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61% da população do Pará está passando por algum grau de insegurança alimentar

Mais da metade do país passa por algum grau de insegurança alimentar. A região Norte é a mais grave, com 18% da população

Emanuele Correa
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A insegurança alimentar se configura em diferentes nível de falta de acesso alimentos por uma população. O termo utilizado por pesquisadores identifica o nível de privação alimentar e ocorre quando o grupo não possui acesso regular e permanente a uma alimentação em quantidade e qualidade nutricional. A Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (PENSSAN) realizou um estudo sobre Insegurança Alimentar e Nutricional (ISAN), que aponta que mais da metade do Brasil está em algum nível de insegurança alimentar. A região norte é a mais grave, com mais de 18% das pessoas passando fome.

Naiza de Sá, doutora em Ciências da Saúde (UFPA) e membro da comissão fiscal da rede Penssan, relembra que o inquérito foi realizado entre 5 a 24 de dezembro de 2020, com entrevistas domiciliares em todo o país, representando as regiões do Brasil e não os estados. Mas acrescenta números da última pesquisa de orçamentos familiares (POF) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2017-2018 e divulgados em 2020, fazendo um comparativo de ambas.

"Os dados apontaram que no Pará a prevalência de domicílios em Insegurança Alimentar era de 61,2%. Desse total: 34,1% insegurança alimentar leve; 16,1% insegurança alimentar moderada e 11% insegurança alimentar grave. Os dados encontrados nas duas pesquisas demonstram que a fome é um problema de saúde pública no nosso estado e região", argumentou a pesquisadora.

Para resolver o problema é preciso investimento em políticas públicas, aponta Naiza, que acredita na experiência que o Brasil já tem. No entanto, se faz necessário resgatar e solucionar a insegurança alimentar, que é um problema multifatorial. "É triste que em um país rico como nosso e um dos países que mais desperdiçam alimentos no mundo, nós tenhamos essas prevalências de insegurança alimentar. Precisamos resgatar as estratégias. É preciso políticas públicas de transferência de renda, de aumento da escolaridade, de emprego, aumentar o acesso ao saneamento básico, melhorar e apoiar o programa de alimentação escolar - este voltou a ser a única refeição de muitas crianças -, dentre outras questões", finalizou.

Rita Figueiredo, coordenadora da Referência Técnica de Políticas Nutricionais da Secretaria Municipal de Saúde de Belém (Sesma) explica que quanto mais grave a classificação de ISAN mais severa a situação alimentar. "A ISAN também avalia a preocupação dos indivíduos ou famílias de não terem como se alimentar em um futuro próximo. O acesso aos alimentos pode ser dificultado por fatores físicos, sociais e/ou econômico. No Brasil, o desemprego e a baixa renda da população é o principal fator para a ISAN. No país, 116 milhões de pessoas enfrentam o medo de não ter como comprar comida no futuro. Para 19 milhões o medo é a realidade: a fome. Ela é um fenômeno que deve ser combatido com urgência por todos, e para todos.", comentou.

image Pessoas recorrendo a ossos e gordura e até lixo para ter algo para se alimentar é um dos retratos da fome que vem avançando sobre o Brasil (Ivan Duarte / O Liberal)

Fome afeta mais a pessoas pretas, pardas e com baixa escolaridade

A coordenadora reforça que a pesquisa demonstrou que a ISAN grave atinge principalmente domicílios em que há um quarto do salário mínimo per capita ou em lares onde o respondente estava desempregado. "As regiões mais afetadas são o Norte e Nordeste, com 25% da sua população em situação de ISAN grave. Além disso, famílias lideradas por mulheres, de cor autodeclarada preta/parda e com baixa escolaridade são bem mais afetadas pela ISAN grave", afirmou.

Rita afirma que apesar da abundância de recursos naturais e fontes alimentares de alto valor nutritivo, o Norte sempre foi uma região de baixos índices econômicos e de grandes desigualdades sociais. "O Pará apresenta um PIB muito baixo quando comparado com outras unidades federativas da região sul e sudeste. Além disso, possui grande concentração de renda e dificuldades de transporte e distribuição dos alimentos. Fatores estes que são sempre relatados nos estudos sobre segurança alimentar e nutricional do estado. Em Belém não é diferente. De acordo com a conclusão da minha tese de doutorado um dos fatores que mais agravam a ISAN na capital é a falta de acesso ao açaí, alimento básico e diário da nossa população, e que vem sofrendo elevações de preços absurdas e prejudicando a qualidade da bebida que é considerada sagrada", completou.

A Sesma, representada pela Referência Técnica de Políticas Nutricionais, está desenvolvendo projetos para levantar dados da situação nutricional e alimentar da população de Belém, que são escassos, reforça Rita Figueiredo. "Com esses dados iremos gerar subsídios para formular as políticas adequadas para a nossa realidade. Como medida imediata começamos a reforçar ampliar as informações e conhecimentos sobre alimentação saudável assim como atualizando a qualificação dos profissionais de nutrição da atenção básica. Assim atendemos as demandas da Política Nacional de Alimentação e Nutrição que dentre as diretrizes, exige a promoção da SAN para a população", ratificou.

image Michella e a mãe, dona Dalva, enfrentam os desafios de conseguir alimentar as famílias e relatam momentos de intensa dificuldade devido à insegurança alimentar (Ivan Duarte / O Liberal)

"É triste dormir sabendo que não tem o pão da manhã", diz dona de casa

"O dia de amanhã não nos pertence. É muito triste essa situação. Dormir sabendo que não tem nem o pão da manhã", disse Michella Alves, 41 anos, quando foi questionada pela equipe da redação integrada de O liberal sobre insegurança alimentar. Mãe de uma moça e de um rapaz de 21 e 19 anos respectivamente conta que hoje consegue trabalhar e ter o que comer, mas quando os filhos eram pequenos, soube o que era dormir com fome e pensando se no dia seguinte conseguiria se alimentar. Por saber das dificuldades, sempre que pode ajuda quem precisa.

"Meus filhos eram pequenos, já passei por dificuldade, já dormimos com fome. É por isso que hoje eu ajudo, porque eu sei qual é essa dor de ficar com fome. Minha mãe fala 'filha você já não tem muito', mas eu sei que Deus vai nos dar. A gente pensa nas pessoas que não têm. Se um dia eu não tiver condições, eu vou pedir. Porque a fome dói. Eu digo para a moça que eu ajudo, enquanto eu tiver comida, ela também vai ter, não vai faltar refeição a ela", comentou Michella.

Michella acompanhada da mãe, Dalva Alves, relatou que evita trazer essas preocupações a ela, mas que ela e a irmã sempre compartilham as refeições, quando a situação financeira aperta. "A minha irmã e eu, a gente compartilha e troca sempre que a gente pode. Se eu tenho a proteína e ela o feijão, a gente troca um pouco. Tem coisas que a gente nem conta para a nossa mãe, para ela não sofrer, para não faltar para ela também. Mas quando meus filhos eram pequenos, já fiz mingau de farinha, de pão, sem leite. Hoje meus filhos hoje comem de tudo", conclui.

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