Há controvérsias

Uma série de propostas e decisões dos tempos recentes, podem ser considerados emblemáticos em relação aos preceitos que definem o conteúdo e o espírito da democracia, tal como foi gestada nas praças atenienses. Têm sido acusadas de violar os princípios estatuídos como formas de dirimir as funções específicas, cultivando a harmonia entre os poderes responsáveis pela vida de um país e da respectiva população. Surgem, então, os questionamentos quanto a compatibilidade de atos e práticas com os dispositivos basilares dos fundamentos da democracia, incorporados em constituições e inspiração da Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgado pela ONU, em dezembro de 1948.

Essa forma de governo passou a ser o principal objeto de controvérsias, expressão saída das contendas jurídicas e se assenta em tantos momentos, comportamentos e está enraizada na cultura do país. O próprio descobrimento do Brasil tem sua controvérsia, sobre quem chegou primeiro, se portugueses ou espanhóis, e onde aportou, tem tido esse tipo de discussão, dividindo historiadores, geógrafos e oceanógrafos, principalmente quanto aos ventos dominantes, que poderiam ter soprado, ou não, as naus do descobrimento. Na política, as controvérsias assumem proporções institucionais, influenciando os destinos da humanidade em todo o mundo, radicalizando no Brasil de forma preocupante.

Reiteradas ocorrências, ao arrepio dos mais elementares princípios democráticos, com respingos nos termos incorporados pela Constituição, têm sido protagonizadas por membros dos Poderes Constituídos, demonstrando ser a democracia algo sempre sujeito a relativização, conforme as oportunidades e circunstâncias. Fatos e atos de sempre, têm mostrado à exaustão que sua prática no país raramente corresponderá às origens, como símbolo do poder que emana do povo para, efetivamente, em seu nome ser exercido, igualando a todos nos direitos e deveres. Como no dilema shakespeareano, a democracia estaria, ou não,  apenas mascarando a prevalência dos interesses e das conveniências de cada ocasião.

Eis a questão que emerge do uso em vão do nome da democracia, em algumas ocasiões de forma discreta, em outras, escancaradas. No clássico “Espírito das Leis”, Carles-Louis Montesquieu seguiu as trilhas de Aristóteles e Locke, ao teorizar sobre a constituição de um sistema institucional, regido pela interdependência e harmonia entre os Poderes, formalizada por parâmetros legais, na execução e quanto à segurança jurídica. Em nações como o Brasil, contudo, práticas pontuais, controversas e questionáveis, demarcam perigosamente as diferenças que separam a democracia, que pensamos professar, das democracias consolidadas, em flexibilizações que mandam às favas princípios e direitos estatuídos.

A turbulência na política brasileira, com profundas e devastadoras repercussões na administração e na economia do país, tem sido atribuída, em grande parte, à má qualidade das gerações que assumiram os poderes nas últimas décadas. Difícil esperar o melhor desfecho de episódios, em que um debate de idéias e propostas, moldados pelas regras democráticas, tem sido transformado em disputas de egos e conveniências. O dístico "Ordem e Progresso", inserido na bandeira nacional, tem ficado reduzido a meras palavras ao vento, desprovida do sentido que deveria expressar. Cresce o contingente daqueles céticos em relação ao que está por vir, além de ações e decisões questionadas nas controvérsias.