Aniversário de Belém: remanescentes de quilombos resistem e ascendem no bairro da Terra Firme

Famílias que vieram de quilombos ocuparam bairro e hoje são os principais protagonistas de iniciativas pró desenvolvimento e promoção social

Natália Mello
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Ocupar e resistir foi o meio encontrado por Caroline Santos, de 33 anos, para manter a essência quilombola mesmo vivendo longe de seu território. O bairro que a abraçou e a tantos outros remanescentes quilombolas foi a Terra Firme, em Belém, onde ela mora desde os quatro anos. Considerado um dos mais populosos da capital paraense, tem sua história marcada pela chegada de famílias na década de 1950, a partir da construção da Belém-Brasília, e a fisioterapeuta é neta, com orgulho, de um dos nomes conhecidos na área, “Tio Oscar”. “Meu avô, vulgo ‘tio Oscar’, foi um dos desbravadores de ruas do bairro da Terra Firme”, afirma.

Filha de dona Jesus, como ela mesmo chama, ela acredita que manter a cultura quilombola é manter sua essência, base e origem. “É manter minha ancestralidade viva, a partir da minha vestimenta, de cheiros, de comida. É estar no próprio quilombo nos momentos em que mais preciso me encontrar no meu EU!”, afirma a fisioterapeuta dermatofuncional e intensivista.

Caroline se autodeclara negra e tem origem 100% quilombola de Inhangapi, município localizado na Região de Integração Guamá, área nordeste do Pará. Distante cerca de duas horas de Belém, o território se mantém vivo na capital, por meio de jovens negros que conseguiram resistir e contar a própria história. Depois de atuar algum tempo no Centro de Estudos e Defesa do Negro (Cedenpa), onde trabalhava com crianças pretas periféricas que estavam em formação de conduta e personalidade, ela se formou e buscou fixar território no lugar onde cresceu.

“Busco levar atendimento específico e de qualidade para o nosso bairro, mostrando que, por mais que a Terra firme seja um bairro muitas vezes discriminado pela sociedade, lá sim pode ter profissionalismo e competência. Geralmente faço meus atendimentos com turbante ou algum acessório africano!”, diz Caroline, como forma de diariamente enxergar sua origem.

O professor Aiala Colares, de 44 anos, não por coincidência, é primo de Caroline. Geógrafo, doutor em Ciências do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e pós doutor em Geografia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ele é docente e pesquisador da Universidade do Estado do Pará (Uepa) e diretor de Apoio à Extensão.

Aos 44 anos de idade, ele conta que chegou ao bairro da Terra Firme da mesma forma que a prima, a partir da ocupação de familiares. “Sou do quilombo Menino Jesus de Pitimandeua, em Inhangapi. Vim para morar na passagem Nossa Senhora das Graças com os meus pais, porém, é minha mãe que é quilombola. Perdi meu pai quando eu tinha cinco anos de idade. Devido as dificuldades financeiras, já que minha mãe se tornou viúva de cinco filhos, tive que retornar para o quilombo, onde fui criado com a minha avó Arlinda Colares, conhecida por todos como mãe crioula, parteira e bezendeira da comunidade, onde exercia um papel de liderança”, conta.

image A Terra Firme, assim como o bairro do Guamá e Jurunas, é um dos principais polos de quilombos urbanos de Belém (Nucom Seac / Arquivo / Imagem Ilustrativa)

Quilombo, presente!

Dez anos depois, aos 15, ele retornou a Belém, novamente para a Terra Firme. Ao ingressar no ensino superior, na UFPA, Aiala buscava formas de se expressar, já que ainda não se falava com frequência, debatia ou se estudava sobre a autoafirmação ou autoidentificação.

“Sabia de onde havia saído, mas não sabia como expressar isso na Universidade. Depois que ingressei na pós-graduação, concluindo o doutorado e me tornando Professor e Pesquisador Universitário, passei a desenvolver projetos voltados para as comunidades quilombolas e para a população negra em geral, sobretudo, com temas relacionados à identidade cultural e ancestral e ao enfrentamento ao racismo”, explica.

Na Universidade do Estado do Pará (Uepa), Aiala fundou o Núcleo de Estudos Afrobrasileiros (NEAB), criou o cursinho especial quilombola e construiu a resolução que institui as cotas étnicorraciais na Uepa, para vigorar a partir do vestibular deste ano, 2023. “Pode ser pouco, mas isso representa muita coisa e hoje no meu quilombo temos 44 jovens que estudam na UFPA graças ao nosso projeto. Por fim, construí uma casa para receber estudantes e pesquisadores e estou fundando o Instituto Mãe Crioula, para arrecadar recursos e poder desenvolver atividades em mais territórios quilombolas em nosso estado”, exemplifica.

Para resistir, é preciso manter a história dos quilombos viva e contada sobre a perspectiva destes que são importantes protagonistas da narrativa da Belém de 407 anos. O professor acredita que, por manterem contato com o lugar de origem, por mais que não residam mais nos quilombos, é possível perpetuar a história e a ancestralidade dessas comunidades, por meio da utilização de frutas, hortaliças, farinhas, remédios caseiros, tudo oriundo dos quilombos e, ainda, pelo forte apreço às festas religiosas que alimentam temporadas de retorno para as comunidades por parte destes quilombolas.

“Ainda precisamos resgatar essas histórias, visto que, é na década de 1950, com a construção da Belém – Brasília, que vários quilombolas migram para as cidades. Assim, nasce o bairro da Terra Firme, o bairro do Guamá e do Jurunas (...). Ou seja, é mais do que necessário buscar fazer este resgate geográfico e histórico que fala muito sobre a Belém afroindígena que se forma em termos socioculturais”, analisa. Para Aiala, projetos autônomos conferem força ao movimento e trazem a atenção da população ao bairro.

“O que se tem são projetos autônomos de parte dos Movimentos Sociais que buscam trazer esta reflexão para a população do bairro, e destaco aqui a importância do Coletivo Tela Firme e do Projeto Cine Clube TF.  Mas, precisamos que o poder público possa contribuir com a construção de espaços que dessem conta de potencializar estas ações tão necessárias para inclusive, enfrentar a violência e o racismo”, conclui.

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