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Escolas e profissionais se unem contra o Bullying

Fabiana Cabral
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Lidar com a dor, a vergonha e a humilhação não é fácil pra nenhum ser humano, imagine, então, quando o alvo de piadinhas preconceituosas é um adolescente, mergulhado numa fase que, por si só, já é complicada, cheia de medos, incertezas e inseguranças. E, como já não fosse o suficiente, considere que isso ocorre num país em que a taxa de bullying nas escolas é duas vezes maior que a média internacional. Precisamos falar sobre bullying e, principalmente, desmistificar que é bobagem ou brincadeira de criança.

Vítima e agressor normalmente convivem no mesmo ambiente: a sala de aula, o pátio do recreio ou o banheiro da escola. Às vezes, a intimidação é explícita. Em outros casos vem disfarçada de comentários que atingem, em cheio, a auto estima, a autoconfiança. O resultado pode ser desastroso pra quem ouve. Ou não. 

No caso do Felipe Lohan, que sofreu bullying, do quinto ao sétimo ano, sem interrupções, ficaram marcas positivas. Ele conta que quando conseguiu amadurecer um pouco mais, entendeu que, muitas vezes, quem o atacava também era vítima. “Eu pensava: mas porque ele me agride por eu falar demais? Aí fui observar que ele era uma pessoa introvertida, então atacava em mim o que ele queria ser”. E ele não era agredido apenas por ser muito comunicativo, não. Ele conta que sempre foi zoado por causa da baixa estatura, passou por perrengues que foram desde xingamentos até ter que cortar o cabelo por que derramaram cola na cabeça do jovem. 

image Felipe Lohan

O que a escola fez durante aqueles três anos de humilhações? “Efetivamente, nada. Chegaram a pedir aos agressores para parar e pedir para eu ‘levar na brincadeira’, pois era apenas uma brincadeira de mau gosto”.

“Brincadeirinha” também é o termo mais usado por outra vítima de bullying para se referir aos absurdos que ouviu. Arielton Quadros, 15 anos, passou uma vida inteira sendo agredido por ter nascido com uma má formação na orelha. Na verdade, essa nem era a pior parte dos ataques. “A parte que doía mais”, ele conta, “era ver os amigos, que eu pensava que iam me apoiar, se juntando aos que faziam o bullying”, relembra o adolescente.

Nem sempre a escola está preparada para ouvir esses relatos – muito menos lidar com casos como esses. Mas dados de uma pesquisa internacional conhecida como Teaching and Learning International Survey (ou simplesmente Talis), que revelou números assustadores, têm ajudado a mudar a percepção de educadores e gestores escolares. A mais recente edição da Talis, divulgada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), mostra que 28% das escolas que ofertam os anos finais do ensino fundamental, apresentam casos semanais de bullying.  De acordo com a Talis, nas escolas brasileiras os episódios desse tipo de violência ocorrem em 10% das unidades de ensino, enquanto que, em outros países, esse percentual é de 3%.

Nos casos de Felipe e Arielton, a solução só chegou quando mudaram de escolas. “[Na nova escola], eu já não era mais alvo, pois encontrei pessoas com as quais pude me identificar e não ser único. Era um ambiente mais acolhedor e [as pessoas] sabiam lidar com as diferenças dos outros”, conta Felipe.

Essa mudança no comportamento dos colegas também é destacada pelo Arielton. “Aqui [na escola para onde mudou], me sinto mais à vontade com quem eu convivo. Hoje eu consigo lidar, mas foi preciso tempo. Depois que eu comecei a pensar: ‘minha orelha é assim, eu nasci assim e me aceito assim. Foi Deus quem quis’, não ligo mais”, explica.

Arielton é aluno de Carla Reis, professora de Redação, que usa a sala de aula para combater os casos de intimidação e ofensas verbais, de uma forma que a mensagem chegue clara, fácil de entender e, principalmente, que atinja não apenas quem está sendo vítima, mas quem está praticando o bullying.

“Desde 2015 é lei que toda escola, obrigatoriamente, precisa combatê-lo, mas a gente sabe que nem todas trabalham essa questão, então ser professora de redação me dá margem para trabalhar um pouco de tudo. Aí tenho a liberdade de trabalhar com filmes, livros, séries, músicas... e a partir do momento em que a gente vai falar do bullying, eu começo a trabalhar coisas que eles gostam, pra atingir, tanto quem pratica, quanto quem sofre. Aí vamos especificando os tipos: é a questão física? É a verbal? É contra os alunos negros? Contra os alunos LGBTIs? Contra os gordinhos?”, detalha.

Ela notou, por exemplo, que os alunos gordinhos do primeiro ano estavam sofrendo preconceitos e passou uma prova que tinha a gordofobia como tema da redação. “Na aula seguinte, os que tinham passado pelo problema me contaram que tiveram mais facilidade para falar sobre o tema, e os que estavam praticando o bullying pediram desculpas. Falaram que o tema, em si, causou uma reflexão sobre o que eles estavam fazendo com a s outras pessoas”, relata Carla.

image Carla Reis e Arielton Quadros 

“Meu papel não é só de educadora. Eu preciso ter sensibilidade. Às vezes, estou dando aula e observo um aluno cabisbaixo. Já me preocupa o motivo de ele estar assim. Não consigo ser o tipo de professora que, ao terminar minha aula, vou pra outra sala e deixo aquilo ali, não. Vou lá no final da aula, converso, pergunto. Às vezes, eles só querem conversar; só querem esse amparo e minha profissão é isso! Trabalhar não só a questão da educação, mas essa sensibilidade, esse lado humano. Se o problema for dentro da escola, nesse viés do bullying, na semana seguinte já vou trabalhar essa questão, para que eles se conscientizem, porque às vezes tem um outro aluno passando pelo mesmo problema, sem ser tão expressivo a ponto que eu pudesse perceber”, afirma.

Para a psicóloga Silene Gualberto, que há 20 anos trabalha em instituições de ensino e tem acompanhado muito de perto essas mudanças de atitudes e comportamentos de agressores, de agredidos e até dos próprios pais e responsáveis, professores tem um papel preponderante no combate à prática dentro do ambiente escolar. “Mesmo que a escola tenha uma equipe técnica bem estruturada, é ele quem está diariamente lidando com os grupos e suas dinâmicas particulares. Detectando e encaminhando as demandas de maneira breve, as ações interventivas tendem a ter mais êxito. Ressaltando que o papel do professor em sala de aula não é resolver conflitos, mas um olhar aguçado do educador pode prevenir mais do que qualquer projeto educacional”, esclarece.

Em tempos de uso indiscriminado das redes sociais, esse olhar precisa ser cada vez mais atento – tanto na escola, quanto dentro de casa. O que antes era restrito a um grupo de amigos, em determinado ambiente, passou a tomar proporções gigantescas. Se antes as humilhações começavam e terminavam no período das aulas, hoje elas encontram campo fértil na internet para se perpetuar através de compartilhamentos, comentários ou curtidas. 

“As crianças e adolescentes de hoje têm livre acesso à internet e redes sociais, sem qualquer maturidade para gerenciá-los. Postam conteúdos inadequados por acreditarem que estão seguros dentro dos seus quartos, sem a noção de que o mundo pode ter acesso a algo a partir de uma ‘simples postagem’. O trabalho deve ocorrer em paralelo com as famílias, para que também estejam cientes dos riscos, das formas de controle e, assim, possamos prevenir as situações, já que as consequências, dependendo do caso, podem ser muito graves", ressalta Silene.

"Quando tais fatos ocorrem, cabe à escola dar ciência a todos os envolvidos e buscar um caminho de contemporizar, quando possível – lembrando que crianças e adolescentes estão em processo de aprendizagem e necessitam muito mais de orientação do que de medidas punitivas. Mas, ainda assim, quando necessário, verificar as medidas escolares cabíveis. Nesse sentido, cada caso é um caso e não pode ser analisado de forma generalista. O mais importante aqui é o trabalho de prevenção”, destaca a psicóloga.

Mas a internet também pode ser aliada e quem também entrou valendo no combate ao bullying foi a eterna Rainha dos Baixinhos.  Xuxa estreou a apresentação do #ÉDaMinhaConta, no IGTV, programa que dá continuidade à uma campanha lançada no primeiro semestre deste ano pelo Unicef e Safer Net. Inicialmente, o objetivo é incentivar os usuários das redes sociais a contar suas experiências e assim ajudar a combater o problema. Xuxa dá voz aos convidados famosos para contarem suas experiências e como lidaram com o problema. 

A campanha #édaminhaconta também tem jovens atores e atrizes como embaixadores contra o bullying e traz um material cheio de informações importantes e dicas interessantes para evitar aquele comentário desnecessário, aquela brincadeira maldosa, aquele desconforto que toma conta do ambiente quando alguém é alvo de bullying – algo que Arielton e Felipe já passaram centenas de vezes e estão dispostos a não deixar ninguém passar. “Se eu presenciar, vou abordar, sim, mas de forma pacífica, buscando conciliar e resolver o problema”, afirma Felipe, com total apoio de Arielton. 

“Sempre é possível trabalhar para diminuir a incidência de bullying nas escolas. O primeiro passo é a tomada de consciência de que isso é uma realidade em qualquer escola no mundo nos dias atuais. A escola que crê não vivenciar o bullying está fadada ao fracasso. Encarar o problema de frente, com um discurso aberto à comunidade escolar, faz com que todos (alunos, pais, professores, técnicos, funcionários, direção) fiquem mais alertas e ao menor sinal possam tomar as providências necessárias à cada caso”, conclui a psicóloga Silene Gualberto.

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