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Exclusivo: Adriana Calcanhoto Conexão mundo-Belém

Lorena Filgueiras
Exclusivo para a Troppo + Mulher – “O impossível é aquilo que nunca se tentou”, afirma um dito popular que define em exatidão o novo álbum de Adriana Calcanhotto, “Só”, lançado oficialmente na última sexta-feira, 29, que traz 9 músicas, compostas em apenas 11 dias. Uma curiosidade ressaltada pela própria artista enfatiza bem os sentimentos de angústia e urgência, característicos de quem ressignificou a vida neste momento: seu trabalho anterior, “Margem”, que também tem 9 faixas, levou quase 10 anos para ser concluído. “Só” foi concluído (entre composições das canções, produção e finalização do disco) em menos de 40 dias. 
 
“Uma dificuldade, para mim, sempre vai se apresentar como uma provocação”. É de maneira corajosa que ela conceitua o novíssimo trabalho, cuja produção é do cantor/compositor paraense Arthur Nogueira, com coprodução dos também paraenses STRR (Mateus Estrela) e Leo Chaves. Recém-finalizada uma turnê e com passagem de retorno a Portugal, onde leciona na Universidade de Coimbra, Adriana se viu em Quarentena, sem poder sair de casa. Entre tantas incertezas, uma luz: escreveria uma canção, todo dia, até a hora do almoço. Tendo como pano de fundo o isolamento e todos os fatos políticos, sociais e sanitários, nasceram 9 músicas e seu álbum mais político, até agora. Os direitos autorais de cada uma das canções, inclusive, foram cedidos a instituições/coletivos/entidades que estão atuando diretamente junto a pessoas e comunidades que necessitam de doações/apoio para atravessar a crise.
 
A entrevista ocorreu na noite da última terça-feira, 26, em meio às notícias de fraude e desvio de recursos dos hospitais de campanha no Rio de Janeiro, onde nossa convidada especial desta edição também vive/mora. Em teleconferência comigo e com o amigo (e produtor do disco) Arthur Nogueira, Adriana externou o quanto isso mexera com ela. Como não podia deixar de ser, além de revelar mais sobre o disco, falamos sobre política, Arte e sua relação com a capital paraense. “Se houver mundo, nos encontramos em Belém”, afirmou. 
 
Troppo + Mulher: Ouvi todas as faixas e todas estão, sem exceção, lindíssimas. Achei interessante você declarar que seu novo disco é fruto também de angústia, de incertezas, ao passo de que ele é um disco extremamente político. Você acredita que, se não houvesse a pandemia, mas considerando todo o momento político mundial e nacional, algo da sua criação artística teria frutificado neste momento?
Adriana Calcanhotto: Ah, certamente! Esse disco, suas canções... ele não nasce como um disco. Uma faixa foi nascendo após a outra e nada disso teria sido desta maneira, se não fosse todo o pano de fundo, todos os acontecimentos do mundo e a oportunidade que a quarentena dá de refletir [a respeito deles]. 
 
T+M: Em entrevista recente com a escritora e jornalista Pilar del Rio, falávamos sobre como o presente assemelha-se ao cenário descrito por Saramago, em “Ensaio sobre a cegueira”. Pergunto para você a mesma coisa que perguntei a ela: como será este novo mundo? Arriscaria dizer? Você sai diferente desta pandemia, Adriana? Em quais aspectos?
AC: Eu estou saindo diferente da pandemia porque tenho essa disposição de extrair coisas boas das dificuldades. São as dificuldades que nos fazem crescer. As alegrias também fazem, mas menos. Em face dos desafios, a gente tira força de onde não sabe que tem. Não dá para saber como será o futuro, mas não gosto da ideia de “volta ao normal”. Primeiro, porque tudo era anormal, logo não existe a tal “volta ao normal”. Passou tempo, aconteceu isso, aconteceram muitas coisas. Não dá pra imaginar que a gente vai voltar. Acho que o certo é pensar pra frente, no futuro – agora como ele será... Este momento está nos dando oportunidade de definir se será bacana ou não. Está em nossas mãos. Hoje é um dia especialmente triste porque estourou aqui, no Rio, mais uma coisa de corrupção, de dinheiro desviado de hospitais de campanha. É muito duro! E tem isso ainda: na quarentena, a gente vive uma montanha russa de emoções durante o dia todo. É uma coisa... Podemos pensar positivo, mas, de vez em quando, a humanidade se revela nessas coisas e aí, dá uma impotência, bate um desânimo. Como o futuro será, enfim, não me arrisco a dizer.  
 
T+M: Achei muito bonito você ter desejado quer fazer pão ou quentinhas para distribuir às pessoas [Adriana conta, em vídeo release enviado aos jornalistas que quis muito fazer pão e quentinhas para distribuir, mas como não sabe, decidiu que faria algo pelas pessoas e o novo disco nasceu desse sentimento]. A Arte, neste momento, tem sido um alimento para as almas das pessoas. Talvez elas não se apercebam, mas estão consumindo mais arte neste momento. Pois bem, a gente vem de um período relativamente longo de criminalização da classe artística e, agora também, de jornalistas. Também temos um cenário desolador dessa mesma classe artística, uma vez que muitos perderam suas fontes de sustento. Continuará este sendo o papel da Arte no novo mundo?
AC: Tenho impressão que sim – mais e mais. Teve algo, no meio do processo de fazer as canções: a [revista] Vogue Itália, cuja capa veio toda branca. Aquilo me inspirou tanto, no sentido de pensar em justamente isso tudo que você está dizendo, do papel da Arte nestes momentos; pensei no Renascimento [movimento cultural, econômico e político que surgiu na Itália do século XIV e que se consolidou no século XV, estendendo-se por mais dois séculos, em toda a Europa] e pensei na importância dessa capa: temos uma “tela branca”. O disco tem inspiração nesta capa, que foi muito forte e feliz. Foi muito impactante pra mim, tanto que o vinil, uma vez que o disco não será lançado em CD, terá uma edição limitada e sua capa será branca, só com meu nome e o nome do disco. 
 
[Faço uma observação aqui: Arthur Nogueira, convidado também desta entrevista, para além de cantor/compositor/produtor também é jornalista de formação. E eu o encorajo a, se assim desejar, fazer perguntas à Adriana]
 
T+M: Arthur, fica à vontade!
Arthur Nogueira: Estou ouvindo com atenção aqui.
AC: Não, não. Fala bem de mim! [ela cai na gargalhada]
AN: Eu falo! Há pelo menos 15 anos! [ele também ri]
 
T+M: Por sinal, estava no Theatro da Paz, em seu último show aqui em Belém, quando você declarou, no palco, que era muito bom estar na cidade de Arthur Nogueira. Lembro de ter dito “uau, Arthur, que moral!”.
AN: Verdade! Fiquei muito honrado... Como dizem, “venci na vida!” [ele e Adriana gargalham]
AC: Eu acho tão legal essa coisa do Arthur com Belém, sabe? Sei que ele saiu daí, deu as voltas dele, mas ele tem isso muito profundo com a cidade. Hoje em dia, eu não consigo pensar em Belém, sem pensar nele.
AN: Que coisa linda, Adriana, você dizer isso! Quando eu saí daqui, fui um pouco triste. Achava que não tinha lugar pra minha música. Como é natural, sempre há a necessidade de se criar um rótulo, e eu queria fazer poesia. A sensação que tinha, era de que não havia lugar para isso, em função dos ritmos e da quentura natural do Pará. Passar um tempo fora foi compreender que Belém é sui generis. Fiquei demais emocionado quando você, no palco do Theatro da Paz, que é templo da cultura local, me reconhece como uma pessoa de Belém. Foi o ápice de todo esse caminho, entendeu? E você me dizendo o que acabou de dizer, me enche de alegria porque eu gosto de me sentir daqui! 
AC: É, eu acho que você ficou ainda mais de Belém depois de ter passado por São Paulo.     
AN: É verdade. Faz todo sentido.
 
T+M: Um outro assunto que tem sido muito levantado, também nestes tempos, é sobre a necessidade de o artista ter de se posicionar publicamente sobre a política neste momento. Gostaria de ouvir sua opinião a respeito... para além de o seu disco, por si, já ser um grande manifesto.
AC: Às vezes acho que há uma patrulha um pouco exagerada sobre os artistas se posicionarem. Há pessoas e pessoas. Artistas e artistas. Desejos e desejos. E tem essa coisa de que o artista se posicionar, significa ficar falando sobre os fatos políticos... e acho que não é só isso. [Ele também pode se posicionar] Fazendo o seu trabalho! 
 
T+M: Você atravessou, por assim dizer, inúmeras épocas/tecnologias de gravação. Como foi chegar em um momento, que começou no seu disco anterior, quando você montou um núcleo criativo com pessoas que estavam 3 mil ou mais quilômetros distantes de você e fazer nascer um disco feito em casa, produzido a distância? Você sentiu receio? Fluiu mais naturalmente que o anterior? Esse será o caminho de agora em diante?
AC: Esse caminho já existe há muito tempo. É uma das maravilhas que a internet proporciona: poder tocar uma peça com um musicista em Nova York, um pianista em Tóquio e um guitarrista no interior de São Paulo. As coisas vem sendo assim há algum tempo. Quando estou em Coimbra e as coisas estão sendo feitas por aqui, resolvo tudo por e-mail. E vice-versa. Por incrível que pareça, o que me parece mais novo nisso tudo, é fazer shows de casa. No início, eu tinha uma certa dúvida. Achava que as pessoas não ficavam assistindo uma live inteira. Tinha a sensação de que as pessoas aguentam 10 segundos de cada coisa, mas há um público que assiste tudo, como se fosse um show. E isso foi comprovado na live do Sesc [realizada no último dia 23 de maio]. Isso sim, pra mim, é novo e desafiante. 
 
T+M: Coimbra é o seu lugar no mundo?
AC: Também! Sou de algumas cidades do mundo. Coimbra é uma surpresa, porque eu não esperava. Mas veja só como “caiu a ficha” no momento em que percebi que não poderia voltar para lá. Fiz canções que tem a ver com essa impossibilidade. No final, eu entendo que todas as canções só existiram porque não pude voltar a Coimbra e daí me vem a “Canção do Exílio” [poesia composta por Gonçalves Dias, em 1843] à cabeça: “não permita, Deus, que eu morra / Sem que volte para lá”.   
AN: Quero dizer que desde o primeiro momento em que ouvi essa faixa [Arthur faz referência à canção “Corre o Munda”, em que Adriana externa a saudade da cidade portuguesa e menciona os versos acima], ela me tocou profundamente. É uma pérola do repertório da Adriana, da canção brasileira. Foi emocionante demais trabalhar nela. É como se fosse um fado funk, Adriana? Nem sei se está certo dizer isso, mas tinha uma intenção que me soou, de cara, genial. 
AC: Também não sei que nome dar, mas é melhor não nomear! [ela ri] Fiquei feliz em escrever uma canção que fala dessa relação. Por duas vezes, aqui, me peguei com saudade da coisa da estrada, que é tão difícil, até iniciar um show e pensar: “Ah, sim! Por isso estou aqui!”. Sinto falta do não comer, não dormir, pular de avião em avião. Em relação à Coimbra, quando me veio esse verso à cabeça, pensava: “Será que voltarei algum dia?”. Foi quando nasceu a letra.
 
T+M: Belém está muito presente no seu disco – por causa de Arthur, de Mateus Estrela [STRR], de Leo Chaves. Você estreitou ainda mais a relação com esse pedaço do Brasil agora ou esse relacionamento vem de antes?
AN: Já vem de algum tempo, né Adriana?
AC: Sim, mas é que o Arthur é uma cereja nesse sundae. [os dois gargalham por algum tempo].
AN: No primeiro disco de Adriana, tem uma música que cita Belém [trata-se da canção “Enguiço”, em seu álbum de estreia]. 
AC: Exato. Meu primeiro fã-clube é de Belém, o Enguiço. Então vem de longe. Arthur a deixou mais interessante! [risos]
AN: Depois da experiência no Theatro da Paz e por estar vivendo o isolamento aqui, foi muito bacana a experiência de viver tudo isso com a Adriana. Foi bacana que a continuidade da vida tenha nos trazido até aqui. Não foi algo planejado, né Adriana? Eu, inicialmente, faria [a produção de] uma faixa. Deu certo o trabalho e a gente foi conversando e foi acontecendo naturalmente.
AC: E tem essa coisa de o Arthur ser compositor, que ajudou na maneira como ele olhava as letras. Como fiz canções no dia a dia, ele lidou com cada uma delas, caso a caso, com olhar apurado, escolhendo os músicos. A música de Belém está presente e faz todo o sentido. 
AN: Fiquei pensando aqui que gosto tanto da Adriana, primeiro como artista e depois, quando fomos nos conhecendo. Desde o primeiro momento ela foi tão querida comigo! Por gostar dela e por conhecer muito de sua obra, em alguns momentos, tive a sensação de tentar entender a mente da Adriana, num lance meio de “a gente faz amor por telepatia” [ele ri], porque eu pensava mesmo “acho que ela vai gostar disso”. Tentava confirmar minha intuição a partir desse meu conhecimento, da vivência com ela. Na maioria das vezes, a gente se entendeu mesmo nesse sentido. Foi algo muito legal confirmar o prazer de trabalhar com alguém que você admira e tem uma relação. Isso cria uma comunicação que nem precisa ser verbal!
AC: Exatamente! A gente conversou muito pouco. Falávamos mais em pontos decisivos, com muita coisa já armada, feita. E concordo com você: não precisava ficar falando. Eu, enquanto fazia as canções, não teria condições de olhar as coisas da forma que você, Arthur, olhava. Trabalho muito no “microscópio”, porque tem isso: eu trabalho com tempo. Depuro minhas canções. Passei 10 anos depurando o último álbum. Fiz um disco e não tenho intimidade com as canções – eu as fiz! Não passei dez anos! [risos]
AN: O bom de se trabalhar com uma artista como a Adriana, é que ela sabe o que quer. Ela já definiu as bases em violão, com intenções bem acertadas. Em alguns momentos, tive ideias e propus caminhos. Mas, muitas vezes, tudo que ela mandava, já estava resolvido conceitualmente. Eu falei certinho, Adriana?
AC: Manda sua conta pra mim, por favor! [ambos riem]
 
T+M: Queridos, muito obrigada. Sou fã assumida de ambos...
AC: Achei o máximo saber que você estava no Theatro da Paz, em uma noite tão especial.
AN: Foi lindo!!!
 
T+M: Foi muito lindo! E o disco está espetacular!
AC: Que bom, então! Se houver mundo, nos encontramos em Belém!
 
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