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Refém na Augusto Montenegro: criminalista e psicóloga analisam caso que foi visto em 111 países

Ana Julia foi feita refém por 17h junto com os três filhos, no bairro da Marambaia. A Polícia Militar considerou o caso como a negociação mais longa da história do Pará

Saul Anjos
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Na noite do dia 8 de março, um sequestro parou Belém. Ana Júlia de Sousa Brito, de 26 anos, e os filhos dela — de 3, 7 e 9 anos — foram feitos reféns por Yann Carlos Monteiro Barroso, de 27 anos. Foram 17 horas de agonia e tensão dentro do carro de um motorista de aplicativo. Era para ser uma corrida simples até a casa da família, onde haveria um lanche com pizzas, após um passeio no shopping, mas se tornou um terror psicológico da vida real: um sequestrador com aparentes transtornos mentais, que falava sozinho, fazia ameaças de morte misturadas com brincadeiras, fazia discursos desconexos e sujava as vítimas com fezes.

De um lado, a família do criminoso só queria que ele fosse contido e começasse o tratamento psicológico e psiquiátrico após mais um surto (e o pior já registrado). De outro lado, a família da refém só rezava pelo fim de um pesadelo, acompanhado por pessoas em todo o Brasil e em mais 110 países, em todos os continentes (como aponta análise de dados de acessos de OLiberal.com).

Quando a mãe foi entrar com os filhos no veículo, em frente a uma escola particular na avenida Augusto Montenegro, Yann se aproximou, se ofereceu para ajudar ela a embarcar e invadiu o carro com uma faca, por volta das 19h de quarta-feira (8). Segundo a Polícia Civil, o condutor do veículo percebeu a ação e avisou uma equipe da Polícia Militar que estava perto. Os policiais ainda tentaram se aproximar do veículo para liberar a família, mas a agressividade e nervosismo do sequestrador fizeram com que os agentes recuassem e fechassem os dois sentidos da via.

O clima ficou tenso na área. Durante a noite, as luzes dos postes de iluminação do trecho foram apagadas para não prejudicar as negociações. Os meninos foram liberados já na madrugada de quinta-feira (9). A filha caçula de Ana Júlia só foi libertada por Yann após quase 14 horas e meia de negociação com a polícia. Eram 9h30 quando a menina foi solta pela janela do passageiro do veículo e atravessou a avenida em direção aos policiais.

Restava somente Ana Julia para ser liberada por Yann. Às 12h, a mulher foi solta depois de diversas negociações da Polícia Militar com Yann e o destacamento de snipers (que não precisaram fazer nenhum disparo). Ana recebeu atendimento médico em uma ambulância. O comandante-geral da PM, Dilson Junior, disse que a negociação foi a mais longa da história do Pará.

Logo após ele liberar a mãe das crianças, Yann tentou suicídio ao se ferir no braço com a faca e então cravar a arma branca no pescoço. O sequestrador foi encaminhado ao Hospital Metropolitano de Urgência e Emergência (HMUE), em Ananindeua, local onde precisou ser internado e intubado. Yann foi extubado na após uma longa cirurgia no HMUE, já nesta sexta-feira (10). Por ser um paciente sob a custódia da polícia, nem familiares puderam visitá-lo.

Advogado explica cautela da polícia no sequestro

Segundo a Segup, o caso é tratado, a princípio, como sequestro. Yann será ouvido pela polícia após receber alta para que as autoridades identifiquem os crimes cometidos por ele. Adrian Silva, advogado criminalista e professor doutor de Direito Penal, acredita que a PM agiu de forma correta em ter conduzido a ocorrência cautelosamente, pois assim a integridade de Yann e da família que ele mantinha refém foi resguardada.

“Toda e qualquer situação de sequestro é uma situação limite e que cobra, por parte dos profissionais da segurança pública, muita paciência e cautela, um equilíbrio e racionalidade para lidar com as emoções envolvidas, independente se o indivíduo é ou não portador de transtorno mental. Essa acaba sendo uma condição a mais, com o qual se deve ter todo cuidado possível”, diz Adrian.

Utilização de atiradores de elite

Os atiradores de elite, conhecidos como snipers, foram empregados na manhã de quinta-feira (9) durante o decorrer do sequestro. O Batalhão de Operações Especiais da PM do Pará designou dois atiradores com armas de precisão voltadas para o veículo onde Ana Julia e a filha eram mantidas reféns por Yann. Nas redes sociais, algumas pessoas criticaram a polícia por não ter utilizado os snipers. O advogado explica que os policiais devem sempre buscar poupar a vida tanto das vítimas, quanto do responsável pelo crime.

“Ela (a polícia) age em prol da proteção das vítimas no primeiro momento. E também do sujeito, que em tese, estaria praticando o sequestro. A polícia não pode simplesmente posicionar os snipers e, automaticamente, sem pensar duas vezes, tomar uma atitude como um disparo, o chamado headshot (tiro na cabeça). Não existe pena de morte no nosso país e toda pessoa possui o direito de responder o processo criminal, caso venha a cometer algum delito. A resposta correta do Sistema de Justiça, sempre que possível, é a da realização da prisão em flagrante e do processamento desse indivíduo após a investigação policial. Apenas em situações que não há, de fato, outra hipótese para salvar a vida da vítima, que será permitido o disparo”, comenta o professor de Direito.

Lado da legislação, caso seja comprovada insanidade mental de Yann

A família de Yann diz que ele estaria passando por um surto psicótico. O titular da Segup, Ualame Machado, informou que o Hospital de Clínicas Gaspar Vianna (FHCGV) não possui qualquer registro de internação de Yann Carlos ou até de atendimento. Para Adrian, caso seja comprovado em um laudo médico os problemas psicológicos de Yann Carlos, tudo vai depender do grau da condição que o sequestrador possa vir a ter. Isso porque, o sequestrador pode não ir para uma cadeia, mas sim receber medidas de segurança.

No segundo cenário, se comprovada uma afetação relativa do suposto surto de Yann durante o sequestro, ele pode receber uma redução da pena, caso seja condenado.
“Estaremos diante de uma possível situação de inimputabilidade, ou seja, o momento em que o indivíduo não tem aquele estado de normalidade psíquica, para que ele seja considerado ou não sujeito capaz, para atender os mandados e proibição previstas em leis. Essa falta de sanidade mental pode acarretar no reconhecimento desta inimputabilidade, ou seja, uma incapacidade de culpabilidade. Segundo a nossa legislação, ele não pode vir a ser penalmente responsabilizado como uma pessoa que praticou um crime e deve ser punida com uma pena de liberdade. Por outro lado, isso não quer dizer que a Justiça vai simplesmente liberá-lo”, contou.

“Diante dos fatos iniciais, temos a situação, audiência de custódia, investigação policial e possivelmente denúncia por parte do Ministério Público. O Código Penal Brasileiro (CP) veda que as pessoas que não têm capacidade mental de entender que estão cometendo um delito, sejam punidas. Nesse caso, ele (CP) prevê medidas de segurança, de uma internação ou tratamento ambulatorial. É preciso que, de fato, se constate se esta sua condição afetou a capacidade dele (Yann) de entender o que de fato estava fazendo. No segundo caso, caso haja uma afetação relativa da condição dele, Yann será sim punido. Em caso de condenação, podendo a vir a ser condenado, mas com uma diminuição da sentença de um a dois terços, podendo ser considerado um semi-imputavel”, continuou Silva.

O que diz a legislação sobre Ana Julia ter sido vítima durante uma viagem por aplicativo

Quando Ana Julia foi mantida refém junto com os três filhos, ela estava com as crianças dentro de um carro de aplicativo privado. Ana não poderia pedir indenização ou danos morais da empresa ou do condutor do automóvel onde o crime ocorreu. É o que analisa Adrian Silva. Segundo ele, tudo depende do laudo médico de Yann que analisará se estava em surto psíquico no momento que sequestrou as vítimas. “(...) neste primeiro momento, as vítimas não poderiam cobrar da empresa ou do motorista qualquer tipo de indenização ou danos morais. Tudo vai depender da condição do Yann, para saber se ele se encontrava em uma situação de sofrimento psíquico” relata o advogado criminal.

Psicóloga comenta o caso

Na Seccional da Marambaia, Ana Julia recebeu ajuda psicológica antes de ser ouvida pela Polícia Civil. Entretanto, a psicóloga clínica Nathália Otero, especialista em avaliação psicológica e neuropsicologia, diz que o tratamento mais indicado para o que Ana Julia passou com os filhos seja a Psicoterapia. “É comum que eventos como esse gerem estresse pós-traumático. E a Psicoterapia é o tratamento mais adequado para lidar com essas situações. Através dela, nós psicólogos utilizamos técnicas no acompanhamento psicológico que minimizam os sintomas e a recorrência deles. Em alguns casos, há também a necessidade de acompanhamento medicamentoso, o qual, é destinado aos médicos”, afirma Nathalia.

A especialista também pontua que os traumas podem variar durante o período de recuperação de cada um. “Os transtornos mais comuns durante esse período de recuperação são: Transtorno de Estresse Pós-traumático, Transtornos de Ansiedade Generalizada (TAG), Síndrome do Pânico, fobias sociais, distúrbios de sono, entre outros. Depende muito também da subjetividade de cada um”, exemplifica.

Nathália aproveitou para elucidar a situação das três crianças que foram feitas reféns. “Para as crianças, podemos destacar que elas podem desenvolver medos reais e irreais por ainda estarem em fases do desenvolvimento infantil, que colaboram para a intensidade das emoções. Por isso, o acompanhamento infantil se faz necessário para reduzir os sintomas negativos gerados pela situação ocorrida”, concluiu.

Assaltos com refém no Pará

Entre janeiro e fevereiro de 2023, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (Segup) contabilizou 46 roubos com restrição de liberdade no Pará. Os dados representaram uma redução de 24,5% em relação ao mesmo período do ano passado, quando houve 61 casos. Já em 2021, também referente a época dos números computados pela Segup, foram registradas 73 ocorrências do mesmo crime.

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