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Cientistas paraenses transformam caroços de açaí em próteses, móveis, concreto e carvão vegetal

Essas sementes, que já eram reaproveitadas com a fabricação artesanal, vêm ganhando cada vez mais novas finalidades, a partir de estudos feitos por empresas com apoio de instituições de ensino superior

Fabyo Cruz

O açaí está presente na maioria das mesas da população que vive na região Norte do país. Na Região Metropolitana de Belém (RMB), estima-se que mais de 500 mil litros de açaí são consumidos por dia. Após a polpa da fruta nativa da floresta amazônica ser extraída, o caroço do fruto quase sempre é descartado e, em alguns locais, o descarte do resíduo se torna um problema ambiental. Essas sementes, que já eram reaproveitadas com a fabricação artesanal, vêm ganhando cada vez mais novas finalidades, a partir de estudos feitos por empresas com apoio de instituições de ensino superior, entre elas, a Universidade do Estado do Pará (Uepa) e a Universidade Federal do Pará (UFPA).

Na capital paraense existem cerca de 10 mil pontos de vendas de açaí. Em alguns desses lugares são descartados aproximadamente 15 sacas de caroço por dia. No final de semana a quantidade dobra e a produção em toda a cidade passa de 500 toneladas por mês. Há 25 anos trabalhando como batedor de açaí, Waldecir Santos, 40 anos, afirma que as vendas aumentam quando o fruto está em período de safra - iniciado a partir do mês de julho com duração de até seis meses. “No verão [amazônico], o açaí apresenta mais qualidade, inclusive temos mais facilidade de comprá-lo. Agora no inverno, por exemplo, tive que comprar as sacas de Macapá por causa da escassez. Nessa época, bato cinco sacas de açaí por dia, sábado e domingo é o dobro, mas no verão faço muito mais que isso ``. comentou.

Waldecir trabalha em um ponto de venda de açaí localizado no bairro de São Brás, em Belém. Ele conta que atualmente faz o descarte do caroço da fruta nas chamadas “bags” - grandes sacos plásticos de polietileno, com cerca de dois metros de largura e um de altura, capazes de receber até dez sacas de semelhantes. “Toda sexta-feira eu pago R$30,00 para um rapaz levar essa bag. Não sei ele revende os caroços. Recentemente, uma pessoa me procurou e disse que tinha interesse de levar a bag de graça, ele contou que pretende vender os caroços. Acredito que seja reutilizado para a fabricação de tijolos, Sei que pelo interior algumas pessoas o aproveitam para esse fim. Quem sabe no futuro esses caroços não viram uma renda extra para a gente?”, sugeriu.

Manoel da Silva, 52 anos, é batedor de açaí em um ponto de venda localizado no bairro do Marco, na capital paraense. Há 35 anos atuando na profissão, ele explica que o período de safra interfere, inclusive, no preço da polpa. Durante o inverno amazônico, os valores estão mais caros, afirma o vendedor. No Pará, o açaí é comercializado de várias formas, conforme a densidade do produto: fino ou popular, médio ou regular, grosso ou especial. O litro do açaí fino - pouco denso - custa R$20,00 no local onde Manoel trabalha. Em época de safra, o valor pode cair em até 50%.  Alguns bairros mais afastados do Centro de Belém, o litro da polpa chega a ser encontrado a R$15.00. “A gente sente que o açaí não é tão gostoso fora da safra, às vezes até a coloração dele não é a mesma nessa época”, diz o batedor de açaí.

Ao longo do inverno amazônico, Manoel conta que bate três sacas de açaí por dia. Aos sábados, ele conta que chega a fazer o dobro e, no domingo, considerado o melhor dia de vendas, chega a utilizar cerca de oito sacas. Os caroços também são despejados em bags que ficam em frente ao estabelecimento onde ele trabalha.  "Nós pagamos um homem para que ele leve os caroços daqui. Soube que ele os comercializa em São Miguel do Guamá para serem utilizados em fornos. Às vezes, alguns universitários também nos procuram para fazer pesquisas, eles chegam até pedir sacas de caroços e nós doamos para esses estudantes”, disse Manoel.

 

O que diz a lei Lei 12.305/2010 sobre a coleta do caroço do fruto

 

A Prefeitura Municipal de Belém, por meio da Secretaria Municipal de Saneamento (Sesan), informou via nota que “de acordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos - Lei 12.305/2010- o caroço de açaí é classificado como resíduo industrial proveniente de processo produtivo e instalações industriais. Desta forma, a Prefeitura Municipal de Belém não tem responsabilidade de coletar tal resíduo. Portanto, a responsabilidade da destinação é de responsabilidade do gerador, no caso, os batedores de açaí. Entretanto, o que se observa na prática é que os comerciantes pagam para carregadores (carrinheiros) para darem destino a esses caroços, que acabam em pontos de descarte irregular de lixo. Levando em consideração o que é descartado, a Sesan estima que 800 toneladas desse resíduo são produzidas por dia em Belém. A Secretaria está elaborando um projeto que vai envolver os batedores e empresas terceirizadas, para que o caroço do açaí possa ser coletado e aproveitado como matéria-prima para reciclagem”, finaliza o comunicado.      

 

Pará é o maior produtor de açaí do Brasil

 

Atualmente, o Pará concentra 95% da produção de açaí no País. Segundo dados levantados pela Gerência de Produção Vegetal da Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca (Sedap), só em 2020, foram produzidas 1.478.168 toneladas de açaí no Estado, desse total foram comercializadas 992.099 toneladas do produto. O volume de venda de açaí paraense (fruto, polpa, mix e açaí em pó) em 2020 foi na ordem de R$ 908.487.143,00. Esse valor é alusivo à venda para o mercado nacional (outros estados) e mais a exportação. Entre os municípios que mais produzem o fruto, estão: Igarapé-Miri com 420 mil toneladas (30,22%), seguido de Cametá, com 159,540 (11,48%) e Abaetetuba (7,86%). Ambas cidades estão localizadas na região de Baixo Tocantins.

 

Cientistas propõem outras finalidades para o caroço de açaí

 

Fabricação de próteses - O açaí é muito usado na culinária e na fabricação de artesanato. Mas há alguns anos a fruta tem ganhado outras utilidades. Um estudo realizado, em 2012, por pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em São Paulo, descobriram que a fibra do caroço do açaí pode ser usada na fabricação de próteses para o corpo humano. Durante o processo, as sementes são colocadas em um equipamento, onde são trituradas até virar um pó, que nada mais é que o poliol. Em seguida, os cientistas transformam o composto em poliuretano, essa é a substância à criação das próteses.

Segundo o estudo, um dos principais benefícios de uma prótese de base natural, como é o caso da prótese de açaí, é a redução do número de cirurgias que os pacientes teriam que passar. A pesquisa valoriza o reaproveitamento de caroços de açaí que seriam descartados nos lixões da capital,  transformando a semente em matéria-prima com valor comercial às pessoas que as necessitam, melhorando sua qualidade de vida.    

Produção de carvão vegetal - Em 2017, pesquisadores da Universidade do Estado do Pará (Uepa) descobriram que o caroço de açaí tem potencial para se transformar em carvão vegetal, uma fonte de energia aliada à preservação do meio ambiente. Os estudos da época revelaram que a semente chegou a obter uma qualidade semelhante à do carvão vegetal de eucalipto, habitualmente utilizado. O produto pode ser usado para uso doméstico e fim industrial.

O processo de transformação inicia quando o resíduo vai para uma estufa com objetivo de retirar a umidade e, em seguida, é entregue ao forno. De acordo com a pesquisa, o rendimento carvão vegetal de caroço de açaí possui alto rendimento. Em torno de 80% do que vai para o forno se transforma em carvão, energia sustentável capaz de reduzir os impactos ambientais no meio urbano e nas indústrias.  

Criação de assentos de bancos - No mesmo ano, um estudo da Uepa também mostrou que o descarte das sementes do açaí pode dar lugar à criação de móveis. O trabalho gerou a produção de assentos para bancos resistentes com maior resistência, segundo os pesquisadores. A produção começa com a coleta, lavagem e secagem ao sol das sementes, por um período de 25 a 30 dias. Em seguida, precisam ser trituradas, peneiradas, adicionadas à cola branca e, posteriormente, e vão ao forno e à prensagem para, enfim, dar origem a uma chapa de conglomerado.

A instituição de ensino superior destinou os bancos - que foram moldados para crianças - a escolas públicas rurais em Salvaterra, no Arquipélago do Marajó, frequentadas normalmente por estudantes carentes socioeconomicamente. Cada assento possui aproximadamente 40 x 40 cm². De acordo com o estudo, o material tem flexibilidade, durabilidade e pode ser usado na fabricação de qualquer móvel como mesas, cadeiras, estantes, além de quadros para paredes.  

Concreto permeável para construção civil - Um projeto realizado por pesquisadores da Universidade da Amazônia (Unama), em 2019, utilizou o caroço do açaí para a produção de concreto permeável para construção civil. O material já existe no mercado, entretanto o estudo substituiu o seixo pela semente da fruta. A pesquisa propôs a utilização do material in natura, sem custo de beneficiamento. A semente do fruto, adicionada ao concreto, torna a impermeabilidade mais eficaz, tornando menores as possibilidades de alagamentos.

Entre as propriedades do concreto permeável de caroço de açaí, está o de evitar alagamentos recorrentes em Belém. Os resultados já estão sendo publicados, inclusive fora do país. Na época, a instituição de ensino superior disponibilizou para reformas em residências do conjunto Verdejantes, próximo ao Parque Estadual do Utinga. O trabalho fez parte da ação do projeto "Meu lar melhor", do núcleo de Responsabilidade Social da Unama.

Combustível para ser usado em escala industrial - Uma recente parceria da Hydro com a faculdade de engenharia mecânica da UFPA visa utilizar os caroços de açaí como combustível nas caldeiras da Alunorte, refinaria de alumina, localizada em Barcarena, na região do Baixo Tocantins, no Pará. Com duração de um ano e investimento de cerca de R$ 500 mil, a pesquisa analisará os requisitos técnicos e logísticos para uso do caroço em escala industrial, além de estudar o aspecto social e ambiental do uso do caroço do açaí como um combustível renovável.

O uso da semente em uma refinaria de alumina pode representar uma nova possibilidade para o seu ciclo econômico. Ao todo, 11 pesquisadores estarão envolvidos diretamente neste estudo e haverá também uma análise para entender os desafios da cadeia de suprimento e da sazonalidade do produto. O trabalho integrado entre diferentes grupos é necessário em virtude da complexidade da cadeia produtiva do açaí, extremamente forte e presente no Pará, e da necessidade de destinação apropriada do resíduo dessa produção, que não possui um processo de destinação padronizado de ponta a ponta. Caso o estudo comprove a viabilidade da utilização do caroço do açaí como fonte de energia alternativa na Alunorte, abre-se a possibilidade de dar uma destinação ao resíduo, que pode vir a se tornar um subproduto dentro da sua cadeia produtiva.

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