CONTINUE EM OLIBERAL.COM
X

Mulher pede demissão do emprego e vira artista do grafite em Ananindeua

Ireny Nunes pediu para sair da panificadora onde trabalhava para aprender a pintar, um sonho de infância. Hoje artista plástica, a moradora de Ananindeua ganha a vida com a arte no bairro da Guanabara.

Igor Wilson
fonte

A pandemia de covid-19 fez Ireny Nunes resgatar toda coragem que havia guardado dentro de si durante toda sua vida. Apreciadora de arte desde a infância, a moradora do bairro da Guanabara deixou todos seus sonhos numa gaveta. A vida de adulta e mãe a fez abdicar de alguns desejos, entre eles os relacionados a arte. Ireny trabalhou como atendente, vendedora, caixa e uma série de cargos ao longo da vida. Durante a pandemia trabalhava como gerente em uma panificadora. Ao perceber que os proprietários do estabelecimento não iriam cumprir as normas de isolamento durante o período, Ireny pediu demissão. Ela não sabia o que iria fazer da vida a partir daquele momento. Mas tinha fé que o isolamento lhe traria de volta alguns sonhos. E foi o que aconteceu. 

O período em casa lhe reconectou com suas aspirações mais íntimas. Com o dinheiro de sua rescisão, Ireny comprou material de pintura. Queria fazer do tempo em casa a sua terapia, mas acabou por descobrir também sua futura profissão. Foi pintando em telas, garrafas, discos de vinil e outros objetos que percebeu que poderia ir além. Foi decorando sua casa e presenteando alguns amigos, que elogiavam sua evolução. Certo dia, um amigo ligado ao movimento de grafite a convidou para participar do grupo, para aprender mais técnicas e se inserir na comunidade em Ananindeua. Aceitou de imediato. Esperava por aquilo há muitos anos, talvez desde a infância. Com o tempo, os grafites de Ireny se espalharam principalmente pelo bairro da Guanabara, sempre com temas relacionados ao universo feminino, algo pouco habitual no meio paraense. 

“O dono da panificadora chegou a me ligar pedindo que eu voltasse, mas avisei que não. Quando fiz o primeiro grafite, me apaixonei logo, falei para mim mesma que era isso que eu queria fazer da minha vida. Aliás, eu deixei meus sonhos de lado para seguir a vida adulta, mas descobri que não poderia desistir de mim. Fui estudando técnicas em casa, vendo o pessoal mais experiente. Depois foi rolando uns grafites aqui pelo bairro, o pessoal foi vendo, me chamando para fazer em seus muros, seus estabelecimentos. Fui percebendo que poderia alcançar o desejo de muitos, que é trabalhar fazendo algo que se ama. Eu amo o grafite, faço por amor mesmo”, diz a artista. 

image Ireny realiza trabalho em estabelecimentos comerciais e também como artista de rua. (Reprodução Redes Sociais)

Fonte de renda 

Os meses passaram e Ireny Nunes conseguiu ser percebida como uma artista em seu bairro. Aos poucos, pessoas passaram a vê-la como alguém que poderia ajudar em diversos setores da comunidade. De início, a artista apresentava suas pinturas onde desse. Acompanhando os coletivos, formados principalmente por homens, Ireny fez de Lisa, personagem da série animada Os Simpsons, em sua marca registrada. Com o tempo passaram a surgir convites com propostas remuneradas de trabalho. Era o que Ireny queria para conseguir se firmar como artista, ganhar seu pão de cada dia através do spray e suas tintas. 

“Nessa época alguns grafites meus foram ficando conhecidos e então começaram a me chamar para diversos tipos de trabalho. O que eu pedi para Deus aconteceu, que era ter tranquilidade para fazer o que gosto. Deu certo e hoje pago minhas contas e compro minhas coisinhas com o dinheiro da pintura. Letreiro, muro, fachadas, estabelecimentos, onde tem trabalho vou. Porque hoje sei que estou fazendo uma parada que eu amo, que é pintar”, diz. 

Com o fortalecimento da cena nacional e regional, a artista de Ananindeua foi aprendendo mais sobre o universo do grafite e encontrando mais nichos de negócio para sua atividade. Sua própria família, incluindo seus três filhos, passou a olhar para Ireny como uma artista. Exibia seus trabalhos nas redes sociais para expandir o alcance de seu trabalho e ganhar mais encomendas. Deixou de ser a Ireny da panificadora, para ser a grafiteira ‘oficial’ da Guanabara, lugar onde nasceu e foi criada. As encomendas continuam a chegar, dos mais diversos bairros onde as redes sociais podem alcançar. 

image Ireny Nunes (De camiseta vermelha) faz parte de um coletivo feminino de grafite e outros estilos de arte. Artistas se reúnem periodicamente em diversos locais da cidade. (Redes Sociais)

Feminismo e Grafite em Ananindeua 

De postura firme e sem papas na língua, Ireny Nunes foi levando seu trabalho em diversos bairros de Ananindeua e Belém ao mesmo tempo que foi se aproximando de uma pauta que fazia tempos que defendia. O diálogo livre proporcionado pelo grafite a fez se perceber a favor das causas feministas. Foi encontrando mais mulheres ao longo de sua estrada na arte. Todas com as mesmas reivindicações, medos, obstáculos em comum. Ali encontrara um porto seguro, ao mesmo tempo que percebia que poderia mudar algo, pelo menos em sua casa, pelo menos em seu bairro. 

“No passado talvez o grafite e outros setores da arte eram quase que exclusivos para homens, mas hoje isso mudou muito, no Brasil e aqui mesmo. Com a arte fui conhecendo coisas que já era e não sabia como classificar. Fui conhecendo mais mulheres, muitas coisas em comum, uma dando força pra outra. Então, essa mulherada do grafite criou o coletivo XXT, só de mulheres artistas. Além de pintar, batemos muito papo, é algo que se tornou essencial para todas”, diz. 

O coletivo XXT trabalha com as pautas que são demandas essenciais no país. Amazônia, feminismo, LGBTQIA+. Todas as pautas estão no cerne do debate e das intervenções do grupo de mulheres. O objetivo é utilizar espaços públicos deteriorados pelo tempo e pelo abandono para fazer a população refletir sobre temas considerados tão importantes em nossa época. E tam dado certo até aqui. Quando se faz o que se ama, como Ireny Nunes fala, o resultado chega.  

Entre no nosso grupo de notícias no WhatsApp e Telegram 📱
Pará
.
Ícone cancelar

Desculpe pela interrupção. Detectamos que você possui um bloqueador de anúncios ativo!

Oferecemos notícia e informação de graça, mas produzir conteúdo de qualidade não é.

Os anúncios são uma forma de garantir a receita do portal e o pagamento dos profissionais envolvidos.

Por favor, desative ou remova o bloqueador de anúncios do seu navegador para continuar sua navegação sem interrupções. Obrigado!

RELACIONADAS EM PARÁ

MAIS LIDAS EM PARÁ