Outras gigantes do varejo também são acusadas em esquema de propinas de R$ 1 bilhão
A investigação do Ministério Público de São Paulo que levou à prisão dirigentes da Ultrafarma e da Fast Shop também envolve outras varejistas suspeitas de financiarem um esquema de corrupção na Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado em troca da liberação de créditos tributários.
O Grupo Nós, dono das lojas de conveniência Oxxo, a Rede 28, de postos de combustíveis, a Kalunga, rede de papelaria e material de escritório, e a distribuidora All Mix também são citadas na investigação.
O Estadão pediu manifestação de todas as empresas. Em nota, a Fast Shop informou que ainda não teve acesso à investigação e que está colaborando com as autoridades competentes. As demais não haviam se manifestado até a publicação desta matéria. O espaço está aberto.
Apontado como "cabeça" do esquema, o auditor fiscal Artur Gomes da Silva Neto, da Diretoria de Fiscalização da Secretaria da Fazenda, teria recebido mais de R$ 1 bilhão em propinas de varejistas para destravar em tempo recorde pedidos milionários de ressarcimento de créditos de ICMS-ST.
Uma professora de 73 anos, 'laranja' do fiscal
Os pagamentos indevidos foram operacionalizados por meio de uma empresa de fachada registrada em nome da mãe do fiscal, uma professora aposentada de 73 anos. O patrimônio declarado dela saltou de R$ 411 mil em 2021 para R$ 2 bilhões em 2024, segundo a investigação.
Artur foi preso nesta terça. Na casa dele, em Ribeirão Pires, no ABC paulista, os policiais apreenderam documentos que ainda serão analisados para elucidar o tamanho do suposto esquema. O Ministério Público espera esclarecer se outras empresas se valeram de seus "serviços".
"Outras várias empresas, grandes empresas do setor varejista, também podem ter se valido do mesmo esquema para conseguir a liberação desses créditos tributários", explica o promotor de Justiça Roberto Bodini, que integra o Grupo de Atuação Especial de Repressão aos Delitos Econômicos (Gedec), braço do Ministério Público de São Paulo que combate crimes contra a ordem econômica.
'Testa de ferro'
Antes da Operação Ícaro, deflagrada nesta terça, a Justiça de São Paulo já havia autorizado a quebra do sigilo de mensagem do fiscal. E-mails trocados pelo auditor colocaram as empresas na mira do Ministério Público.
Em dezembro de 2024, por exemplo, Artur recebeu em seu e-mail pessoal a minuta de um acordo de confidencialidade para prestação de serviços para o Grupo Nós. "Documentos solicitados para prosseguimento nas tratativas de prestação de serviço", dizia a mensagem.
Toda a negociação era feita por meio da empresa cadastrada em nome da mãe de Artur Gomes, a Smart Tax, uma consultoria tributária que, segundo os investigadores, só existe no papel. Os promotores ainda analisam quais empresas, de fato, aderiram ao esquema e quais foram apenas abordadas, sem dar seguimento às propostas.
O contador da Smart Tax, Agnaldo de Campos, seria o "testa de ferro" do auditor nas negociações.
O auditor aposentado Alberto Toshio Murakami também é investigado por suspeita de participação no esquema. Murakami tinha o certificado digital da Rede 28 instalado em seu computador, o que o permitia formalizar pedidos em nome da empresa junto à Secretaria da Fazenda. O Ministério Público afirma que, mesmo após deixar o cargo, em janeiro deste ano, ele continuou a auxiliar Artur.
Outras duas contadoras são suspeitas de envolvimento no esquema. Fátima Regina Rizzardi e Maria Hermínia de Jesus Santa Clara são descritas como "assistentes nos serviços criminosos". Elas ajudariam na elaboração dos pedidos de ressarcimento, que envolvem documentos e cálculos complexos.
Em um dos e-mails trocados com Artur, Maria Hermínia envia um arquivo digital da Kalunga para ressarcimento de créditos de ICMS.
"Artur, será que consegue verificar com o pessoal, se eles estão com algum problema, ou qual o meu erro? Segue abaixo o arquivo anexo. Esse arquivo veio com um log de erro que eu não consigo descobrir o motivo", escreve a contadora. "Já tentei compor, colocar de cabeça pra baixo, misturar, mas não encontro o que o programa da Sefaz (Secretaria da Fazenda) glosou para chegar nessa conclusão."
Os documentos, computadores e celulares apreendidos na Operação Ícaro serão analisados agora em buscas de pistas para aprofundar a investigação.
A reportagem busca contato com as defesas. O espaço está aberto para manifestação (rayssa.motta@estadao.com; fausto.macedo@estadao.com).
COM A PALAVRA, A SECRETARIA DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO
A Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo (Sefaz-SP) está à disposição das autoridades e colaborará com os desdobramentos da investigação do Ministério Público por meio da sua Corregedoria da Fiscalização Tributária (Corfisp). Enquanto integrante do CIRA-SP - Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos - e diversos grupos especiais de apuração, a Sefaz-SP tem atuado em diversas frentes e operações no combate à sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e ilícitos contra a ordem tributária, em conjunto com os órgãos que deflagraram operação na data de hoje. Além disso, a Sefaz-SP informa que acaba de instaurar procedimento administrativo para apurar, com rigor, a conduta do servidor envolvido e que solicitou formalmente ao Ministério Público do Estado de São Paulo o compartilhamento de todas as informações pertinentes ao caso.
A administração fazendária reitera seu compromisso com os valores éticos e justiça fiscal, repudiando qualquer ato ou conduta ilícita, comprometendo-se com a apuração de desvios eventualmente praticados, nos estritos termos da lei, promovendo uma ampla revisão de processos, protocolos e normatização relacionadas ao tema.
COM A PALAVRA, O SINDICATO DOS AUDITORES DA RECEITA ESTADUAL
'Condutas ilícitas traem a confiança da sociedade'
O Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual de São Paulo (Sinafresp) repudia de forma categórica e inegociável qualquer prática de corrupção. Condutas ilícitas, venham de quem vier, traem a confiança da sociedade, enfraquecem as instituições e não representam, em hipótese alguma, o papel que o serviço público deve desempenhar. Quem se afasta da ética e da legalidade deve responder com todo o rigor da lei, sempre com a garantia do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.
Repudiamos também, com igual veemência, qualquer tentativa de usar esse episódio para atacar ou generalizar contra toda a categoria. Um caso isolado não apaga décadas de atuação íntegra e resultados extraordinários que fazem do Fisco Paulista uma das instituições mais eficientes e respeitadas do país.
Os números confirmam essa realidade: em 2024, a arrecadação estadual alcançou R$ 275 bilhões - crescimento real de 8,8% sobre 2023 - sem aumento da carga tributária. Foram R$ 32 bilhões em autos de infração lavrados, R$ 924 milhões recuperados de contribuintes resistentes à conformidade, R$ 26,83 bilhões arrecadados em IPVA e R$ 1,1 bilhão recuperado de devedores contumazes, resultado direto da atuação inovadora na cobrança administrativa.
Esse trabalho vai muito além da arrecadação: protege a concorrência leal, combate a inadimplência contumaz e garante justiça fiscal, assegurando recursos para saúde, educação, segurança e demais serviços públicos essenciais.
A imensa maioria dos profissionais do Fisco atua pautada pela legalidade, pela moralidade administrativa e pelo compromisso com a sociedade. É por isso que repudiamos qualquer generalização injusta que busque manchar a imagem da categoria. Não aceitaremos que um caso isolado sirva de pretexto para ignorar ou desvalorizar a contribuição estratégica que prestamos ao Estado.
Ao mesmo tempo em que apoiamos a apuração rigorosa do caso em curso, cobramos igual celeridade na investigação de denúncias de assédio moral dentro da administração tributária, inclusive aquelas amplamente divulgadas pela revista Piauí e que seguem, até hoje, sem solução à altura da gravidade dos fatos. Integridade e respeito são princípios inegociáveis - e devem valer para todos, em qualquer posição ou função.
O Sinafresp seguirá na defesa intransigente da honra e valorização das auditoras e auditores fiscais, com firmeza contra qualquer prática ilícita e com orgulho dos resultados extraordinários que nossa categoria entrega, ano após ano, ao Estado de São Paulo e à sociedade.
Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual de São Paulo - Sinafresp
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