Incertezas

Os brasileiros têm assistido, entre estarrecidos e envergonhados, os indecorosos "vai-e-vêm", na variação das ações e decisões institucionais, ao sabor das circunstâncias de cada momento, constituindo uma das razões responsáveis pelas graves repercussões no desenvolvimento do país. Uma das mais frustrantes e danosas consequencias dessas manobras reside na chamada "insegurança jurídica", que repercute na instabilidade institucional, responsável pelas desconfianças históricas que afastam os investidores e seus dólares nas diversas oportunidades nacionais.

Tal e qual os movimentos das nuvens no firmamento, a cada momento que se olhe, no Brasil as coisas estão sujeitas a mudanças repentinas, inspirando ironias, como proferiu, nos anos 90, o então presidente do Banco Central, Pedro Malan, que, “No Brasil, até o passado é incerto”. Interpretações oportunistas dos textos legais, inclusive da que deveria ser a "Lei mater", atribuída à Constituição, contribuem para justificar o axioma, cunhado por um governante ditatorial, segundo o qual "lei é potoca. Para os amigos, os favores da lei. Para os inimigos, os rigores da lei".

Nos primeiros dias da pandemia, em 2020, preenchi minha reclusão familiar contra o então ameaçador coronavirus, escrevendo um livro a que intitulei de "Reflexões de uma quarentena". Fiz chegar a algumas pessoas os 500 exemplares que imprimi, enquanto disponibilizei à livre leitura, na plataforma "issuu", bastando acessar "isuu linomar bahia reflexões de uma quarentena" para folhear. Sem pretensão a profeta, mas veterano acompanhante de como as coisas acontecem no país, os textos lá publicados já previam o que está acontecendo um ano depois.

Embora costumem ser orientados pelo viés político, constituindo um dos instrumentos de estratégias objetivando desgastar os adversários, as inconsistências de que se revestem os atos e práticas têm construído uma imagem tão negativa quanto as de países caracterizados pela ausência de leis efetivas de quaisquer naturezas e objetivos, bem como por chancelarem produtos de autenticidade e resultados duvidosos. Rotulagens ufanistas, a exemplo de "país do futebol" e "terra do samba", por exemplo, também passaram a soar caricatos aos olhos do mundo.

Incertezas também marcam momentos difíceis, como na atualidade, quando o país vive aterrorizado pela ênfase, beirando o sadismo, na divulgação do número de contaminados e mortos, sem referir aos 90 mil vítimas de homicídios, mais do que guerras recentes, e 40 mil vítimas do trânsito, sem que se registrem, com até maior e animadora ênfase, os números de outros milhares de recuperados. Ao mesmo tempo em que funções institucionais privativas sofrem a politização e judicialização, transformadas em questiúnculas de caráter meramente eleitoreiro, corporificadas no lema revolucionário "se há governo, sou contra". 

Essa triste mania continua povoando tudo quanto se falam e se fazem, provocando  os "achometros" oportunistas e questionamentos sobre como será o amanhã, fonte inspiradora de hinos à descrença intrínsecas a tudo. Enquanto isso, os graves problemas do país continuam à espera de que as incertezas se transformem em soluções concretas, deixando o Brasil de ser objeto de epítetos, como na ironia francesa, de que o Brasil não é um país sério, em meio à "guerra da lagosta", que não houve. Falemos sério, inclusive nas epidemias.