Artigo: Amadurecer pelas ruas de Belém

Dulcivânia Freitas

Durante 10 anos amadureci nas ruas de Belém. Quando se trata de falar sobre a Belém dos anos 1990, me gabo em dizer que sou de casa. Deixei a cidade há quase 18 anos, mas mantenho laços afetivos fortes, que me dão a honra de contar com guarida em várias residências. Tenho ciúmes de Belém, tomo as dores de Belém. Hoje, com um olhar de turista, aponto vários desafios. Mas, se perceber preconceito regional, fecho a cara e reajo com direito a sotaque paraibano. 

Belém sabe se defender. Diante de uma lente fotográfica, é fotogênica e faceira. O povo de fora sabe bem dessa habilidade de Belém, é só buscar na web para comprovares. Por sinal, essa conjugação perfeita do verbo na segunda do singular eu aprendi em Belém. Percebi essa beleza na linguagem oral do povo de Belém logo ao desembarcar na cidade, em 16 de abril de 1996, às 20 horas. Sim, era véspera do massacre de trabalhadores sem-terra em Eldorado do Carajás, e eu não tinha noção da importância desse tema. 

O saudoso taxista, seu Leonardo, sereno no seu chamativo chevette vermelho, me levou direto para a Igreja da Conceição, na Cidade Velha, onde o saudoso e generoso padre David Larêdo me aguardava. Me apresentei com um diploma de jornalista, nenhum medo, muito calor e uma valentia que se esvaiu nos últimos anos. Os primeiros passeios, roteirizados pelo Larêdo, foram o terminal petroquímico de combustíveis no Miramar, onde ele ressaltou que o fluxo de movimentações, em Belém e no Pará quase todo, dependia do perfeito funcionamento das operações naquele lugar. Neste momento conheci também a Praça Brasil e a inesquecível sorveteria Tip Top, onde degustei sabores que nem imaginava existirem. 

Amigos da Paraíba comentaram que Belém era uma cidade de comidas esquisitas e recomendaram experimentar com boa vontade. A mente e o coração ficaram tão preparados, que tem dias que não sei se estou vivendo ou temperando frango com tucupi e jambu. Meu Deus, perdoa a soberba por ter a sorte de conhecer o que é açaí de verdade, sem leite condensado. Porém, contudo, pupunha foi um dissabor à primeira vista. Quem tomar um café comigo vai saber detalhes dessa história e vai me dar razão. Comentei com os parentes que chopp em Belém era barato demais. Sabe nada, inocente. O chopp dos paraenses é o dindim dos paraibanos. Ainda como parte das memórias – cada vez mais são lampejos – lembro que arregalei os olhos diante do prédio suntuoso de O Liberal. Não houve deslumbramento patético, mas fiquei contente por trabalhar num lugar espaçoso, chique e cheiroso.

Passar a viver em Belém foi o equivalente a nascer de novo. O que eu trazia em comum com o belenense era somente a moeda e a língua. Foram quatro semanas para aprender a soletrar Ananindeua. Obrigada aos envolvidos pela paciência. O novo, na parte assustadora, me mostrou uma Belém toda pichada. Em relação aos aluguéis, não existia bom e barato na mesma frase, era chegada a hora de me embrulhar nos classificados do jornal, procurando moças para dividir custos de moradia. 

No trabalho, caí de paraquedas diante de sumidades do mundo artístico paraense, que se espantavam quando eu lhes perguntava o nome. Em Belém, meu rosto ganhou as primeiras rugas. Surgiram os primeiros fios de cabelo branco. Estava em Belém quando passei a chamada de senhora. Viver em Belém, com o passar de alguns anos, finalmente me fez sentir-me no contexto da Amazônia. Aprendi a valorizar a cultura e o conhecimento amazônida. A amar ainda mais a chuva. Curti as ondas de rio em Mosqueiro, uau, que impressionante. O carimbó é um capítulo à parte. Pensei que jamais na vida me emocionaria com outra dança que não fosse o forró. A expectativa era encontrar na cidade espaços temáticos sobre o carimbó, sua história, exposição de instrumentos, folderes, shows com frequência. Já temos?! 

Belém me preencheu de amadurecimento profissional, paixões e experiências pessoais transformadoras. Belém me revelou uma parte bonita e “invisível” do Brasil. Décadas depois me valho dos versos de Celso Viáfora para expressar minha inquietação “será que o Brasil nunca viu a Amazônia?”. Sempre soube que Belém é a cidade do Círio de Nazaré. Mas marquei as férias de 1997 justamente para outubro, e não entendi a estranheza dos meus colegas. Mas depois de 1998 a ficha caiu, porque vivenciei pela primeira vez a grandiosidade do “Natal dos paraenses”.

Este ano, voltei às ruas de Belém. Comecei a caminhada pela avenida Nazaré e paralelas. Fotografei mentalmente paisagens feitas das belas mangueiras, limo nas calçadas, bancas de revistas que incrivelmente sobrevivem, o tacacá, os velhos ônibus de sempre. Muita gente sorridente. A melancolia deu as caras ao sentir falta do grande Cinema Nazaré (1 e 2). De rua em rua, na próxima viagem a Belém chegarei ao bairro da Pedreira, onde vivi 9 dos meus 10 anos em Belém. Ouso me achar uma pedreirense, com pouco samba, mas muito amor. Tenho certeza que a COP 30 trará articulações para aprimorar Belém. Meus parabéns e minha gratidão!

Dulcivânia Freitas é jornalista 


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