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Meta a colher!

Lorena Filgueiras
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A violência doméstica aumentou, em todo o Brasil, 50% desde o começo da pandemia. Em isolamento social, muitas vezes, agressores e vítimas têm convivido sob o mesmo teto e é preciso denunciar abusos, além de incentivar que mulheres, em situações semelhantes, busquem ajuda.

Há algumas semanas, um bilhete, grudado na parede de um elevador viralizou: nele, o autor (ou autora) oferecia ajuda a uma vizinha, notadamente vítima de violência doméstica. “Querida vizinha, se precisar de ajuda, corra pra cá: ap 602. Você não está sozinha! Pode gritar, pode pedir socorro, a gente abre a porta para você”. Ao marido violento, também ficou o recado: “Vizinho agressor, com pandemia ou não, violência contra a mulher é crime. Você não vai se esconder atrás da Covid-19”.

image O bilhete que viralizou: nele, vizinhos oferecem guarida à uma vizinha vítima de violência (Reprodução)

O bilhete é só um dos alertas deste período, uma vez que, em função do isolamento social, agressores estão passando mais tempo dentro de casa... junto com as vítimas, disparando gatilhos de insegurança e medo, tornando o momento ainda mais perigoso e angustiante. 

“Eu ia ser enterrada como indigente”

“Ele me disse que eu morreria e como estamos na pandemia, ele também afirmou que eu seria enterrada como indigente, sem direito a um funeral ou à despedida dos meus parentes”. O relato, assustador, veio de Maria*, 42 anos. Casada há mais de 12 anos, nossa entrevistada conta que a violência começou ainda no primeiro mês de vida em comum. “Precisava de trocado, besteira mesmo, pra pagar um entregador. A carteira dele estava sobre a mesa, retirei dois reais. Ele estava no banho e quando saiu, percebeu que a carteira não estava na mesma posição. Eu estava de costas, terminando de fazer o jantar e ele me perguntou se eu havia mexido no dinheiro. Respondi com a maior naturalidade que havia pegado duas moedas.

Jamais poderia imaginar que ele ficaria tão irritado, já que no namoro e no noivado, eu fazia isso direto, com a permissão dele. Nem vi a hora em que ele me agarrou meu pescoço e me jogou no chão. Me chamou de vadia e me chutou por uns três minutos”, relata. Pergunto como foi que terminou a noite. “Ele me pegou pela roupa mesmo e me pôs de pé. Disse que a p***a do bife estava queimando”. Maria terminou de preparar o jantar mal conseguindo manter-se em pé. Foi para o banheiro, tomou um banho, trocou de roupa e deitou na cama do casal. Acordou (na realidade foi acordada) umas três horas depois. “Ele ainda queria sexo. Pediu desculpas porque tinha tido um dia ruim. Disse a ele que estava sentindo muita dor e que não conseguiria. Fiquei em pânico que ele me batesse ainda mais”. 

As agressões, como se pode imaginar, não pararam. Mais de uma década de violência – se não físicas, verbais. Ela achou que elas cessariam quando ficou grávida, três anos depois da primeira agressão. Puro engano. Maria foi várias vezes estapeada pelo marido. As reconciliações eram motivo de segundas, terceiras, infinitas chances. “Ele foi o amor da minha vida”, diz enquanto chora. Ela pede desculpas e procuro tranquilizá-la, afirmando que podemos encerrar ali, se ela quisesse. “Quero contar como escapei”, me responde.

Entre constantes abusos físicos e emocionais, ela jamais conseguiu falar sobre o tema, até que um dia, a filha, então com 6 anos, viu um hematoma na perna da mãe e ficou com os olhos marejados – ali, ficou óbvio que, mesmo tão pequena, a menina percebia sua dor. “Aquilo me quebrou”. Na única vez em pediu divórcio, ele rasgou os papéis. Quando o isolamento social começou a ser intensificado, no começo de março, ela aproveitou que teria de sair para comprar EPIs e se refugiou na casa da mãe. 
Levou consigo a filha e o celular, com registros das violências em fotos e gravações. “Nunca tinha tido coragem, mas só de pensar em ficar enclausurada com ele, tive falta de ar. Desenvolvi síndrome do pânico. Quando ele se apercebeu da demora, me ligou. Ainda tive coragem de atender e de dizer que não voltaria para casa. Ele me disse que eu morreria de Covid e que seria enterrada como indigente”.

Por questões de segurança, Maria conseguiu sair de Belém. Não sem antes constituir uma advogada. Questiono se ela denunciou o marido alguma vez, se há alguma medida protetiva em vigor. Ela diz que não, mas enfatiza: “precisava me afastar dele”. 

Violência crescente no Brasil

No Brasil, segundo dados do Instituto Maria da Penha, desde o início do isolamento, o número de casos de violência doméstica cresceu 50% - São Paulo lidera essa triste estatística. Já no Pará, houve uma diminuição: a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (Segup) informou, por meio de nota, que foram registradas 1.826 ocorrências de violência doméstica no Estado, entre 18 de março a 25 de maio de 2020, período referente à pandemia. Já em 2019, no mesmo período, foram registrados 3.027 casos de violência doméstica, apontando uma redução de 40% das ocorrências, com menos 1.201 casos.

Em entrevista à delegada da polícia civil Janice Maia de Aguiar Brito, diretora da Delegacia da Mulher de Belém, pergunto se a queda de denúncias pode ter-se dado em função de a vítima estar convivendo diretamente com o agressor. “Não podemos afirmar de forma taxativa qual a causa, mas acreditamos que uma das possibilidades são as medidas de isolamento, determinadas a fim de evitar a contaminação pelo coronavírus. A vítima também tem medo de contrair a doença e isso pode ter gerado a diminuição dos registros”, diz.  

Justamente em função dessa redução do número de registros de ocorrências realizadas na DEAM Belém, a Polícia Civil tem esclarecido sobre possibilidade de a vítima fazê-los de casa. “Estamos ampliando a divulgação de registro da ocorrência pela delegacia virtual (www.delegaciavirtual.pa.gov.br), bem como, recentemente, foi lançado o sistema Iara, um número de WhatsApp (91) 98115-9181, similar ao Disque 181, em que o anonimato e sigilo da mensagem são garantidos. Com essas novas ferramentas a vítima faz a denúncia sem precisar sair de casa, evitando assim a exposição ao coronavírus”, complementa.

Com todo o aparato fornecido pelo estado, a delegada reitera a necessidade da medida protetiva de urgência, “que é a possibilidade de impedir que o agressor tenha acesso a vítima. É uma ordem judicial, expedida por um juiz”. Para tal, a vítima pode registrar o boletim de ocorrência policial on-line. “A Delegacia entrará em contato com a vítima para verificar a situação. Se houver possibilidade de a vítima comparecer à DEAM para solicitar a medida, ela é orientada para tal. Todavia, se não houver essa possibilidade, uma equipe multidisciplinar irá até o local em diligência”, explica a diretora Janice.

Segundo o artigo quinto da Lei Maria da Penha, violência doméstica e familiar contra a mulher é “qualquer ação ou omissão baseada no gênero, que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. “Toda à violência é grave, mas felizmente Em Belém, não houve registro nem de tentativa e nem feminicídio consumado”, finaliza a delegada.

“Nos entendemos e retirei a queixa”

Nádia* viveu um inferno no primeiro casamento. “À exceção da violência física, sofri todo o tipo”, conta. Ela decidiu denunciá-lo quando foi ameaçada de morte. “E não só a mim, como ele ameaçou também meus amigos e pessoas próximas”, diz. 

Nádia não perdeu tempo: fez o boletim de ocorrência conseguiu uma medida protetiva que o proíbe, dentre várias coisas, de entrar em contato ou mandar mensagem. 

Já no casamento atual, em menos de seis meses depois do “sim”, houve uma briga e agressões físicas. “Ele tem transtorno de ansiedade, depressão. Em um determinado dia, ele acordou atordoado e tivemos uma discussão feia. Fiz o boletim, solicitei uma medida protetiva, mas cancelei o B.O e revoguei a protetiva, porque conversamos e conseguimos resolver”, diz. “Cheguei a sair de casa. Conversamos muito e ele assumiu que estava errado, pediu desculpas, até porque ele também tem histórico de violência na família. A minha condição pra voltar pra casa era ele procurar ajuda médica e psicológica para os problemas dele. Ele tem seguido à risca”, afirma

A família de Nádia soube das agressões e ameaças somente do primeiro casamento. “Acham até que demorei a denunciar”. Já em relação à agressão do segundo marido, ela preferiu não compartilhar.

(*) Os nomes das entrevistadas foram trocados para proteger suas identidades.

Como buscar ajuda

Disque denúncia: 180 (serviço 24 horas)

COMBEL: (91) 98896.1453 (de segunda à sexta, de 8 às 18h)

Disque denúncia Pará: 181 (serviço 24 horas)

Boletim de ocorrência virtual: www.delegaciavirtual.pa.gov.br

Sistema Iara – Polícia Civil (WhatsApp): (91) 98115-9181

Para se informar mais:
http://www.institutomariadapenha.org.br/

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