Tempo de proteger crianças e adolescentes

Campanha nacional, durante todo este mês, convocou a sociedade para o combate à violência sexual infantil

Elisa Vaz
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A vulnerabilidade de crianças e adolescentes colabora para o grande número de casos de violência sexual que ocorrem diariamente ao redor do mundo. No Pará, o cenário não é diferente. Uma pesquisa divulgada pela Coordenação Estadual de Saúde do Adolescente, ligada à Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa), mostrou que, entre os anos de 2013 e 2017, foram registrados, no território paraense, 4.472 casos de violência sexual contra adolescentes, cometidos nas regiões Metropolitana (2.644), Tocantins (689), Baixo Amazonas (260), Carajás (237), Marajó (202), Lago de Tucuruí (138), Rio Caetés (121), Xingu (117), Araguaia (32) e Tapajós (32). Além disso, foram outros 2.857 casos de violência sexual contra crianças. Incluem-se assédio, estupro, pornografia infantil e exploração sexual.

Para combater os altos índices de violência a esses grupos, é comemorado, todo dia 18 de maio, o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual Infantil. A data foi instituída em 2000, em referência ao caso Araceli - uma menina de oito anos de idade que foi abusada sexualmente e morta no ano de 1973, na mesma data. No Pará, a campanha "Maio Laranja" foi instituída em abril do ano passado, após aprovação de um Projeto de Lei (PL) de autoria do então deputado estadual Márcio Miranda, na Assembleia Legislativa do Estado do Pará (Alepa).

Neste ano, foi realizada uma programação de combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes, em que foram realizadas, durante todo o mês de maio, palestras, seminários, rodas de conversa e outras ações de acolhimento ao público. Apesar do esforço dos governos estadual e municipal, ainda há muito que avançar. De acordo com o presidente da Comissão de Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes da Ordem dos Advogados do Brasil no Pará (OAB-PA), Ricardo Melo, a principal medida a ser realizada para avançar na prevenção dos casos no Estado é a criação de varas especializadas em todos os municípios.

"Infelizmente, ainda verificamos muitos casos relacionados a este crime no Pará. Nossa principal demanda para reduzir os números é a instalação de redes especializadas para ouvir as crianças e os adolescentes vítimas de abusos, com profissionais preparados e bom atendimento. Já temos isso em Belém, mas no interior é muito mais difícil", comentou o presidente. Segundo Melo, a intenção é que as crianças tenham um local de denúncia mais próximo e não precisem se deslocar até a capital para coletar depoimentos, fazer exames e participar da perícia.

Conforme explicado pelo presidente da Comissão, as vítimas ou familiares podem efetuar denúncia por meio do Conselho Tutelar ou Delegacia mais próxima, ou por meio do Disque 100, que é uma central de atendimento gratuita. Por meio dela, tanto o Conselho quanto o Ministério Público têm acesso às informações e dão prosseguimento às investigações. A atuação da OAB nos casos de violência contra crianças e adolescentes, por sua vez, é no monitoramento das políticas públicas. "Nós cobramos para que haja, de fato, atendimento, e também atuamos por meio do Comitê de Enfrentamento à Violência, uma articulação entre órgãos do governo estadual, da prefeitura e da sociedade civil em geral, para avaliar o que vem sendo desenvolvido", explicou.

Mapa da violência

De acordo com informações do Ministério Público, colhidas entre os anos de 2011 e 2017, 76,8% dos autores de crimes de violência são do sexo masculino e, em 37,7% dos casos, com vínculo familiar com a vítima ou família. O local de ocorrência mais apontado nas notificações foi a residência, especialmente para as crianças e adolescentes do sexo feminino (71,2% e 58,7%, respectivamente). O tipo de violência sexual mais notificado foi o estupro (62% em crianças e 70% em adolescentes).

A mesma pesquisa também informa o perfil das vítimas. No grupo das crianças, as meninas negras são as maiores vítimas (74,2%) e, em sua maioria, tanto do sexo feminino quanto masculino, estão na faixa de 1 a 5 anos de idade. Entre os adolescentes, o quadro se repete. Meninas negras são as maiores vítimas: 92,4%.

Cartilha informa passo a passo da denúncia

Quem passa por uma situação de violência, nem sempre tem conhecimento do que deve ser feito na denúncia. Auxiliar as vítimas e as famílias que vivenciam situações de violência foi o principal intuito do assessor de juiz da 4ª Vara da Infância e Juventude de Belém do Tribunal de Justiça do Pará (TJPA), Diego Martins, que criou uma cartilha gratuita com informações organizadas de forma simples e didática para a população. Fruto do mestrado em Segurança Pública pela Universidade Federal do Pará (UFPA), cuja pesquisa de Diego foi "Depoimento de vulnerável: testemunho de crianças e adolescentes como prova criminal", a cartilha é um passo a passo para o atendimento dos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes no Estado.

"Percebi que a linguagem jurídica é um obstáculo para a efetivação de políticas de repressão e prevenção à prática de crimes sexuais cometidos contra essas pessoas. Quem não tem conhecimento jurídico fica com dificuldade de compreender o funcionamento dos órgãos, buscar informações sobre os seus direitos e entender termos técnicos. Essa dificuldade também é muito presente entre educadores e profissionais da área da saúde, duas das principais portas de entrega das denúncias desses casos. Por conta disso, ficam sem saber o que fazer e como orientar", argumentou Martins.

O primeiro passo é procurar uma delegacia especializada para registrar o Boletim de Ocorrência (BO). Em Belém, o órgão que faz esse atendimento é a Delegacia Especializada no Atendimento à Criança e ao Adolescente (Deaca), ligada à Polícia Civil. Após isso, é coletado o depoimento da vítima e das testemunhas, e a pessoa violentada é encaminhada para a realização de perícia, atendimento de saúde e psicossocial. Depois deste processo, instaura-se um inquérito policial, em que são reunidos elementos para a investigação. O documento é encaminhado, então, ao Ministério Público e, lá, o representante pode pedir que o inquérito policial retorne à delegacia, seja arquivado ou que a denúncia seja recebida. No último caso, é emitido um mandado de citação, distribuído ao oficial de Justiça para citar o acusado do crime.

A partir disso, inicia-se o processo de apresentação de defesa - o processo é encaminhado para análise do juiz. Tanto a defesa quanto a acusação podem recorrer da decisão do profissional, mas, se não houver recurso, ele pode arquivar o processo, em caso de absolvição, ou expedir mandatos de intimação, em caso de audiência. Os envolvidos terão ciência da data e horário para comparecer à vara criminal. Serão ouvidas testemunhas, o réu e, por último, a vítima. Todo o processo será, então, encaminhado para o juiz proferir sentença, que pode ser condenatória ou absolutória. Nos dois casos há possibilidade de recurso, mas, se não houver, decisão transita em julgado, é cumprida e o processo arquivado. A cartilha foi lançada na última terça-feira (28) e, a princípio, tem cinco mil unidades disponíveis em Belém. Para acessar, basta entrar neste site.

Profissional orienta sobre cuidados com vítimas

Além da denúncia, outra dificuldade dos familiares é em relação ao processo de acompanhamento psicológico de quem sofreu violência. Segundo a assistente social e coordenadora do Centro de Referência Especializado em Assistência Social (Creas), Andréa Marçal, a recepção das vítimas e familiares é feita por meio do Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (Paefi), que engloba diversos casos de violência - não apenas sexual. "Nós atuamos com orientações e fortalecimento da família. Todos são atendidos, porque também são atingidos pela violação. Nós identificamos as necessidades daquelas pessoas, conversamos e, nos casos que precisam de terapia, encaminhamos para clínicas parceiras", disse a coordenadora.

Marçal também explicou que existe uma série de cuidados que é preciso ter com as vítimas de violência sexual. "Nós não podemos forçar a criança, temos que respeitar o momento dela de falar. Não pedimos que elas relatem o que aconteceu, porque, provavelmente, já fizeram isso no momento da denúncia e não querem repetir. Também orientamos a família, que é muito importante no processo. Eles chegam fragilizados e, muitas vezes, não sabem como lidar. Então fazemos uma série de orientações, como não falar muito sobre o assunto, não perguntar várias vezes, não pedir detalhes e, principalmente, não forçar", explicou a assistente social.

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