Bolsonaro diz que mostrou minuta de golpe a chefes militares
No interrogatório mais esperado do chamado "núcleo crucial" da ação penal sobre um plano de golpe de Estado no País, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) esteve nesta terça-feira, 10, frente a frente com o ministro Alexandre de Moraes no Supremo Tribunal Federal (STF). Denunciado como líder da trama golpista, Bolsonaro admitiu que cogitou decretar estado de sítio depois que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) rejeitou o pedido do PL para anular parte dos votos do segundo turno. Ele disse que debateu o tema com os comandantes das Forças Armadas, mas negou que se tratasse de um plano de ruptura institucional após a derrota para Luiz Inácio Lula da Silva na disputa presidencial de 2022.
Questionado por Moraes, Bolsonaro admitiu que em uma reunião do dia 7 de dezembro daquele ano, com o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira e os ex-comandantes Marco Antônio Freire Gomes (Exército) e Almir Garnier Santos (Marinha), foi mostrado um documento que ficou conhecido durante as investigações como minuta do golpe.
"Isso foi colocado numa tela de televisão e mostrado e forma rápida ali... mas a discussão sobre esse assunto já começou sem força de modo que nada foi à frente. A ideia de que alguns levantaram seria um estado de sítio, por exemplo", afirmou o ex-presidente, que procurou minimizar a importância do documento. "Tinha os 'considerandos' ali apenas. Não tinha cabeçalho, nem o 'fecho'. Só isso."
A reunião do dia 7 de dezembro de 2022 foi tratada também pelo ex-ministro da Defesa em seu depoimento: Paulo Sérgio de Oliveira afirmou que se reuniu com o ex-presidente e os comandantes no Palácio da Alvorada para debater uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Segundo ele, foi uma reunião rápida e "informativa". O ex-ministro alega que, ao final do encontro, alertou Bolsonaro sobre a "seriedade e gravidade" de medidas como estado de defesa e estado de sítio.
Ao longo de seu depoimento, o ex-presidente atribuiu declarações consideradas pró-ruptura democrática ou contra o sistema eleitoral nacional como parte de uma "retórica".
Em um dos momentos mais tensos do interrogatório - que durou cerca de três horas -, o ministro questionou o ex-presidente sobre a minuta golpista para anular o resultado das eleições de 2022 e prender autoridades do STF e do Congresso. Bolsonaro negou ter recebido ou alterado o documento, como reiterou em depoimento o tenente-coronel Mauro Cid, seu ex-ajudante de ordens, que fechou delação premiada e o implicou nos fatos investigados.
"Eu refuto qualquer possibilidade de falar de minuta de golpe, que não esteja enquadrada dentro da Constituição brasileira", afirmou. "Quando se fala em minuta dá a entender que é algo do mal", prosseguiu ele.
Em interrogatório nesta segunda, 9, Cid reafirmou que Bolsonaro recebeu, leu e "enxugou" o documento. "Não procede o enxugamento", rebateu o ex-presidente.
O PL foi multado em R$ 22,9 milhões por má-fé ao questionar o resultado da eleição. "Sobrou para a gente buscar uma alternativa na Constituição", observou Bolsonaro. "Não foi discutido (um plano de golpe), foi conversado hipóteses de dispositivos constitucionais. Nada foi assinado."
Contudo, o ex-presidente assumiu ter recebido sugestões para decretar estado de sítio no País - a medida suprime direitos individuais e amplia os poderes do Executivo para fazer frente a situações de grave repercussão nacional. O ex-presidente voltou a repetir que, embora o estado de sítio tenha sido cogitado, não prosperou porque seria necessário um "fato" e a convocação dos conselhos da Defesa e da República.
"Em poucas reuniões abandonamos qualquer possibilidade de ação constitucional. Abandonamos e enfrentamos aí o ocaso do nosso governo", alegou Bolsonaro. "A discussão sobre esse assunto já começou sem força de modo que nada foi à frente (...) Em nenhum momento, eu, ministro da Defesa ou comandante de Força pensamos em fazer algo ao arrepio da lei ou da nossa Constituição", reforçou.
GLO
Bolsonaro afirmou ter tratado com os comandantes das Forças Armadas sobre a decretação de uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para lidar com os acampamentos com reivindicações golpistas em frentes ao quartéis e com o bloqueio de rodovias no Pará por caminhoneiros.
O ex-presidente negou que Freire Gomes tenha ameaçado prendê-lo na reunião, como afirmou o ex-comandante da Aeronáutica Carlos de Almeida Baptista Junior. Bolsonaro afirmou que foi um "exagero" de Baptista Junior. O ex-chefe do Exército foi ouvido como testemunha e também negou ter dado voz de prisão ao então presidente. Segundo Freire Gomes, ele apenas "alertou" que Bolsonaro "poderia ser enquadrado juridicamente".
Urnas
O primeiro questionamento de Moraes foi sobre as urnas eletrônicas. O ministro quis saber "qual era concretamente o fundamento" do ex-presidente para alegar que havia fraudes nas eleições e nas urnas e que os ministros do TSE estavam direcionando as eleições.
Bolsonaro afirmou que essa sempre foi sua "retórica" e que defende o voto impresso desde que foi deputado federal. "A questão da desconfiança, suspeição ou crítica às urnas não é algo privativo meu."
Ao abordar a reunião ministerial de 5 de julho de 2022, em que questionou a segurança do sistema de votação e cobrou ministros do governo a agirem antes das eleições, o ex-presidente afirmou que foi um "desabafo". "Não tinha prova de nada no tocante a isso daí. Um desabafo meu, com toda certeza", justificou.
"A minha retórica me levou a falar dessa maneira. Essa reunião não era para ter sido gravada. Era algo reservado. Alguém gravou, no meu entender, de má-fé. Essa foi a minha retórica que usei muito enquanto deputado e depois como presidente buscando o voto impresso."
Em sua primeira resposta, o ex-presidente pediu desculpas aos ministros Moraes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, atual presidente do STF, por acusá-los de terem recebido entre US$ 30 milhões e US$ 50 milhões para fraudar as eleições.
Bolsonaro fez as declarações na reunião ministerial do dia 5 de julho de 2022. Ao comentar as suas falas ontem, o ex-presidente minimizou o episódio. "Era uma retórica. Se fossem outros três ocupantes (do TSE) eu teria a mesma conduta. Me desculpe. Não tinha intenção", explicou.
Em outro momento, Bolsonaro admitiu que para ele era "bastante desagradável" estar frente a frente com Moraes. O depoimento, contudo, transcorreu em clima amistoso e respeitoso.
Live
Questionado sobre a transmissão ao vivo feita no dia 29 de julho de 2021, no Palácio da Alvorada, que segundo a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) marca o início da trama golpista, Bolsonaro insistiu na narrativa de que havia dúvidas sobre a segurança do sistema de votação eletrônica.
"Acredito que, dado o que vinha acontecendo, de reclamações por ocasião das eleições, para o bem da democracia seria bom que algo fosse aperfeiçoado para que não pudesse haver qualquer dúvida sobre o sistema eletrônico. Se não houvesse essa dúvida, com toda certeza nós não estaríamos aqui hoje", afirmou.
Moraes rebateu o ex-presidente e saiu em defesa do sistema de votação: "Na verdade não há nenhuma dúvida sobre o sistema eletrônico."
O ministro também questionou sobre a reunião convocada por Bolsonaro, então presidente, com embaixadores estrangeiros no Palácio da Alvorada, em 18 de julho de 2022, para disseminar suspeitas, sem provas, sobre a falta de segurança do sistema de votação brasileiro e as urnas eletrônicas. As falas do então presidente foram transmitidas pela TV Brasil.
O ex-presidente justificou que a reunião com diplomatas é "uma política privativa do chefe do Executivo" e que pode ter "exagerado na forma, na entonação", mas mantém o posicionamento. "A intenção minha não é desacreditar, sempre foi alertar."
Por causa do encontro, Bolsonaro foi condenado pelo TSE à inelegibilidade até 2030. A PGR afirma que o ex-presidente tentou interferir no relatório produzido pela comissão eleitoral do Ministério da Defesa sobre as eleições de 2022. Segundo a acusação, Bolsonaro queria que o texto sugerisse a possibilidade de fraude, embora nenhuma irregularidade tenha sido encontrada.
O ex-presidente negou ter pressionado o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, para alterar o relatório. "Não houve pressão em cima dele para fazer isso ou aquilo. Nós conversávamos sobre o ocorrido. O relatório dele contou com o meu acordo".
Bolsonaro disse que ficou "recluso" após a derrota nas eleições de 2022 e que não participou da cerimônia de transmissão da faixa presidencial ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no dia 1º de janeiro de 2023, porque não ia se "submeter à maior vaia da história do Brasil".
"O sentimento de todo mundo era de que não tinha mais do que fazer. Se tivesse que ser feita alguma coisa seria lá atrás, via Congresso Nacional, não foi feito. Então tínhamos que entubar o resultado da eleição."
8 de janeiro
Bolsonaro negou ter colaborado com o 8 de Janeiro. O ex-presidente alegou que não desmobilizou os acampamentos em Brasília para evitar um cenário "pior ainda" - a dispersão dos manifestantes para a Praça dos Três Poderes.
Segundo Bolsonaro, os apoiadores que invadiram os prédios do Planalto, do STF e do Congresso "mal sabiam o que estavam fazendo". Para o ele, ocorreu uma "baderna", mas não uma tentativa de golpe. "Sem qualquer participação minha, sem qualquer liderança, sem Forças Armadas, sem armas, sem um núcleo financeiro, sem nada. Isso não é golpe." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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