Trancistas celebram reconhecimento da profissão e destacam mercado em Belém
Nova classificação oficializa o trabalho das trancistas e fortalece a valorização de uma atividade que representa autoestima, tradição e sustento para muitas mulheres negras na capital paraense

A valorização do trabalho de trancistas no Brasil deu um importante passo neste mês com a criação de uma Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) exclusiva para esse ofício. O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) oficializou o código 5161-65, reconhecendo a relevância econômica, social e cultural da atividade, tradicionalmente exercida por mulheres negras nas periferias urbanas do país. Em Belém, profissionais da área celebram o avanço, destacando os desafios da profissão e o crescimento do mercado.
Anne Beatriz Santiago, 24 anos, começou na profissão durante a pandemia, trançando o próprio cabelo com técnicas que aprendeu em vídeos no YouTube. “Sempre quis trançar meu cabelo e como tinha tempo livre por causa do isolamento, aproveitei para aprender”, relembra. O hobby virou ocupação. Hoje, ela trabalha em um salão especializado em cabelos cacheados na capital e vive exclusivamente do ofício.
Para ela, as redes sociais são aliadas importantes tanto para divulgar o portfólio quanto para acompanhar as tendências.“Acho muito importante até para as pessoas visualizarem as modelos e referências de penteado”, explica.
Entre os estilos mais pedidos no salão, segundo ela, estão a trança Nagô e as Gypsy Braids, especialmente em épocas festivas como Final de Ano, Dia das Mães e Carnaval. Para Beatriz, o crescimento do mercado está diretamente ligado ao empoderamento feminino e à valorização da estética negra. “Hoje em dia, a gente vê muitas influencers trançando o cabelo. Acho muito importante essa visibilidade, para mostrar que não existe só beleza em cabelos lisos, mas também em cabelos crespos e cacheados”, afirma.
Apesar dos avanços, ela reconhece que o preconceito persiste. “Muita gente ainda não considera o trabalho de trancista um emprego de verdade. Mas uma trança bem feita pode levar de quatro a seis horas para fazer. É algo que exige muita técnica, paciência e dedicação”, afirma. Para ela, a trança é mais do que estética: “É resistência, autoestima, versatilidade e herança de povos africanos”.
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“É preciso se impor”
A estudante Flávia Moraes, 37, também enxerga nas tranças uma forma de resistência e expressão cultural. Ela aprendeu ainda criança, trançando o cabelo das irmãs e primas. Em 2020, decidiu se profissionalizar e fez um curso em um salão afro de Belém. Desde então, divide a rotina entre o estágio, a graduação em Biblioteconomia na UFPA e os atendimentos como trancista.
“As tranças são um complemento importante da minha renda mensal. Faço cerca de três atendimentos por mês e tiro em média R$ 900. Conheço muitas mulheres que sustentam toda a casa com esse trabalho — várias delas mães solo”, relata.
Flávia destaca que, mais do que talento, o mercado exige posicionamento. “A partir do momento que eu tenho certeza de que ofereço um bom serviço, eu estabeleço o meu valor. É preciso se manter firme e não aceitar que possíveis clientes venham desrespeitar nosso serviço”, afirma. Segundo ela, os preços variam conforme a complexidade do penteado: podem custar de R$ 50 a R$ 480 e durar de 40 minutos a até 14 horas.
Atualmente, as Box Braids e as tranças French Curl estão entre os modelos mais pedidos pela clientela de Flávia. Assim como Beatriz, as redes sociais para ela são fundamentais para a divulgação do trabalho. “Tenho muitas clientes fixas que indicam meu trabalho, mas a visibilidade no Instagram, por exemplo, ajuda demais”, explica.
Para ela, o maior desafio é lidar com as várias funções que o ofício exige. “Trançar é só uma parte. A gente precisa comprar material, organizar agenda, movimentar rede social, atender... É como equilibrar vários pratos ao mesmo tempo. Mas vale a pena”, diz. E conclui com firmeza: “Trançar cabelo é arte, é estética negra, é honrar os nossos ancestrais”.
Autoestima e identidade
A cliente Paula Magalhães, 25, passou a usar tranças em 2022, após fazer a transição capilar. “Alisei o cabelo por quase oito anos. Depois da transição, fiz o big chop e senti muita falta do cabelo comprido. As tranças foram a solução: podia usar o cabelo longo de novo sem recorrer à química”, conta. Além disso, a praticidade foi determinante: “Quando estou de trança, ganho tempo. Não preciso ficar me preocupando com o cabelo o tempo todo”.
Paula conta que as tranças mudaram a forma como se vê. “É algo até que brinco com meus amigos mais próximos, que viro outra pessoa. Me sinto muito mais confiante e sinto que aumenta consideravelmente minha autoestima, me sinto muito mais bonita, com certeza. Gosto de estar sempre testando modelos de trança e cores diferentes, então nunca enjoo e sempre tenho uma novidade pra testar que me vão fazer eu me ver de uma forma totalmente diferente que antes”, afirma.
Sobre os preços, ela reconhece que o custo pode assustar à primeira vista, mas acredita que o serviço é justo. “Já paguei entre R$ 200 e R$ 600. Muita gente não leva em consideração que são horas de trabalho em pé, além da técnica envolvida. Se a profissional investiu anos se qualificando, tem todo o direito de cobrar por isso”, avalia. Ela mesma já passou por diversas profissionais até encontrar a que virou sua trancista de confiança. “Hoje só faço com ela. Já sabe do que gosto, do acabamento que prefiro. Isso faz toda a diferença”.
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