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'O mundo não será mais o mesmo'

Lorena Filgueiras
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Ao telefone, simpaticíssima e muito disposta, a Monja Coen inicia nossa conversa perguntando sobre os números de infectados no Pará. Pergunta também se as pessoas estão ficando em casa, ao que respondo que muitas pessoas parecem ainda não ter compreendido a gravidade de toda a situação. Ela lamenta, com aflição, e diz que não tem saído do templo, localizado na capital paulistana, para nada, “nem para passear com os cachorros”. Revela que tem três fêmeas, com as quais brinca todos os dias, “para tentar diminuir o estresse delas”, tem cozinhado mais, meditado mais, mantido a rotina de exercitar o corpo (“tenho 73 anos, não é, querida, então se eu parar um pouco, enferrujo”, afirma entre gargalhadas). Conta ainda que tem 3 livros para entregar até o final do ano (“e mais dois para o ano que vem”) e que tem feito palestras pela internet, além de conceder inúmeras entrevistas (“as pessoas estão precisando ouvir e serem ouvidas”). Lá pelas tantas, revelou que tem dois bisnetos e que adora brincar com eles, “ir pro chão mesmo”, coisa que, momentaneamente, não tem sido possível fazer. Simpática, falante e muito realista, Monja Coen foi uma suave brisa, um respiro em um dia especialmente quente (em temperatura e para a política brasileira), como vocês conferem a partir de agora.
 
Troppo + Mulher: Monja, em tempos de tantas incertezas e inseguranças, é normal sentir medo. A senhora teme os tempos atuais?
Monja Coen: Com certeza eu tenho medo. O medo faz parte da vida – não sentir medo é fantasia. Claro que a gente tem medo... a doença, a Covid-19, é muito grave... Tentaram minimizar. Tenho a impressão de que os governantes que tentaram minimizar, foi para não causar pânico, porque a coisa é gravíssima! Morrem crianças, jovens, atletas, pessoas que não têm doença alguma! Qualquer um de nós pode ser contaminado. Se no dia em que o vírus estiver perto, e a imunidade estiver baixa, vai causar um dano enorme! As pessoas que pegaram e relataram, afirmam ter sentido muita dor física. Ouvi um atleta, todo musculoso, dizer que não conseguia puxar o lençol para se cobrir. Claro que não quero ter a doença, então o medo, neste momento, me obriga a me cuidar, a me trancar em casa, sem sair. [neste momento, os cachorros começam a latir muito alto] Eles não tem saído para passear, desculpe. Tenho feito minhas atividades físicas em casa, subindo e descendo as escadas. Enfim, eu não fico achando que sou uma pessoa Santa, protegida por Buda e vou me arriscar na rua. Aquele que acha que está protegido, sinto dizer, será contaminado. O medo, neste momento, é o que te faz cuidar. E não esqueçam que, melhor que álcool em gel, é lavar bem as mãos com água e sabão. Sabonete tem um cheirinho muito gostoso, né? [ela cai na gargalhada e eu, rio junto. Definitivamente, é uma pessoa muito leve!]
 
T+M: Cheiro de sabonete é muito bom!
MC: Né? Eu acho uma delícia. Pega um sabonete gostoso e lave com gosto as mãos! Faça desse hábito algo prazeroso, bacana. 
 
T+M: Neste momento em o isolamento social tem sido a realidade de muitas pessoas, é muito comum que as pessoas tenham mais tempo para refletir e buscar uma explicação racional para o que estamos vivendo. A senhora é a entrevistada principal da edição de Páscoa, que está diferente, especial e pergunto-lhe: há explicação para o que estamos vivendo?
MC: Não sei. A gente sempre espera uma explicação mágica, separada da realidade e eu trabalho muito com o pé no chão. Então estamos passando por uma pandemia, que é um vírus, de origem desconhecida... alegam que passou de um animal para um ser humano e quando ocorre isso, de males que passam de uma espécie para outra, a nossa espécie não está preparada... não há anticorpos. Mas, e aí, como vamos renascer? O Renascimento da Páscoa, a que você faz referência. Como vamos ressurgir, a partir de tamanho sofrimento? O que este vírus está nos dizendo? Ele deixa muito claro a interdependência. Ser humano algum vive sozinho. Não dá pra se colocar em uma redoma. Todos somos humanos, irmanados pela mesma característica de família humana. Temos diferenças, sim, e elas passam por aspectos sociais, culturais, de linguagem, origem... mas a base de tudo é a espécie humana. Percebemos agora que, juntos, colaborando uns com os outros, podemos superar grandes dificuldades, como esta. Qual a reclamação maior que vemos nas mídias sociais, entre os jornalistas e nas conversas: por que não falaram antes? Por que demoraram tanto a divulgar? Por que não compartilharam conosco as informações, para que pudéssemos nos precaver? Reclamam dos governantes: por que não tomaram as medidas extremas antes? Estamos sempre querendo a comunicação, a transparência. Veja bem, um tempo atrás, diziam que “se uma borboleta bate as asas na China, a temperatura no Equador muda” [ela faz referência ao efeito borboleta] e isso diz respeito à intercomunicação e interdependência de tudo! As pessoas achavam a frase bonita, mas só agora temos a prática real. O que é um vírus? Uma pequeníssima molécula de proteína envolta em uma capinha de gordura, que estava em Wuhan e que se espalhou para todo o mundo e está conosco, aqui, agora. Ou seja: estamos todos interligados e somos dependentes uns dos outros e ainda há aqueles que não perceberam isso... Você já viu que tem gente tentando se aproveitar desta situação?
 
T+M: A História nos mostra isso, não? Sempre há quem queira lucrar em cima da miséria humana...
MC: pois então, não deveriam. É um outro momento que estamos vivendo! É um momento de dor, de sofrimento, de doença. O que podemos fazer para minimizar a dor e a doença dos outros? Os cientistas precisam divulgar suas descobertas, para que um possa complementar e facilitar a pesquisa do outro! Queremos que todos possam descobrir o remédio e não que apenas uma indústria farmacêutica detenha essa exclusividade. Isso não faz sentido mais! Esse vírus veio nos dizer isso: temos de ressurgir, renascer. Temos de abrir mão deste pensamento antropocentrista, egóico, voltado pra si mesmo, “o que eu ganho com isso”, para o pensamento de Jesus de Nazaré, com o que ele quis dizer: “é para todos!”. Eu não sou cristã, mas estudei quando menina e lembro claramente de seus ensinamentos. Foi um ser que entregou a sua vida para salvar a vida de todos os outros seres! Para a salvação da humanidade! Ele não deu Sua vida para que uns vivam na fartura ou para que outros estejam aí, rebolando pra cima e pra baixo! Ele o fez para que fôssemos livres! Ele dizia: “não tenho escravos!”, “somos todos filhos do mesmo Pai e da mesma Mãe”, “somos irmãos!”. A linguagem Dele, de Sua época é a que a Ciência usa hoje: somos todos filhos da Terra, produtos deste planeta e se não nos cuidarmos, dizimaremos nossa espécie. Saiamos do antropocentrismo, de que o ser humano é o centro da criação! O ser humano é uma das formas de vida sobre a terra. O centro da vida é a própria vida! Isso é biocentrismo! Eis uma palavra importante neste momento: cuidar. Cuidar com sabedoria e ternura. 
 
T+M: Monja, para quem acredita em outras filosofias, este momento poderia representar o ‘salto quântico’ da humanidade... Enfim, como podemos contribuir, isolados e de maneira uníssona, para fazer deste um novo tempo?
MC: Então, o que aumenta a imunidade? O estado de tranquilidade mental. É um estado de harmonia dentro de seu próprio sistema. Se seu organismo entrar neste estado de paz e tranquilidade, vai emanar paz ao seu redor. Cada ser é uma molécula e quando essa molécula está mais harmoniosa e menos agressiva, cria-se um bom ambiente para as outras moléculas. É momento de fazer práticas meditativas e de respiração consciente. Não podemos, às vezes, controlar pensamentos, emoções, sentimentos, mas podemos controlar nossa respiração e quando ela fica mais profunda e sutil, nós mudamos nosso estado mental. Saímos dos estados alterados de consciência, em que pesam as brigas, culpas, o rancor, e entramos num estado mais leve. Veja só: a sabedoria é como um arco-íris. Você não pode pegar, mas pode sentir e ver. É tão imensa e grande como a vastidão do céu do espaço – o estado de sabedoria é algo que nós, humanos, temos condições de sentir. Ninguém pode me dar, mas posso praticar, estudar e desenvolver a capacitação, inclusive por meio do estudo, por exemplo, da Física Quântica. Deixe o todo se manifestar em você. Você não é parte do todo: você é o todo. Eu insisto muito nisso porque se o todo não estiver se manifestando, você não existe! Se não pensarmos no todo, o vírus continuará existindo e causando tantas perdas. Alguém que diz: eu vou produzidor respiradores artificiais e máscaras só para mim, é um louco!
 
OLHO:
“A vida é o mais importante – e não o lucro no banco!”
 
T+M: Então...
MC: Ele está pensando só em si, em sua carreira política, numa reeleição! Ele não está pensando na humanidade. Ele está pensando em si, somente em seu “bairro”. Lógico que começamos cuidando do nosso bairro, porque é o que está mais próximo de nós, mas, em seguida, cuidamos de todos! Eu espero que o pensamento Cristão, da vida eterna, sagrada, não-egóica continue em cada um que incorpore isso em sua vida. Não adianta repetir os ensinamentos, se não os coloco em prática, se Ele não vive em mim, se não sou seus ensinamentos vivos! Na hora em que você muda, você muda tudo ao seu redor. Seja a mão sagrada do universo! A vida é incessante e precisa pulsar. Ou transformamos o planeta num deserto ou lutamos e contribuímos para que ele seja sempre vivo! 
 
Olho:
Esse vírus fez a gente perceber a falta de atenção com as desigualdades, com o SUS, que é o melhor sistema de saúde do mundo!
 
T+M: Temos lidando com medos, com privações, com o receio de não ter meios financeiros de perder empregos. Como podemos tentar lidar com eles, sem baixar a imunidade?
MC: Aí tem uma coisa importante que você pergunta: como lidar com medos futuros no presente? Afinal, preciso trabalhar para ter dinheiro, daqui a pouco não terei comida. Isso tem que ser provido pelo governo: algum dinheiro, cestas básicas. Isso já está ocorrendo em vários lugares do mundo. Tudo isso é um movimento que está surgindo. Entendam, emprego a gente perde e arranja outro – o mundo todo está passando por isso! Saiam do individualismo! Estamos todos no mesmo barco! “Eu estou passando dificuldades”. Pare com isso! “Nós estamos passando dificuldades!”. Vamos superar? Vamos. Vamos ter perdas? Vamos! A nossa sobrevivência não depende só de alimentos, mas de aspectos emocionais, da fé. Você já percebeu que quem é muito pobre sempre dá um jeito de compartilhar o que tem? Uma pessoa que nunca sentiu fome, não compartilha. Quem nunca passou necessidade, não sabe o que o outro sente. Cada vida importa. Vamos ter que rezar muito pelos que nos deixarão, pelos que estão no campo da saúde pública, dos que não pararam de trabalhar para que possamos ficar em casa! Essas pessoas estão na linha de frente para proteger tantos outros! Isso tudo é parte do momento. Como devemos agradecer? Pense no agora: tem pouco arroz? Vamos fazer água de arroz. Isso era muito comum nos mosteiros antigamente, na idade Média. Avalie, durante as guerras. Havia 500 pessoas no mosteiro e chegavam mais 500. Como vai alimentar? Coloca água! Não tem arroz? Vamos tomar água quente. Tem jeito pra tudo! A capacidade de resistência humana é enorme! Com água fervida limpa, a gente mantém alguém vivo. O que esse vírus nos fez perceber: as desigualdades sociais, que ninguém dava a mínima! A falta de cuidado com o SUS, que é o melhor sistema de saúde do mundo! Os governos não estavam dando subsídios! Deixaram de pagar médico, de mandar gaze esparadrapo! E pra quê? Para recorrer a um plano de saúde?!? 75% da população brasileira dependem do SUS! Como vamos cuidar dessas pessoas? Não vamos cuidar? Estão aplaudindo os médicos, que são heróis, que são necessários. E depois? Vão pagá-los dignamente, como merecem. Entendam: a vida é o mais importante – e não o lucro no banco! Em vez de ficar preocupado com seu emprego, pense na sua vida! O mundo terá novos empregos, a tecnologia está aí criando novos empregos. Se tiver de limpar privada, vamos limpar! Todo emprego é digno. Eu mesma limpei muita privada na minha vida e nada disso é menos digno!
 
OLHO:
Você já percebeu que quem é muito pobre sempre dá um jeito de compartilhar o que tem? Uma pessoa que nunca sentiu fome, não compartilha. Quem nunca passou necessidade, não sabe o que o outro sente.
 
T+M: Antes reclamávamos da falta de tempo: agora o temos de sobra. Como trabalhar melhor a paciência com as crianças dentro de casa?
MC: Tem coisa mais bonita que energia de criança dentro de casa? Não pode perceber a paciência com elas. Cada vez que uma criança interfere em algo que você está fazendo, você precisa parar. Não desconsidere isso. Salve o trabalho, interrompa o que está fazendo e atenda à necessidade dela. Não é pra fazer isso por dez horas seguidas. Depois, retornará mais disposto. Jamais diga que criança está atrapalhando: avalie isso na cabecinha delas. Trabalhe a paciência, a perseverança. “Ah, o almoço vai atrasar!”. Deixa atrasar. “Poxa, não conseguirei fazer a faxina!”. Deixa atrasar. Saia do celular. Isolamento social não é pra cada um ficar num canto, com um celular. Desliga o celular. Conversem mais. Na hora do almoço, desliga celular também. Aliás, almoço é sagrado, não é hora nem de conversar, mas de meditar e agradecer pelo alimento que tem! Perceba algo que não é tão óbvio: o alimento que está no seu prato veio de uma conjunção. Até um pedacinho de pão só existe porque todas as outras formas de vida existem e trabalharam para levá-lo até você. [as cachorras latem novamente e ela pede desculpas: “pra você ver, minhas cachorras estão conversando com os cachorros do vizinho e o papo está bom!”, ela diz]
 
T+M: Quando lhe perguntam se voltaremos ao normal, o que a senhora diz?
MC: Não tem normal. O que é normal? Fome, miséria, pobreza, abusos, desigualdade e feminicídio? Isso é normal para as pessoas? Será que queremos voltar a isso? Eu quero acreditar que esse vírus nos dará uma nova perspectiva, de que como humanidade, teremos um despertar de consciência e nos trataremos com mais respeito. Que seja uma ressurreição, de verdade.
 
T+M: A senhora tem uma filha, não é?
MC: Não só uma filha, como uma neta e dois bisnetos! Um deles, vai fazer dois aninhos em maio.
 
T+M: O que a senhora pretende fazer em família quando isso tudo passar?
MC: Todos nós tínhamos nossas vidas e eu os encontrava uma ou duas vezes por mês. Não sou uma típica avó-bisavó, porque viajo e trabalho muito. Ainda não estou na aposentadoria! [ela ri] Não faço comidinha, não dou comidinha, mas quando os encontrar, vai ser muito gostoso! Gosto de brincar, vou pro chão, do jeito deles! Minha neta diz: “avó, você parece criança!”. Eu gosto mesmo do universo deles.  
 
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