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'Tenho sonhos grandiosos!'

Lorena Filgueiras
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Às vésperas de completar 71 anos de idade, Luiz Fernando Guimarães tem se permitido enxergar a vida, sob um prisma diferente, mais integrado à natureza, em comunhão com o invisível – tanto que se mudou, na companhia do marido, Adriano, e 16 (!!!) cachorros para seu sítio, na região serrana do Rio de Janeiro. Em isolamento desde março, quando explodiu a pandemia, nosso convidado conta que redescobriu a beleza de ver o tempo passar, com qualidade. “Tenho visto as árvores crescerem, cuidado da plantação”, afirma. Por sinal, foi durante uma ida à capital fluminense, para uma reunião de trabalho, que conseguimos falar com ele. Simpaticíssimo, ele contou do enorme afeto que nutre por Belém, relembrou a “chuva de mangas” que, segundo ele, cai lentamente, em função do calor da cidade. Entre memórias e revelações, Luiz Fernando partilha um pouco de sua espiritualidade e de sua relação com o mundo que a gente não se permite ver.

image Luiz Fernando Guimarães (Marcio Farias)

Troppo + Mulher: Como têm sido seus os dias diante de uma pandemia?
Luiz Fernando Guimarães: Tenho sobrevivido bem. Eu tenho uma casa de campo, aqui no Rio de Janeiro e fui para lá em março, porque eu viajaria para a França. Cancelaram a viagem e fui ficando por lá e fui organizando minha vida no campo. Lá é um lugar para onde eu ia somente aos finais de semana, para curtir, receber amigos e fazer festas. Lá é um refúgio de um cara urbano, como eu, que também gosta de planta, de bichos. Lá tem mata, animais...

T+M: Vi que você tem 16 cachorros! Fiquei encantada porque eu sou “cachorreira”, mas não temos tantos. 
LFG: Pois é, eu sou cachorreiro também! [ele ri] Mas tem um monte de galinhas, pintinhos... tenho muitos peixes, além de aves soltas que chegaram lá porque comecei a plantar bastante. O terreno era muito ruim, quando o comprei, mas eu tinha uma relação afetiva com aquele lugar. Nunca na vida havia pensado em ter um local assim! Como eu te disse, gosto da cidade, sou urbano, mas aconteceu, como para muitos nesse momento, de eu reaprender a viver. Estou reaprendendo. Achava que havia apenas uma única forma de vida, até que me peguei vendo a árvore crescer, cuidando da plantação...

T+M: Isso é um baita privilégio...
LFG: Pois é, mas eu não sabia que tinha tudo isso! Eu usava o sítio para momentos sociais. Eu não pegava na terra! Hoje eu percebo que há vinte anos, quando fiz aquilo, foi para viver lá. Antes da pandemia, eu ia pra lá e batia um tédio danado, já queria ver meus amigos. Tenho saudade do mundo como era, mas mais saudade dos meus amigos, com quem tenho mantido contato on-line. Volta e meia, um vai lá. Vou os recebendo aos pouquinhos. Hoje, posso te dizer, que adoro lá. Hoje, enquanto falo com você, vim ao Rio de Janeiro [a capital] para ver meu apartamento e algumas coisas. Trouxe um laptop para trabalhar, mas ele não tem quase nada. No sítio ficou a minha vida e de lá, vou gostando cada vez mais!

T+M: Que bacana ouvir isso. 
LFG: Pois é, até criei uma rotina, porque diante da falta do que fazer, a gente tende a ficar meio vagabundo, né? [ele cai na gargalhada] Estabeleci hora para cuidar dos bichos, para ir dormir... Tô igual criança. Mas tenho feito contatos on-line, arrumando as produções, para quando esse momento passar.

T+M: A Arte, ou melhor, o fazer artístico, sem sombra de dúvidas, sairá diferente desse momento. Como tens encarado essa perspectiva? Embora nenhum de nós domine o dom da futurabilidade, como esperas viver um novo mundo?
LFG: Antes dessa coisa toda, no ano passado, eu falei: “alguma coisa vai acontecer. O mundo está muito acelerado. As pessoas estão querendo mais do que podem. A gente não está bem!”. Não tivemos a terceira guerra, mas veio a Covid e eu pensei: “É uma guerra!”. Comecei a pensar nas pessoas, que viveram de perto os horrores de um conflito armado, e que estão passando por isso.

T+M: E o pior: um inimigo invisível.
LFG: Apesar disso, não tenho alguns medos. Conheço pessoas que estão apavoradas e tem muito a ver, acredito, com suas religiosidades, com o medo, creio, da morte, com a fatalidade. Não penso em nada disso. Eu não gosto de máscara e, por isso, não saio do sítio. Quando tenho que sair, aí, sim, uso tudo. Mas tenho optado em ir para a casa do meu irmão ou para casa de amigos que já fizeram o teste. Não deixo de sair, de viver, mas não vou a lugares com muita gente. 

T+M: Já que você falou em religião, qual tua relação com a espiritualidade, Luiz?
LFG: Ah, sou espírita! Como todos sabem, casei com o Adriano ano passado. O celebrante era espírita. Minha mãe era espírita– a espiritualidade surgiu em mim muito cedo. Sempre conversei com cachorros, com árvores. Todo mundo faz isso! Mas ninguém fala que faz! 

T+M: [eu caio na risada] Luiz, eu faço isso direto!
LFG: Não é legal? Eu falo com meus cachorros e eles entendem o que eu falo! Um deles, por exemplo, eu sei exatamente como sente! Outra coisa: eu não tinha muita paciência para plantas... melhorou muito! Então essa espiritualidade, essa religiosidade foi se formando, sem eu perceber. Veja bem, eu fui batizado na Igreja Católica e adoro igrejas. Gosto de entrar nelas, de sentar e ficar em silêncio. Aqui no Brasil, eu não faço muito isso, mas quando viajo, faço sempre. Assisto missas. Eu acredito em tudo! Acredito até em Saci-pererê! [ele ri e eu também]Acredito em outros seres. Sei que meus cachorros veem. Os animais sentem coisas que a gente não sente! Se você me disser algo do tipo, eu acredito! 

T+M: Sabe, Luiz, você me lembrou algo que se fala por aqui e que resume bem essa relação de a gente acreditar no invisível, que é um traço muito característico nosso: “Não dá para ser ateu na Amazônia, tem muita visagem por lá!”
LFG: E tem mesmo?

T+M: Tem! [eu respondo às gargalhadas]
LFG: Estive na Amazônia recentemente [o ator viajou para Manaus] e foi uma experiência maravilhosa. Fui a Brasília duas vezes, fiz parte do movimento “Um milhão de assinaturas contra o desmatamento”. Sou muito apaixonado por floresta, verde. Quero ver o nosso patrimônio natural preservado. Da última vez em que estive em Brasília, fui com a Christiane Torloni e outros artistas. Cada um pagou sua passagem, foi uma coisa bem íntegra. Não levanto bandeira, não sou partidário, acho chato. Cada um tem direito à sua opinião e sua base. Mas, naquele momento, era necessário e ainda é, fazer algo pela Amazônia. 

T+M: Precisas voltar, então, assim que possível.
LFG: Penso muito em Belém, sabia? Estive aí, com a Débora Bloch e a peça “Fica comigo esta noite”. Lembro muito da cidade, porque acredito ter ido na época mais quente do ano. [ele ri] Sou o tipo nórdico! [ele gargalha e faz alusão ao fato de que se dá melhor com o frio] Eu olhava aquelas plantas enormes, quase sobrenaturais [ele se refere às mangueiras] e via as mangas caírem em câmera lenta, de tanto calor que eu sentia! O Theatro da Paz, maravilhoso! Caminhava do hotel até o Theatro e, ao longo do caminho, eu via as pessoas sorrindo, me cumprimentando. O povo é muito receptivo! Nossa, você me fez perceber o quanto sinto falta daí. Fazíamos duas sessões por dia, dado o sucesso. Lembro do calor do público! Lembro que, após a última sessão, ficávamos conversando com algumas pessoas. Fomos e voltamos para ficar mais duas semanas com o espetáculo. 

T+M: Só a velocidade das mangas que não mudou.
LFG: Eu lembro de vê-las cair e pá! Espatifavam os vidros dos carros! Elas foram inspiração para um monólogo que eu fazia. Eram vários personagens e cada um tinha sua história. Tinha um cabeleireiro, que se achava o bam-bam-bam do salão, mas ele nem era tudo isso. O fato é que ele lembrava, no texto, de Belém e afirmava que as mangas caíam em câmera lenta por causa do calor. Eu faziaa manga cair com meu corpo! [rimos bastante juntos aqui] O calor emana afetividade! 

T+M: Foi ao Ver-O-Peso?
LFG: Nossa, tomei muita caipirinha lá! De vez em quando, tomo uma caipirinha. Aí, eu tomei muitas! [ele ri novamente] Uma cidade muito afetiva. Tenho um prato marajoara, que é a coisa mais linda. Trouxe daí e está comigo até hoje! Mas o calor... eu e Débora somos muito brancos e ficávamos vermelhos, derretíamos nos lugares. Sabe outra coisa que me marcou muito daí? As pessoas me chamavam de “Fernando” nas ruas e isso me remete muito à minha infância, porque meu irmão é Luiz Felipe. 

T+M: Diante de tudo que estamos vivendo, Luiz, confrontamos a finitude de perto. Tens medo da morte?
LFG: De jeito algum! Não gosto de ver tragédia, mas da morte, não tenho medo algum. Inclusive, “vejo” pessoas e amigos que já se foram. Na verdade, eu os sinto. Muito, aliás, lá no sítio. Amigos que se foram e que eu adoraria que tivessem conhecido lá. Animais que amei muito. Às vezes, passa um por mim e eu digo “opa!”. Tem um amigo, que vê e ele pergunta: “você viu também?”. Respondo que só sinto. Sempre é um sentimento muito bom. Minha avó e minha mãe eram espíritas. O espiritismo fluiu naturalmente, porque tem a ver com um “sensor” natural, com inteligência. Há encontros de alma. Não sou de ir ou frequentar centros e igreja, mas estou conectado.

T+M: Em alguns dias, você completará 71 anos [o ator aniversaria no próximo dia 20 de novembro]. Quando olhas para trás, vislumbra algum arrependimento? Quais são os sonhos?
LFG: Tenho muitos sonhos a realizar! Desde fazer uma cabana na árvore, que é um sonho antigo que tenho, pra dormir lá. Eu sou o Jim das selvas, sabe? Quero que a vista da cabana seja de um riacho. Tenho sonhos grandiosos!

T+M: Ficou algum arrependimento?
LFG: Não. Sabe, Lorena, eu sou uma pessoa que aprendeu a dizer “não” – o que considero uma característica muito boa. Sei o que não quero. Sempre soube. Isso não me foi dado, tampouco aprendi na escola. Talvez eu não saiba o que quero, mas sei o que não quero. Meus amigos atores, às vezes, não conseguem dizer não. Quando pergunto o motivo de estarem fazendo um trabalho determinado, eles respondem: “porque não consegui dizer não”. Sempre os oriento a falar comigo primeiro! [ele ri] Eis um aprendizado muito bom, de defesa, para não ser pego de surpresa e não ficar à mercê de qualquer coisa. Não somos tão fortes assim, então precisamos saber dizer “não” para determinadas situações. Esse ano, aprendi muito mais sobre isso, sobre não responder de cara, se tiver dúvidas. Mas se tiver certeza, diga “não”. 

T+M: Isso é sinal da maturidade.
LFG: Coisa dos 71, como você disse. Agora tem uma coisa que eu não gosto muito: de falar. [nesse momento os dois riem, porque estamos conversando há quase 40 minutos] Imagina se eu gostasse, né? Mas é que eu amo o silêncio. Gosto de acordar em silêncio.

T+M: Quais teus planos profissionais para um futuro próximo?
LFG: Inclusive terei uma reunião em alguns minutos. Uma série de 8 episódios em um outro canal. Vai dar certo e esse, por enquanto, é meu projeto único! O restante, eu quero deixar fluir. O momento favorece a reflexão. 

Para conhecer mais:
@luizguimaraesoficial

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