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Epaminondas Gustavo: o humor consciente do juiz Cláudio Rendeiro

Lorena Filgueiras

No dia combinado para a entrevista ocorrer, aviso ao juiz Cláudio Rendeiro que estou a caminho e pergunto se está tudo okay para nosso encontro, ao que ele manda uma mensagem de voz. “Estou aqui, trouxe a roupa do Epaminondas, mas preciso lhe explicar uma situação: às sextas-feiras, eu não marco audiências, mas precisei realmente agendar uma para hoje. Você pode vir e me aguardar?”. Como jornalista, procuro sempre deixar meus entrevistados à vontade, já que isso interfere diretamente na qualidade do resultado final das entrevistas – por isso, respondo a ele que não se preocupe, que compreendo perfeitamente e coloco-me à disposição para remarcarmos, e ele insiste: “você não quer acompanhar a audiência? Assim, você poderá entender meu lado juiz”. Não pensei duas vezes. 

Além de mim, que estava ali como observadora, havia um estudante do curso de Direito. Doutor Cláudio interrompe momentaneamente a audiência e explica, cuidadosamente, o modus operandi da vara criminal. Com um sorriso afetuoso e acolhedor, dirige-se, agora, ao acusado, um rapaz de aproximadamente 40 anos, que responde por homicídio. Explica a ele que a verdade é uma obrigação legal e moral. Doutor Cláudio escuta, procede com a audiência nos termos em que ela deve ocorrer: chama as testemunhas e as ouve com atenção. Dispensa sempre um tratamento carinhoso a todas elas. Ao final, chama o acusado novamente. “A linguagem jurídica é complicada, mas vou lhe explicar: o senhor teve sua prisão revogada, vai sair do cárcere e aguardará uma nova fase, de um possível – ou não – julgamento. Porém, o senhor terá obrigações até lá”, ele sentencia – e detalha as obrigações, como recolhimento domiciliar entre 22 e 6 horas; apresentação a cada dois meses, para dar conta de trabalho e residência, além do uso da tornozeleira eletrônica. O acusado coloca as mãos no rosto e chora. Firme, o juiz aguarda, mas percebe-se que ele está emocionado. Ele se despede, para poder conceder a entrevista. E no momento em que ele sai da sala de audiências, é Epaminondas quem assume a personalidade. Foi uma grata surpresa o desenrolar de toda a conversa com o criador e a criatura. Cláudio Rendeiro é um homem sensível, amoroso e seu pai, Epaminondas, uma graça!  Sim, o personagem, na narrativa construída por Rendeiro, é pai dele. Confundiu? A gente explica a partir de agora....

Troppo + Mulher: Fiquei muito surpresa e feliz de poder acompanhar a audiência... porque desafiando a lógica e própria práxis jurídica, o senhor faz questão de ser afetuoso. Me pareceu que o senhor abre mão da impessoalidade, tão comum aos nossos dias... então eu queria saber um pouco mais dos caminhos que o trouxeram até aqui...
Cláudio Rendeiro: Eu sempre coloco isso para os meus funcionários, converso isso com o promotor... e graças a Deus o promotor e o defensor público vinculados à minha 4ª Vara do Júri também adotam esse procedimento e mantêm a mesma postura. Penso assim: a testemunha, por exemplo... A minha vara é extremamente formal. Você assistiu uma audiência da primeira fase, mas na segunda fase, estão todos usando toga, então é formal mesmo! A Vara mais formal da justiça criminal é Vara do tribunal do júri. Eu acredito, portanto, que cabe ao juiz tentar dar essa tranquilidade a uma testemunha, até porque esse não é o mundo deles, então cabe a mim, dar essa quebra. É claro que o ritual existe, mas sutilmente diz-se às testemunhas que elas têm de falar a verdade, sob pena de responderem a um falso testemunho... mas há formas de dizer isso. Assim, as testemunhas ficam menos assustadas e não custa nada, entende? Isso é simples de fazer. O juiz preside a audiência e cabe a ele nivelar, porque desta forma, a audiência rende mais! Eu já fui promotor de justiça e quando o juiz era mais formal e se dirigia a uma testemunha, ela ficava em pânico! Findava que ela não conseguia falar o que tinha de ser falado. Então eu digo aos meus funcionários que a Vara de homicídios trabalha com duas dores muito fortes: dos que partiram e dos réus. São famílias enlutadas e há que se ter respeito por todos. Desta forma, a verdade até vem de uma forma mais tranquila. A postura ortodoxa faz parte do imaginário que se tem de um juiz, mas não precisa ser assim. 

T+M: O Senhor acaba de conceder uma soltura. A vida cotidiana numa Vara como a sua, ainda permite que o senhor se emocione?
CR: Diariamente! E essa percepção tem que estar muito clara. Para mim, ser juiz é um sacerdócio! É muito interessante até te contar isso, porque a minha mãe tinha uma brincadeira, quando éramos crianças e somos seis. Eu era muito peralta e sempre tive essa risada horrorosa. Segundo a minha mãe, “a gargalhada mais horrorosa do mundo”. Mas o fato é que, se perguntassem: “Dona Dalva, qual dos seus seis vai ser juiz?” Ela responderia sem pensar: “olha, tira o Cláudio, que ele não tem a mínima condição, pela personalidade dele!”. Interessante isso, não é? Quando fiz o curso de Direito, na UFPA, entre 84 e 88, o universo era mais formal ainda! Acho que a grande arte foi trazer um pouco da minha personalidade para a minha profissão e a maior prova disso é próprio Epaminondas. Quando O Epaminondas surgiu, foi complicado. “Como é que um juiz pode ser palhaço?” E os mais renitentes, usavam o termo ‘palhaço’ de maneira pejorativa, o que é uma grande injustiça com um artista maravilhoso! Em resumo, quando alguém quebra os paradigmas, é assustador. Eu fui insistindo e o Tribunal foi entendendo que o lúdico podia, sim, conviver com o formal. O humor, quando pensado, ponderado, é um excelente instrumento de aprendizagem. Hoje, o Epaminondas é bem-vindo e é convidado pelo Tribunal para alguns eventos. Isso é fabuloso!

T+M: Doutor, voltemos ao seu começo de carreira. Pode ser?
CR: Eu fiz Direito e fui ser promotor. Nunca cheguei a advogar, porque passei logo em um concurso. No mês que vem, no dia 29 de novembro, completarei 25 anos como juiz! Bodas de Prata, né? Fui promotor por 4 anos, mas sempre tive vontade de ser juiz. Eu achava que era muito diferente da minha personalidade e me perguntava se eu daria conta. Quando cursei a faculdade, eu dava aula, de 5ª à 8ª série de História na Escola Perpétuo Socorro, então não tinha em mim o ambiente forense... eu era muito espontâneo, natural. 

T+M: Imagino a reação da sua mãe ao saber que o senhor seria juiz...
CR: Pois então, foi o que eu te disse. Ela nunca imaginaria que logo eu seria! Isso foi muito legal: eu não perdi a minha personalidade; eu a agreguei! Lógico que uma audiência tem suas formalidades e ritos, mas você não precisa se despersonalizar. A profissão é tão forte que é isso o que chama atenção: o fato de o Epaminondas ser juiz! Se eu tivesse uma outra profissão, talvez não causasse tanta estranheza. Além do Epaminondas, eu faço um outro personagem, durante o meu stand-up, que não fala nada, que é uma transição... que é o Caio Roberto, que é um tecnobregueiro de aparelhagem, galeroso de Cametá. Tive que criá-lo para dar suporte às histórias do Epaminondas. O Caio Roberto é casado com a Soraia de Nazaré, que é mãe das quadrigêmeas Emily, Evily, Erilyn e Emanuely. Quando meus funcionários foram me ver no stand-up e me viram incorporando o Caio Roberto, a Natalícia veio me dizer que quase não reconheceu. “Doutor do céu, o senhor é outra pessoa!”.

T+M: Estou ouvindo o senhor e concluo que o Epaminondas ocupa um enorme espaço na sua vida. Como foi que ele ‘nasceu’?
CR: O Epaminondas teve dois momentos: quando ele foi criado politicamente correto e ele teve o momento de “Epaminondas, o retorno”, que é justamente o que as pessoas conhecem. Ele foi uma brincadeira que deu certo! Fiquei 12 anos como juiz no interior e quando fui promovido em cheguei a Belém, em 2006, tinha sido criada uma vara chamada “penas alternativas”, que não aplicava prisão e, sim, outros tipos de penas. Uma desembargadora amiga minha me chamou e disse que a Vara era a minha cara! “Cláudio, eles trabalham com psicólogos, com um novo Direito. Você bem que podia ir pra lá!”. Fui e fiquei por três anos e meio, quando pintou o convite para interiorizar a ‘Vara de penas alternativas’ em 12 comarcas. O time era um juiz, uma psicóloga, um assistente social e alguém do cartório. A gente reunia no Fórum e eu sugeri a gente fazer um teatrinho, para dar uma nova dinâmica. Detalhe pra você: eu mesmo nunca fiz Teatro! E teve um caso de um senhor, que havia cortado uma árvore no quintal dele, que caiu na casa ao lado e ele foi chamado pela justiça para cumprir pena alternativa. Daí ele chegou com o papelzinho e sotaque carregado dizendo que nunca tinha nem passado na frente de uma delegacia e que tava sendo convocado pra uma tal de pena alternativa. A assistente social tentou falar com ele e nada. “Só quero falar com o juiz”. Tanto fez que eu o recebi, mas agora não lembro se o nome dele era realmente Epaminondas. Então funcionava assim: eu abria o evento com uma palestra; me apresentava como juiz e explicava o que eram as penas alternativas. Depois vinha a psicóloga, seguido do assistente social. Enquanto a assistente social falava, eu entrava numa sala e me vestia de ribeirinho: era um chinelo de dedo, uma camisa simples, um chapéu de palha e um saquinho plástico com os documentos. Quando o assistente social estava terminando de falar, eu entrava. “Eeeeei, mano, é aqui que tem as coisas de não-sei-o-quê altenativas? Me deram esse papel!”. Fazia de conta que eu não entendia e pedia pra falar com o juiz – e uma funcionária minha, que vestia a minha toga, explicava tudo bem didaticamente. Pois bem, o Epaminondas, depois da explicação, saía satisfeito com o pato dele, o Epatinho. [ele ri] Fez tanto sucesso que fomos convidados a fazer a encenação no Congresso Nacional de Penas Alternativas. Logo depois, fui pra Vara de Homicídios, do Júri, em 2009, e o Epaminondas ficou lá. O Epaminondas, o retorno, nasceu em 23 de novembro de 2013. 

T+M: Menos correto e mais mordaz, certo?
CR: Bem mais mordaz e por acaso! Eu tava vindo de um mutirão carcerário, em Americano e estavam ocorrendo duas coisas bem significativas em Belém, em novembro de 2013: o começo das obras do BRT – e tava um caos! – e o princípio do WhatsApp. Estávamos no carro do Tribunal, voltando para Belém e pegamos um engarrafamento de mais de uma hora. Peguei o celular, abri o WhatsApp e... ali, pela primeira vez, nascia um áudio do Epaminondas, que, aliás, foi o primeiro a chamar o aplicativo de Zap-zap. Veio também o segundo nome do Epaminondas, Gustavo, que ele brincava dizendo que “mamãe me deu o segundo nome de um verbo: gustava disso, gustava daquilo”. O áudio viralizou de um jeito que eu nunca havia imaginado! Esse áudio, em especial, ‘o tar de Zap-Zap’ abriu caminho para outros: do sushi, do chuveiro elétrico... e fui agregando também o conteúdo jurídico.

T+M: Sua mãe ganhou um sétimo filho!
CR: Então.... [ele cai na gargalhada] é, mais ou menos. Deixa eu te explicar a brincadeira: como eu falo muito de Direito em quase todos os áudios, o Epaminondas Gustavo tem um filho juiz. Ele, que nasceu em São Caetano de Odivelas, morou muito tempo em Cametá, daí a voz, o sotaque. Então, voltando... um dos filhos do Epaminondas Gustavo é juiz. Ele queria, na verdade, que o filho fosse médico, “pra cuidar da Unidade de Saúde de São Caetano, que puxasse as costas dele pra ficar no lugar. Aì, ele estudou a vida inteira Direito Civí e num silviu pra nada”. O Cláudio Rendeiro é o filho juiz do Epaminondas! O Epaminondas tem o maior orgulho do Cláudio! Acaba que Epaminondas é quem conta as histórias do Fórum! 

T+M: Que barato!
CR: Pois é, daí o Epaminondas sempre recebe convites para estar no meio jurídico! A Justiça do Trabalho foi o primeiro a convidá-lo para fazer áudios sobre a campanha de combate ao trabalho infantil, em outubro de 2014. E pintou o convite de levar a campanha para Santarém. Estávamos lá e o presidente do TRT me chamou. “Doutor Cláudio, estou numa sinuca de bico e não sei o que eu faço! A Imprensa divulgou que o juiz-ator Cláudio Rendeiro estaria em Santarém e que haveria um stand-up com ele, no Auditório da OAB! E agora?”. Não contei conversa: “vamos fazer!”. Lá mesmo em Santarém, fui atrás de uma roupa florida, comprei um chapéu, um remo e foi! Foi um sucesso e o começo da carreira do Epaminondas no stand-up!

T+M: Quais são as fontes de inspiração para o Epaminondas?
CR: Meu pai, Manoel [falecido em 2009], que era filho de português com uma cabocla de São Caetano de Odivelas; e o meu tio Benedito, de quem eu tirei todo o jeito e os trejeitos do Epaminondas. 

image Epaminondas Gustavo (Fernando Diniz / @nandordiniz)

 

T+M: O stand-up virou um show. O sr. já me contou o começo...
CR: Pois então, conheci o Adilson Alcântara, que mencionou a vontade que tinha de me conhecer e me convidou pra fazer show, “Humor à primeira espiada”! E já tem dois anos que estamos rodando os teatros e municípios. Agora mesmo, estou fazendo um espetáculo solo, “Para viver pra de rir” e parte da renda é destinada a entidades solidárias – desde abrigo para animais abandonados ao Combate ao trabalho infantil.

T+M: O que o Epaminondas lhe deu de presente?
CR: Ah, o Epaminondas me deu tanta coisa, sobretudo, me ensinou a ver a vida de maneira diferente, possibilidades e ganhos, por meio de poder falar sobre cidadania. Quando quis ser juiz, entendia eu que o juiz tem o compromisso moral e político de mudar uma realidade. É fabuloso isso! Através do humor, o Epaminondas, altera dores, às vezes! Recebo testemunhos de pessoas que estão se tratando contra o câncer e que receberam um áudio do Epaminondas... que gargalharam, que ficaram felizes. A melhor parte é fazer um humor consciente! Eu perco a piada, mas não perco a minha dignidade! Podem me mandar a melhor piada, mas se ela tem alguma conotação discriminatória, não uso. Aliás, preciso enfatizar que podem até dizer que é uma piada maravilhosa, mas se ela tiver preconceito contra mulheres, gays, negros, loiras, não vejo a menor graça. Tem uma parte no stand-up em que eu falo de costumes de pobres e sempre faço a ressalva de que estou falando da minha vida ali, afinal, “saí de Caetano de Odivelas para a baixa do Guamá!” e são histórias reais, do meu pai. Brinco dizendo que o sonho de todo pobre é ter uma casa de altos e baixos, mas o dinheiro pra fazer a parte de cima não tem e aí, nasceu a laje! 

T+M: Além das piadas com conotação discriminatória, o que mais não entra em seu show?
CR: Nada apelativo, palavrões... não vejo a menor necessidade disso! O show é livre! Vão crianças, idosos. Nada que cause constrangimento! Dia desses, encontrei a Dira Paes e ela me disse “você é um comediante nato, com seu humor ingênuo, pueril”. Dia desses, no espetáculo, brinquei sobre a quantidade de farmácias em Belém: “mano, tenho até medo de me espreguiçar e alguém me entregar uma cibalena pela janela de casa”. [risos] Faço piada com Cametá, mas sou muito apaixonado pelo Pará. 

T+M: Para finalizar, quero entrevistar o Epaminondas. Pode ser?
CR: Claro!

T+M: Tens muito orgulho do Cláudio?
Epaminondas Gustavo: Minha mana, tenho pur demais orgulho do pequeno, sabe? Era magro, feio. Queria que ele fusse médico para cuidar das nossas costas e da unidade de Saúde de São Caetano. Quis ser juiz, estudou Direito Civil a vida inteira e não silviu pra nada! É um pequeno que faz um trabalho social.

T+M: Açaí doce ou salgado?
Epaminondas Gustavo: Deus que me defendei de açaí duce! O açaí de veldade tu sente caroço atrás de caroço! Sem açúcar!

T+M: Qual teu lugar predileto em Belém?
Epaminondas Gustavo: Ah, o Ver-O-Peso, minha mana! Sou uma pessoa de feira! Pra comprar meus legumes, meu peixe, minha farinha...

T+M: Cametá ou São Caetano de Odivelas?
Epaminondas Gustavo: São Caetano foi onde eu nasci, ali, na beira do rio Mojuí, mas tenho um amor enorme pur Cametá! Se eu não fusse odivelense, eu ia ser cametaense. O povo até me considera de lá!

T+M: Qual teu maior sonho?
Epaminondas Gustavo: Um Brasil sem trabalho infantil! Um país em que as crianças tenham oportunidade de brincar, de estudar e de se aperparar pro futuro.

Para saber mais:
@epaminondasgustavo

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