Investigação revela esquema de fraudes em licitações em Canaã dos Carajás

Áudios interceptados comprometem políticos e empresários em desvio de recursos públicos

Redação Integrada

Uma investigação conduzida pelo Ministério Público do Estado, no município de Canaã dos Carajás, encontrou indícios de um extenso esquema criminoso envolvendo servidores, políticos e empresários, para fraudar licitações no município. O processo, que corre em sigilo, conta inclusive com áudios interceptados de conversas telefônicas dos envolvidos e que indicam o direcionamento de licitações, montagem de processos licitatórios e desvio de recursos públicos. Entre os suspeitos de participar dos crimes, estão secretários, o próprio prefeito da cidade, Jeová de Andrade, e sua esposa, Waina Andrade. 

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Ao todo, dez pessoas foram alvos das interceptações telefônicas, inclusive empresários, vereador, servidores públicos, secretário municipal e chefe de gabinete da Prefeitura. Porém, as gravações revelaram o envolvido não apenas desses agentes, mas de outras pessoas ligadas à gestão municipal, nos desvios de recurso para aquisição de gêneros alimentícios, contratação de consultoria, combustível, coleta de lixo, entre outros produtos ou serviços. O procedimento de investigação foi instaurado no ano de 2017, após a 2ª Promotoria de Justiça de Canaã dos Carajás receber denúncias de irregularidades na condução dos procedimentos licitatórios do município. 

Na investigação, foram gravadas várias ligações dos envolvidos. Ouça abaixo uma delas, em que o chefe de gabinete, Roberto Andrade, fala sobre licitações:

Na ocasião, um empresário relatou ao Ministério Público ter sido procurado por uma pessoa que propôs o pagamento de R$ 15 mil para a pregoeira Cleudenice de Macedo e mais R$ 15 mil para o advogado Mario Brasil Monteiro, para que ele ganhasse um certame de aquisição de gêneros alimentícios, que seria realizado pela Prefeitura. O empresário também deveria dar R$ 7 mil para a pessoa que o procurou com a proposta, e que não foi identificada pelas investigações. Ele recusou a proposta e outra empresa ganhou a licitação. Porém, segundo o Ministério Público, em consulta ao Mural de Licitações do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM), não foram encontrados alguns documentos referentes a esse certame, como a ata de abertura da sessão ou informações sobre os licitantes não vencedores e respectivos lances realizados. 

Além desse, a Promotoria do Município recebeu notícias de irregularidades envolvendo outros processos, entre eles um “para contratação de empresa para elaboração e acompanhamento de projeto para a captação de recursos e desenvolvimento de programas estruturadores e de desenvolvimento institucional”. O Ministério Público ressaltou que, “além do objeto de conteúdo inusitado e duvidoso”, chamou a atenção a desproporcionalidade entre o custo e o benefício da operação. O contrato foi orçamento em mais de R$ 4,2 milhões, enquanto a dotação orçamentária do município para contratação de serviços de consultoria é limitada em R$ 595 mil. 

"Os áudios interceptados compreendem fortes evidências de existir, na Prefeitura de Canaã dos Carajás, extenso esquema criminoso envolvendo servidores, políticos e empresários, para o fim de fraudar licitações no município" - Promotoria de Canaã dos Carajás.

Em relação a esse processo, um empresário contou ter sido procurado pelo presidente da empresa Instituto Técnico de Apoio Municipal (Itam), que teria lhe oferecido vantagem indevida (R$ 100 mil, diluídos em parcelas próximas de R$ 10 mil), em troca de sua abstenção no certame. Segundo o denunciante, a mesma oferta teria sido apresentada a outra empresa concorrente no certame e ela teria aceitado, já que não compareceu à sessão. Somente duas empresas compareceram à licitação: o instituto, cujo presidente teria feito proposta aos demais concorrentes, e a empresa que recusou a oferta para se abster. Esta última, porém, questionou administrativamente e judicialmente o processo, que acabou sendo anulado. O denunciante argumenta que a anulação ocorreu justamente em razão do insucesso da empreitada criminosa para garantir a vitória do Itam. 

image Cidade de Canaã dos Carajás (Rodolfo Oliveira/Agência Pará)

Foram apresentadas evidências indicando a participação de membros da administração municipal no esquema e para a promotoria não está descartada a possibilidade do cometimento desse tipo de crimes em outros municípios. No decorrer das investigações, houve pedido de interceptação telefônica, além de quebra de sigilo bancário e interceptação de comunicações telemáticas, todos deferidos pelo Juízo da Comarca de Canaã dos Carajás. 

“Os áudios interceptados (de 4 a 20 de setembro de 2017) compreendem fortes evidências de existir, na Prefeitura de Canaã dos Carajás, extenso esquema criminoso envolvendo servidores, políticos e empresários, para o fim de fraudar licitações no município. Dos áudios transcritos, portanto, foram identificadas conversas que indicam o direcionamento de licitações, montagem de processos licitatórios e desvio de recursos públicos, envolvendo não só os agentes cujas ligações telefônicas foram interceptadas, mas também outros servidores da Prefeitura, inclusive secretários municipais”, diz documento enviado pela Promotoria de Canaã para a Procuradoria-geral de Justiça, em que pede a adoção de providências para a abertura de procedimento investigatório contra o prefeito Jeová. 

Em alguns telefonemas, uma pessoa ainda não identificada alertou o chefe de gabinete, Roberto Andrade, sobre a possibilidade de vazamento do caso. No áudio, a pessoa trata a ação como 'jogar m... no ventilador'. Ouça abaixo!

Quanto à participação do prefeito, a promotoria observa no documento que as referências são genéricas, não especificando os certames licitatórios ou a participação do gestor. Em uma das conversas, é citada uma empresa que tinha como um dos sócios uma pessoa conhecida como “testa de ferro” do gestor municipal e que já exerceu cargo comissionado na Secretaria de Obras.

Além disso, o advogado interlocutor do diálogo, Márcio Monteiro, já foi investigado por inexibilidade indevida de licitação, que resultou em ação de improbidade administrativa contra ele e o prefeito Jeová. As interceptações telefônicas também mostraram referência à esposa do Prefeito. Diante da gravidade dos fatos e da possibilidade de sua esposa compor o esquema, a promotoria entendeu como necessário aprofundar a investigação. 

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Ao receber o ofício, em outubro de 2018, o procurador-geral Gilberto Martins, delegou poderes ao promotor de Justiça Alexandre Couto Neto, coordenador do Núcleo de Combate à Improbidade e Corrupção do MPPA, para tomar as providências cabíveis. 

ENVOLVIDOS

Segundo relatório do Ministério Público, a partir dos áudios interceptados, identificou-se uma “miríade de crimes” cometidos pelo grupo, que contava com três núcleos: executivo, legislativo e empresarial. O executivo seria comandado por Roberto Andrade, chefe de gabinete da prefeitura, e por Arleides Martins de Paula, que já ocupou diversos cargos e secretarias na administração. Em um dos telefonemas interceptados, Arleides fala sobre a divisão de contratos. Ouça abaixo!

Participam, ainda, servidores de pastas como Obras, Saúde e Planejamento, além do advogado Mário de Oliveira Brasil Monteiro, que atuava como procurador geral de Canaã dos Carajás até ser afastado judicialmente, em fevereiro de 2018. Também foram citados o ex-secretário de Obras, José Wilson dos Reis, e Altair Vieira da Costa, que foi responsável por autorizar diversas licitações enquanto controlador interno. As dois foram afastados dos cargos em julho de 2018 por determinação judicial. Aparecem ainda na investigação servidores comissionados do município: a pregoeira Cleudenice Bonfim de Macêdo, além de Oséias Lima Fonseca, Tiarles da Silva Santana, ambos membros da Comissão de Licitação.

Envolvidos

O núcleo legislativo é integrado pelo vereador Anderson Mendes, e há ainda menções ao presidente da Câmara, Júnior Garra.  Já o núcleo empresarial é bastante amplo. Os mais citados são Ricardo Xavier Lopes, Edmilson Alves Peixoto, Zito Augusto Correa, Fabiano Santos Saldanha, Fernando Arlen Oliveira e Hugo Braga de Oliveira. Este último teve uma ligação gravada, onde falou sobre um faturamento de R$ 14 milhões. Ouça abaixo!

O Liberal procurou o Ministério Público para saber como andam as investigações envolvendo as supostas fraudes em licitações no município de Canaã dos Carajás e aguarda retorno. A reportagem também ligou e mandou email para os contatos da Secretaria de Comunicação que constam no site da própria Prefeitura de Canaã dos Carajás, mas não conseguiu contato por telefone e ninguém respondeu ao email. 

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