Icoaraci quase foi escolhido como local de fundação da capital paraense; entenda

A estratégia militar da época também considerou estabelecer a capital em Mosqueiro e no Marajó

Laís Santana / O Liberal
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A comemoração do aniversário de 406 anos de Belém é um verdadeiro convite para conhecer um pouco mais sobre a história de fundação da cidade. Mesmo sendo datada em 12 de janeiro de 1616, a consolidação da capital paraense levou cerca de dois séculos para acontecer. Nesse período, áreas em Icoaraci, Mosqueiro e na Ilha do Marajó foram apresentadas como possibilidade para se estabelecer o núcleo colonial português, empreitadas que não tiveram sucesso devido à pressão popular.  

O contexto histórico da época era regido, de modo global, pela União Ibérica, unidade política entre as monarquias de Portugal e da Espanha sob o controle da coroa espanhola. Mesmo estando sob domínio da coroa espanhola, os portugueses faziam questão de “batizar” os locais que ocupavam com nomes lusitanos, para marcar a posse lusa e não espanhola. Desse modo, quando chegaram na área atualmente conhecida como Cidade Velha, eles denominaram o núcleo colonizador de Feliz Lusitânia, dando assim os primeiros passos para a ocupação na região. 

A historiadora e antropóloga Dayseane Ferraz, professora da Universidade da Amazônia, explica que a escolha do local não foi feita de forma imediata, foram feitas observações sobre outros sítios até escolher a ponta de terra onde, posteriormente, foi construído o Forte do Presépio. “É uma espécie de área mais alta da cidade. Se de lá de cima nós olharmos para o Ver-o-Peso se tem noção dessa cidade alta, na área onde está o Forte, a Catedral, o conjunto arquitetônico de Santo Alexandre, aí quando você olha para baixo se vê o Ver-o-Peso e a área portuária. Então tem muito dessa característica da cidade alta e da cidade baixa, isso justifica um pouco a escolha do sítio”, pontua.

A medida que o processo de colonização avançava, ainda no século XVII, surgiram possibilidades de mudanças deste sítio, tendo em vista que Belém ainda não era cidade constituída, sendo sua estrutura arquitetônica incipiente, com construções em madeira e palha como foi o Forte do Presépio, tornando viável o remanejamento do núcleo colonial. 

Dessa forma, surgiu a primeira possibilidade de mudança, está em 1619, quando o capitão-general Jerônimo de Albuquerque escreveu para o Rei indicando “uma nova paragem” para assentar o núcleo colonial que seria, neste primeiro momento, uma ponta de terra chamada Ponta do Mel, que depois se torna a Fazenda Pinheiro e hoje é Icoaraci.

Em 1619, a Revolta dos Tupinambá fortaleceu o cenário de possível mudança. Em uma tentativa de tomar a área de Mairi, um entreposto indígena com movimentação de etnias em processo de migração entre a região do Marajó e o baixo amazonas que havia sido ocupado com a chegada dos portugueses, os povos nativos atacaram o Forte do Presépio, travando uma luta contra os colonizadores. O conflito foi marcado pela morte do cacique Guaimiaba pelas mãos do soldado Gaspar Cardoso. “Esse contexto de revolta deixa o terreno fecundo para pensar na mudança desse núcleo da cidade”, pontua Dayseane Ferraz. 

O segundo momento que se discutiu a possibilidade de remanejamento do núcleo embrionário de Belém foi em 1633. Na época, o capitão-general já era o Francisco Coelho que cogitou a possibilidade de levar o núcleo da cidade para Baia do Sol, em Mosqueiro. 

A historiadora destaca que em todo século XVII é preciso entender Belém num período de muita instabilidade, com a expectativa de ameaça de holandeses, franceses, ingleses, sobretudo os franceses que tinham acabado de ser expulsos do Maranhão. “Todas as possibilidades de mudança foram levantas pensando na garantia de efetivação da ocupação portuguesa no território”, afirma.  

Pensando nisso, por volta de 1655, André Vidal de Negreiros sugeriu que a sede colonizadora da capital fosse transferida para a Ilha Grande de Joanes, localizada na época próximo ao sítio dos Aruãs. “Quando os portugueses chegaram aqui já estava na quinta ocupação da Ilha do Marajó e o que hoje é o Marajó foi batizado de ilha grande de joanes em homenagem ao Dom João”, conta a historiadora. 

Dayseane Ferraz pontua ainda que a entrada da Amazônia na época se tratava de uma malha fortificada. “Então você tem, por exemplo, os vestígios aqui em Belém, o Forte do Presépio que está em pé ainda, mas tem vestígios do forte São Pedro Nolasco que é ali onde é a Estação das Docas. Quando você projeta isso para fora no Pará, você tem no Rio Pará a fortaleza da Barra, próximo a onde hoje é o bairro de Val-de-Cans. Essa entrada da Amazônia vinha sendo fortificada com redutos e bateria artilhadas para garantir a ocupação. Em cada um desses pontos estratégicos haviam fortificações e esse tripé da colonização que era a ocupação militar, a exploração econômica e a catequese ia junto, o que garantiu essa conquista territorial e a imposição dessa cultura.”

Com decorrer do século XVIII a cidade foi se consolidando, onde a a passou de madeira e palha para uma arquitetura de taipa de pilão, depois alvenaria de pedra e cal. Com isso, o período de mudança e consolidação da cidade ficou marcado pela fundação em 1616, a expansão, sobretudo assinalada pela presença missionária, na segunda metade do século XVII, a consolidação com a Amazônia Pombalina por volta de 1751 e, posteriormente, o período da Belle Époque.  

No dia dedicado ao aniversário de fundação da cidade, Dayseane Ferraz frisa que é imprescindível celebra Belém pela sua diversidade. 

“É importante pensarmos nesse momento a materialidade da cidade, o que precisa do cuidado e da preservação do patrimônio edificado, mas pensar também as outras contribuições culturais. A partir do momento que estes europeus conquistam esse território ele não estava desocupado. Há na nossa cultura uma presença indígena muito forte, nos nossos hábitos, nos nossos costumes. Quiséramos nós que a nossa arquitetura dialogasse mais com o nosso clima, não fosse somente uma herança da cultura europeia como foi por muito tempo. A nossa população é cabocla resultando justamente desse encontro entre europeus, indígenas, africanos, o que dá origem a uma outra cultura”, acrescenta.

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