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Eles saíram de Belém, mas Belém não saiu deles

Eles mudaram e construíram uma vida fora do país. Mas, os cheiros, os sabores e até os barulhos aquecem o coração e fazem sempre sonhar com uma nova visita à antiga casa

Flávia Ribeiro
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Uma senhora de 404 anos que, apesar de maltratada, carrega e oferece muito amor a quem chega aqui. Assim, é Belém! As pessoas mal chegam e já recebem um abraço, ouvem o sotaque chiado: “Tu estás bem? Fizeste boa viagem?”. As cores e sabores são sempre lembrados, mas o primeiro contato com o paraense é auditivo. Sim, a segunda pessoa do pronome pessoal do caso reto é o que ouve pelas ruas acompanhada de uma sonoridade! Quem chega aqui, até estranha, mas quem sai, sente saudades até disso.

“O chiado é como música para meus ouvidos... Sim, me faz falta! Quando saí de Belém e fui para São Paulo, me confundiam como sendo do Rio de Janeiro. Mas, logo percebiam que era superficial a semelhança, pois os termos e gírias eram diferentes”, comenta Vânia Sodré, que mora no Canadá há 14 anos, passou 10 anos em São Paulo e quase quatro anos em Portugal.

Ela é de Belém, mas saiu aos 23 anos de idade, acompanhada de duas irmãs, quase um ano após a formatura em Engenharia Elétrica. “Eu me vi obrigada a me mudar para São Paulo, onde temos parentes, em busca de uma oportunidade para trabalhar na minha área” relembra. Aqui, ficou boa parte da família: os pais, irmãos, tios (as), primos (as).

E depois de tanto tempo fora, quando é perguntada se tem saudades... “Não, não é saudade o que sinto... Sinto que uma parte de mim está faltando” afirma a engenheira.

Dentre os aprendizados do período, ela pontua algumas das diferenças entre os lugares onde morou e sua terra natal “Na Europa, em alguns países, cada pedacinho de terra é cuidado, cultivado. Aqui, somos abençoados com clima, terra fértil. Cada um poderia cultivar seu espaço”, fala Vânia, que veio passar 10 dias em Belém e já planejando voltar em julho. “Belém é única no mundo com suas belezas naturais, comidas tradicionais e o povo acolhedor. Se ao menos cada personagem da história pudesse aprender e executar o voluntariado, não existiria cidade mais bela no mundo”.

O “tu” conjugado de maneira correta é um fator que diferencia a jornalista Fernanda Melônio, na Europa. “Quando converso com portugueses, eles ficam admirados ao conhecer uma brasileira que conjuga certinho a segunda pessoa. Por isso, eu sempre explico que passei boa parte da minha vida em Belém, falo da história da cidade, da influência e herança portuguesa”, ressalta.

O chiado é familiar para ela, que nasceu no Rio de Janeiro, mas morou dos nove aos 25 anos de idade aqui. Depois de se formar, em 2007, voltou a morar no Rio, onde ficou até 2011. Passou uns meses em Belém, aterrissou em outras cidades até fazer uma seleção para trabalhar em um navio de uma companhia italiana. Ela embarcou em 2015, como fotógrafa. Nessa experiência, passou por mais de vinte países e conheceu o marido, Giorgio, italiano. Em 2017, eles desembarcaram em Belém, para uma visita à família. No mesmo ano se mudaram para Itália, onde casaram. O primeiro filho, Giovanni, nasceu em setembro de 2019.

image Fernanda Melônio e o marido Giorgio (Arquivo Pessoal)

Para quem saiu de uma região quente e úmida, ela teve que enfrentar o inverno europeu e conta que o primeiro foi o mais difícil. Para amenizar as saudades, mãe dela já foi duas vezes para lá. A primeira, para o casamento. E a última, há alguns meses, para acompanhar os últimos meses de gravidez e primeiros, do bebê. Além disso, ela fez amizade com outras brasileiras que moram na mesma região, com quem ela pode falar mais espontaneamente em português. “Na verdade, usamos três línguas na minha casa. O meu marido já fala português e eu já falo italiano. Mas, quando a coisa fica séria, para evitar desentendimentos linguísticos, usamos o inglês” diverte-se.

Ela conta que quando veio morar em Belém, se sentiu muito acolhida e que isso é uma característica do povo paraense, da qual sente falta. “Além da família e dos amigos, certamente fica a saudade dos sabores da comida paraense, o cheirinho da cidade no Círio, os passeios típicos da cidade e o acolhimento das pessoas” reafirma Fernanda, dizendo que mesmo distante, o filho receberá muito da herança regional. “Aqui em casa, por exemplo, português como língua de herança será obrigatório. E junto com isso, tentarei passar para o meu filho nossa cultura brasileira. Principalmente, a amazônica, ainda tão desconhecida por boa parte do país. Seja pelas lendas, seja pelo respeito à natureza, seja pelos valores humanos que o amazônida tem”.

A jornalista não esconde a vontade de trazer a família para conhecer a cidade, mas só de férias mesmo, e lamenta a falta de atenção do poder público. “Belém é incrível. É uma cidade linda, que infelizmente vem senso muito maltratada nos últimos anos. Queria muito que todo o seu potencial fosse utilizado, seja econômico, seja turístico e que seu povo acolhedor vivesse com mais dignidade e, principalmente, segurança” destaca.

Assim como Vânia e Fernanda, que saíram de Belém para buscar oportunidades de emprego, Wellington Mello também buscava novos rumos quando arrumou as malas. “Eu pensava em mudar de cidade já fazia tempo. Queria propor novos desafios pessoais e profissionais para a minha vida. Belém começava a ficar difícil, principalmente pela insegurança, o que impulsionou para tomada da decisão”, comenta o belenense, publicitário e relações públicas.

image Wellington Mello (Arquivo Pessoal)

Ele tinha duas cidades em análise: Vancouver ou Lisboa. Passou as férias em ambas para decidir. Morando em Lisboa há um ano, ele saiu daqui acompanhado do cachorro. “Planejei a mudança durante 16 meses, economizando, organizando documentação (que são muitas) fazendo os exames no meu cão. Visitei novamente Lisboa para procurar casa, tirar o resto de documentação e agendar entrevista no SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras). A primeira parte da mudança ocorreu em janeiro e a definitiva em março de 2019”, informa.

Atualmente, Wellington divide o apartamento com um amigo paraense e não teve dificuldade em se adaptar, mesmo com as dificuldades da nova vida. “A primeira entrevista no SEF não foi positiva, mas saí com a segunda entrevista marcada pra outubro. Recebi o título de residência no final de outubro. Enquanto esperava, trabalhei com figuração para cinema, publicidade e novela. Presto serviço para uma agência de publicidade. As dificuldades são muitas e só existem para que possamos superá-las”, pondera.

Quando a saudade aperta pensando nos sabores de Belém, o publicitário visita uma loja de produtos brasileiros, onde encontra polpa de cupuaçu, açaí, bacuri e tapioca. Além disso, ele conta com outra característica bem típica do paraense... “Uma amiga caridosa trouxe um isopor com maniçoba e tucupi, impossível de encontrar por aqui. Sou viciado em peixe e os daqui são tão bons quanto os daí. Agora, a afetividade do povo, só visitando Belém do Pará” ratifica.

Ainda neste ano, ele deve voltar à cidade, como visitante, por ocasião do Círio e estender um pouco a estada para o aniversário de uma amiga. “Daqui, agora longe, é a cidade que sonho, que desperta saudade, que guardo na memória e com a qual desejo reencontrar. É a nossa casa, que guarda a nossa história e de tanta gente, nunca nos esqueçamos disso. Calejada, mas autêntica, festiva, calorosa, chuvosa e de fé”.

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