil contas em razão do aprimoramento de seus mecanismos de controle e denunciou mais de 13 milhões de conteúdos, segundo a empresa. O desenvolvimento de mecanismos mais eficientes e a colaboração das big techs com os órgãos de segurança no país fez com que o número de crimes virtuais desvendados tenha aumentado em 175% no ano passado.

image  É o nome do usuário que está em jogo”, diz Daiana Abreu (Arquivo pessoal)

“Hoje quem vigia todos os nossos dados não são seres humanos, mas sim a inteligência artificial. Ela classifica e decide rapidamente sobre tudo que achar suspeito em nossas diversas contas, seja de e-mail ou de redes sociais. Isso faz com que as regras fiquem mais apertadas para tudo e que o tempo de decisão sobre a suspensão ou não seja extremamente rápido. Temos que ter mais cuidado com o que armazenamos e compartilhamos em nossos aparelhos, mesmo que sejam memes, pois isso pode significar uma suspensão de conta. É o nome do usuário que está em jogo”, diz Daiana Abreu, integrante da Comissão de Direito Digital da OAB-PA.

Direitos e Deveres

Aproximadamente 700 pessoas moveram ou movem processos contra big techs nos primeiros cinco meses de 2023. Os principais motivos são pedidos de recuperação de contas suspensas ou de ressarcimento após prejuízos com contas hackeadas. Os números da Comissão de Direito Digital da Ordem dos Advogados do Pará (OAB-PA) expõem uma realidade nova para diversas áreas, inclusive legislativa, onde há crescente necessidade de se regular e mediar as relações entre big techs, usuários e poder público. 

“São direitos e deveres para ambos os lados, as novidades surgem a todo momento nesta área. Os mecanismos de controle das big techs estão mais eficientes, assim como a responsabilidade delas pela proteção dos dados de cada usuário, isso é uma evolução do próprio Direito. Quando um usuário tem uma conta hackeada, por exemplo, a empresa é também obrigada a dar um posicionamento e ressarci-lo, o que antes não acontecia com frequência. Então, à medida que a tecnologia avança, a justiça também vai evoluindo para conseguir definir direitos e deveres para todos”, diz a especialista da OAB-PA.

Saiba quais são os principais crimes

Invasões de perfis em redes sociais como Facebook ou Instagram são os principais crimes cibernéticos deste tipo. De acordo com levantamento de um relatório divulgado pelo Centro de Recursos de Roubo de Identidade (ITRC), em 2022 mais de 421 milhões de pessoas tiveram suas informações pessoais roubadas por cibercriminosos no Brasil. Essas informações mostram que no ano passado houve um aumento de 42% com vários vazamentos provenientes por grandes empresas, o que faz com que aumente o número de lítigios na justiça. Segundo informações do levantamento, a maioria das fontes dos vazamentos não revelam como os dados dos usuários foram obtidos pelos hackers e colocados à venda na dark web. Entretanto, o documento indica que os golpes de phishing e ransomware estão entre os mais responsáveis pela exposição dos dados dos usuários.

"A maior parte das pessoas que nos procuram tiveram suas contas hackeadas e sérios prejuízos financeiros, por isso decidiram processar a big-tech. Nós acreditamos que, assim como os usuários tem responsabilidade com tudo o que armazena, as empresas também devem possuir a mesma responsabilidade com a segurança de nossos dados. Precisamos atentar, mais do que nunca, para os termos e condições de cada empresa, que é como se fosse um contrato de responsabilidade e direitos de ambas as partes. As empresas tentam se respaldar ao máximo, mas não tem jeito, hoje elas estão cada vez mais respondendo pela segurança dos dados dos usuários. O mundo digital não é terra sem lei, nem para empresas, e nem para os usuários”, diz Daiana Abreu.

image Legenda (Tarso Sarraf / O Liberal)

Um homem contra a Google

A era vigiada pela inteligência artificial traz histórias como a do paraense Hélio Marinho Neto. O policial civil trava uma batalha judicial contra a Google desde 2019, ano que a empresa suspendeu sua conta de e-mail. Uma montagem que mostrava a imagem de uma criança com pênis de adulto foi o motivo da desativação do e-mail de Hélio, acusado pela empresa de armazenar pornografia infantil. O paraense contesta, afirmando que se tratava de um meme. Exige um pedido de desculpas da empresa e sua conta de e-mail de volta.

“Eu sou cliente da Google desde os 18 anos e tinha uma conta vinculada há mais de 20 anos, a qual guardava todos os meus arquivos. Em 2019 fui fazer um back-up para transferir meus arquivos para nuvem e depois vi que meu e-mail estava bloqueado. Tentei saber o motivo várias vezes, eles alegavam apenas que eu tinha violado os termos da empresa, sem me dizer o quê especificamente. Só depois que procurei a polícia que eles disseram que eu havia armazenado pornografia infantil no e-mail. Se tratava de uma montagem que circulou em boa parte dos celulares naquela época, mostrando uma criança com pênis de homem. Desde então estou tentando provar que aquilo não era pornografia infantil. Minha vida mudou muito”, diz Hélio Marinho.

Polícia Civil não encontrou crime no arquivo citado pela Google

O paraense processou a empresa cível e criminalmente. O inquérito foi encerrado pela Delegacia Estadual de Combate a Crimes Cibernéticos em 2022. A Polícia Civil não encontrou crime no arquivo citado pela Google, mas a empresa não reativou a conta de Hélio. “Vocês não tem noção de quanto nossa vida é vinculada ao nosso e-mail. Tive minha vida castrada, minha personalidade física continuou existindo, mas a virtual foi castrada, perdi acesso a tudo, contatos, fotos, arquivos de todos os tipos de redes sociais. Eu não quero dinheiro, apenas o meu e-mail de volta. E estou disposto a ir até o Supremo Tribunal Federal por isso”, diz.

Em contato com a reportagem do Grupo Liberal, a Google informou que possui uma política de tolerância zero com conteúdo relacionado a material de abuso infantil, “não importando seu formato ou propósito”. A empresa ultimamente investe em tecnologias de inteligência artificial chamadas APIs Content Safety e CSAI Match, que servem para reforçar a análise de milhões de imagens e vídeos suspeitos.

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