'Nosso saber já funciona': pesquisadora explica o que é ciência indígena e sua importância
Em entrevista exclusiva, a pesquisadora Cristina Potiguara falou de como conhecimento ancestral pode ser chave para enfrentar a crise climática
Quando se fala em ciência, ainda é comum imaginar laboratórios brancos, jalecos e instrumentos de alta precisão. No entanto, uma parte essencial do conhecimento sobre natureza, clima e biodiversidade nasce em territórios muito diferentes: nas aldeias, nas roças familiares, nas florestas e nas práticas transmitidas oralmente por povos originários e comunidades tradicionais ao longo de gerações.
Esse conjunto de saberes – cada vez mais reconhecido como "ciência indígena" – vem ganhando espaço nos debates ambientais, climáticos e acadêmicos, especialmente durante eventos como a COP30, em Belém.
Participante da mesa sobre Justiça Climática no stand da UFPA na Blue Zone da COP30, a pesquisadora Cristina Potiguara, indígena Potiguara, da Paraíba, reforçou que o objetivo dos povos indígenas não é buscar validação externa, mas reconhecimento e aplicabilidade real desses saberes.
VEJA MAIS
“Quando falamos de ciência indígena, não estamos aqui para validar um conhecimento nosso, até porque a gente já sabe que ele existe, a gente já sabe que ele funciona. O que queremos é que as pessoas enxerguem esse conhecimento e coloquem em prática, no mundo todo”, afirma Cristina, que é doutoranda em Antropologia Social na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, integra grupo de pesquisa da Universidade Federal do Piauí e participa de um projeto internacional de fortalecimento da ciência indígena.
Ela destaca ainda que enfrentar a crise climática exige caminhar lado a lado: “São pessoas que estão caminhando. A gente necessita caminhar junto para que, no fim, tenhamos um desenvolvimento melhor e consigamos combater essa crise climática”.
O que caracteriza a ciência indígena?
A ciência indígena não se limita ao conceito ocidental de ciência, que costuma separar áreas como biologia, geologia e física. Entre povos indígenas, o conhecimento é integrado: clima, solo, plantas, animais, espiritualidade, saúde e território formam um único sistema.
Essa ciência aparece nas técnicas de plantio, no manejo de roçados, nas formas de pescar sem degradar os rios, na preservação de nascentes e no uso de plantas medicinais. Também se materializa nas narrativas míticas que orientam os modos de viver, produzir e se relacionar com o ambiente.
Lideranças indígenas ressaltam que não existe uma separação rígida entre natureza e espiritualidade. Pajés, curadores e sábios das aldeias são reconhecidos como cientistas, pois observam, testam, interpretam e transmitem conhecimentos que sustentam práticas há séculos.
Muitos povos são capazes de prever mudanças climáticas locais ao observar insetos, aves, ventos e ciclos naturais. Outras comunidades dominam técnicas de queima controlada que reduzem incêndios florestais e manejam sistemas agrícolas diversos que preservam a fertilidade do solo sem depender de insumos industriais.
Na Amazônia e em outros biomas brasileiros, esse conhecimento guia decisões cotidianas sobre caça, coleta, plantio, água e saúde, reunindo dados empíricos e valores culturais sobre cuidado, reciprocidade e equilíbrio com o território.
Ciência indígena: base da conservação ambiental
A ciência indígena oferece ferramentas concretas para adaptação climática, conservação ambiental e construção de modelos de desenvolvimento que respeitem limites ecológicos. Mais do que isso: ela amplia nossa compreensão sobre o que significa viver em equilíbrio com a natureza.
Como lembra Cristina Potiguara, este conhecimento não precisa ser legitimado, mas compreendido, respeitado e praticado. Em um momento em que a Amazônia ocupa o centro das discussões globais, reconhecer a ciência indígena é reconhecer que soluções fundamentais para o futuro já existem — e vêm sendo aplicadas há séculos pelos povos que mais protegem a floresta.
Palavras-chave
COMPARTILHE ESSA NOTÍCIA