Mulheres lutadoras
Apesar das conquistas acumuladas ao longo da história – ao preço, em alguns casos, da vida de muitas –, a luta das mulheres por reconhecimento, espaço e respeito, entre outras questões, segue viva e necessária
Hoje, embora ocupem todos os tipos de postos de trabalho; sejam líderes de grandes corporações e reúnam direitos que até há pouquíssimo tempo eram impensáveis (pelo menos na maior parte dos países do globo), as mulheres ainda precisam lidar com índices alarmantes de violência, em todas as suas manifestações; com uma grande disparidade salarial em relação aos homens, independente de nível de escolaridade; e com a dificuldade de serem aceitas quando assumem posições diferentes daquilo que, tradicionalmente, espera-se de uma mulher.
Medo
Por tudo isso, para muitas mães, criar filhas mulheres causa muito mais medo e preocupação do que criar filhos homens. É o que nos relata a publicitária Lorena Bastos, de 34 anos, mãe da estudante Maria Luiza Cunha, de doze anos. Embora se considere uma mulher jovem e moderna, Lorena reconhece que, em muitos momentos, acaba sendo mais “rígida” com a filha do que sua própria mãe foi, quando a criou. “Como a minha filha é uma pré-adolescente, as preocupações realmente são muitas e diferentes daquelas que teria com um menino, eu acho, pois ainda vivemos em um mundo muito machista, onde nascer mulher, infelizmente, já é nascer em desvantagem. Todos os dias, enfrentamos medos que os homens desconhecem. Eu procuro proteger a minha filha de todas as maneiras e retardar um pouco a liberdade dela, por conta dos perigos do mundo”, analisa.
Modelo
Os perigos que hoje assustam Lorena são, para a cientista social, jornalista, professora aposentada da Universidade Federal do Pará (UFPA) e coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas “Eneida de Moraes” sobre Mulher e Relações de Gênero (Gepem), Luzia Miranda Álvares, fruto de uma sociedade que criou, ao longo do tempo, representações sobre um modelo feminino, forjado por um sistema patriarcal, que defendia e ainda defende a valorização dos homens em detrimento das mulheres. “A cultura disseminada pelo sistema patriarcal ainda é muito forte. E muitas mulheres ainda acreditam que ser mulher é incorporar-se no modelo de representação feminino tradicional. Veja-se que há famílias que seguem esses tabus em nome da tradição. Mas também existem mudanças no ponto de vista feminino, caso contrário, não haveria hoje tantas (e tantos) lutando contra a discriminação contra as mulheres, a homofobia, a violência doméstica”, observa.
Paradigmas
A jornalista e educadora Tereza Vasconcelos, de 61 anos, engrossa as fileiras às quais a professora Luzia se refere. Nascida e criada em Belém, em uma família que considera tradicional – o pai era advogado e a mãe, técnica de enfermagem –, ela quebrou muitos paradigmas, inclusive na criação da primeira filha, Tatiana, hoje com 42 anos.
Grávida aos 18 anos do primeiro namorado, Tereza saiu de casa para viver em outro Estado com o companheiro. Superadas as mágoas da família, voltou algum tempo depois, entrou na universidade – no curso de Comunicação Social – e passou a se dividir entre os estudos e os cuidados com Tatiana, que cresceu, ainda no início da década de 80, em meio às aulas da mãe e os movimentos sociais nos quais Tereza já era envolvida. “Àquela época, a cobrança era muito grande e, quando me vi grávida, preferi sair de casa a enfrentar o meu pai. O curioso é que eu não tinha tido nenhum tipo de orientação em casa sobre sexo, por exemplo. Nem em casa e nem na escola, não se tocava no assunto”, conta.
Com a filha Tatiana, a situação foi diferente. Tereza fez questão de ser uma mãe bem próxima e amiga da filha, orientando-a e esclarecendo sobre todo tipo de tema, além de inseri-la nas causas que considerava importantes. “A Tatiana acabou se tornando a mascote do meu curso na universidade, porque eu a levava muitas vezes comigo, inclusive para as passeatas, as manifestações de que eu participava”, completa.
Uma das consequências disso pode ter sido a paixão que Tatiana desenvolveu pela educação. Tornou-se pedagoga e mestre em Educação. Hoje, é estudante de curso de doutorado também na área. “Minha mãe sempre me apoiou, me deu força para estudar, ser independente. Mesmo quando eu engravidei, aos 19 anos, ela me deu todo o suporte e, por isso, a minha filha nunca foi um empecilho para mim, assim como eu também não fui um obstáculo para minha mãe. Até hoje, ela me estimula a buscar meus objetivos e continuar estudando”, conta Tatiana, que é mãe de Juliana, uma jovem estudante de Direito, de 22 anos.
Combate
A empresária e estudante universitária Ana Célia Gomes, de 55 anos, é mãe de três filhos, dois rapazes – Igor, de 26 anos e Gabriel, de 23 anos – e de uma moça, Ana Luíza, de 20 anos.
Oriunda de uma família também considerada conservadora, Ana Célia tornou-se mãe aos 29 anos, já depois de ter concluído a primeira graduação, em Psicologia, profissão que acabou não exercendo. Ela tem uma visão diferente sobre a criação dos filhos. Diz que sempre se preocupou muito mais com os meninos do que com a menina. Buscou fazer com que os filhos não enxergassem as mulheres como seres inferiores, mas sim como seres dotados de individualidade, inteligência e capacidade, com suas próprias vontades e desejos. “Aqui em casa, nunca houve diferenciação. Todos tiveram que ajudar nas tarefas domésticas, na cooperação por um ambiente saudável. Não admito os clichês masculinos e nem que os meus filhos reproduzam esses comportamentos”, conta ela, que, curiosamente, hoje, mantém, junto com o filho Igor, um bar, ambiente onde, muitas vezes, a masculinidade tóxica, que ela tanto combate em casa, acaba se manifestando da pior forma.
“Já chamei a atenção de vários clientes e continuo chamando. Se eu vir alguma moça sendo assediada ou incomodada de alguma maneira, interfiro mesmo. Já até colocamos um aviso no banheiro feminino, para que as mulheres nos procurem imediatamente, caso sofram alguma coisa dessa natureza. Quero que as mulheres se sintam bem aqui”, orgulha-se.
Para a filha dela, a jovem Ana Luíza, ter sido criada dessa forma pela mãe, em algum momento, a faz sentir diferente. “Foi difícil perceber, já na minha adolescência, que a minha mãe era a exceção e não a regra. Hoje, agradeço muito a ela, porque sei que, entre os valores que ela nos passou, o respeito à diferença e o sentimento de independência foram os mais relevantes”, observa.
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