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Arroz: de coadjuvante à protagonista

Alta dos alimentos mexe com a rotina de lares e restaurantes

Por Rodrigo Cabral

Alta dos preços dos alimentos tem pesado no bolso dos paraenses e modificado hábitos nas rotinas (às mesas) dos lares e restaurantes. “O fulano parece arroz: só acompanha”. “A beltrana é que nem arroz de festa: está em todas”. Essas expressões mostram como um dos alimentos mais importantes do Brasil está entranhado na cultura e no imaginário popular. No entanto, nos últimos meses, sua presença nas mesas do povo brasileiro, assim como os significados das expressões populares, começou a ser revisto.

O arroz foi um dos alimentos que mais subiu de preço nesses tempos de pandemia. Aquele tradicional pacote de 1kg, que antes era encontrado nas prateleiras dos supermercados por R$ 3,00 e até R$ 4,00, hoje em dia ultrapassa fácil os R$ 5,00. Os pacotes de 5kg chegaram a custar quase R$ 40,00 em alguns lugares do Brasil.

A mudança pegou tanta gente de surpresa, que movimentou a internet e gerou uma enxurrada de memes. Quem não viu, por exemplo, a Nazaré Tedesco (personagem interpretado por Renata Sorrah na novela Senhora do Destino, da TV Globo) fugindo de um hospital carregando um pacote de arroz no lugar de um bebê, em uma das cenas icônicas da novela? Em outro meme, os produtores brincaram que, segundo a polícia, colocar o arroz por baixo do feijão, no prato, seria considerado ocultação de bens.

Até mesmo famosos entraram na onda. A apresentadora Ana Maria Braga, por exemplo, participou do programa “Encontro com Fátima Bernardes” usando um colar, anel e brincos com grãos de arroz no lugar de pedras preciosas. Na entrevista, a apresentadora afirmou que seria uma forma de protestar contra o aumento significativo do preço do alimento.

Brincadeiras à parte, o fato é que, só nos últimos oito meses, o arroz já acumula uma alta de quase 20% e vem redefinindo, além do conceito de expressões populares, a rotina alimentar das pessoas. A autônoma Paula Antunes de Souza conta que,há alguns meses, quando a carne subiu de preço, ainda conseguiu fazer algumas adaptações, como apostar no bom e velho arroz com feijão. Só que agora, com esses produtos também aumentando, ela não sabe o que vai fazer. “Como substituir o que já foi substituído? O prato básico virou ostentação”, resume bem.

image “Como substituir o que já foi substituído? O prato básico virou ostentação”, questiona a autônoma Paula Antunes (Acervo pessoal)

O dilema de Paula é também o de milhões de brasileiros: como colocar alimento na mesa se não tem dinheiro no bolso. A pandemia do novo coronavírus mexeu com o emocional, o psicológico e principalmente com a renda do trabalhador. Houve uma forte perda de massa salarial e postos de trabalho. Para tentar compensar isso, o governo federal lançou programas de transferência de renda, como o auxílio emergencial, que nos próximos meses será reduzido pela metade.

“É um cenário de extrema dificuldade, pois, em um momento em que atravessamos uma pandemia, onde muita gente perdeu a sua renda, nós não tivemos um cenário de arrefecimento de preços, pelo contrário, nós tivemos foi uma escalada deles”, explica Everson Costa, técnico e pesquisador do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos do Pará (Dieese-Pa).

Além do arroz, já mencionado, que apresenta alta acumulada de 26% de janeiro a agosto, diversos outros produtos da cesta básica passam pela mesma situação. O feijão, que faz uma das mais famosas duplas da culinária brasileira, também subiu 21% no mesmo período, assim como o leite (25%), a batata (20%) e a cebola (50%).

No geral, a cesta básica em 2020 já subiu cerca de 7%, quase cinco vezes mais do que a própria inflação do período, que é o índice que mede o aumento geral dos preços na sociedade. Se colocarmos isso de um lado da balança e de outro a renda da população, cujo salário mínimo está crescendo abaixo da inflação, ela quebra. Na prática, significa dizer que os preços estão subindo em um ritmo mais acelerado do que o salário da maior parte da população. Mais uma vez, a conta não fecha.

E essa alta não atinge somente o consumo domiciliar de alimentos. Ângela da Silva é proprietária de um restaurante por quilo no bairro do Umarizal, em Belém, e confessa que já não sabe o que fará caso a alto dos preços continue em um patamar elevado. “Nós somos um dos segmentos mais afetados, praticamente todos os produtos com os quais trabalhamos aumentaram de preço: arroz, feijão, carne e até mesmo a farinha. Até agora estamos fazendo milagres para não repassar o aumento para os consumidores, mas se continuar aumentando tanto, não sei como faremos isso”, pontua.

image "Estamos fazendo milagres para não repassar o aumento para os consumidores, mas se continuar aumentando tanto, não sei como faremos isso”, lamenta Angela da Silva (Acervo pessoal)

Égua! Mas até a farinha subiu?

A alimentação no Pará é uma das mais caras do Brasil. De acordo com o Dieese-Pa, a cesta básica dos paraenses, historicamente, figura entre as dez primeiras posições do ranking de preços dos alimentos. Ela vem apresentando reajustes desde o começo do ano e encerrou o mês de agosto em R$ 440,00. “Se levarmos em conta o salário mínimo, que é de cerca de R$ 1.000,00, significa dizer que o paraense gasta quase metade de sua força de trabalho só para colocar o básico na mesa, sobrando muito pouco para outras áreas, como saúde, lazer, vestuário. Itens que estão, inclusive, garantidos em nossa Constituição”, ressalta Everson Costa.

image "Antes eu comprava bastante esses alimentos, mas agora estou buscando opções mais baratas e até mesmo deixando de consumir alguns", conta Alda Martins de Figueiredo (Acervo pessoal)

Até mesmo a nossa tradicional farinha de mandioca não escapou da alta dos preços e, no acumulado de janeiro a agosto, já subiu cerca de 18%. Ao compararmos com o mesmo período do ano passado, a inflação chega a 20%. Um verdadeiro golpe no bolso de quem não abre mão da boa e velha companheira dos pratos paraenses. “Está sendo uma tristeza, realmente. Tenho pesquisado bastante os preços, para encontrar uma opção mais barata, mas está bem difícil. Saio de barraca em barraca, de mercado em mercado, mas os preços subiram muito, realmente, da farinha, da carne, do feijão. Antes eu comprava bastante alguns desses alimentos, mas agora estou tendo que encontrar opções mais baratas ou até mesmo me abster de consumir alguns deles”, lamenta a microempresária Alda Martins de Figueiredo.

Mas quando o assunto é culinária regional, não foi só a farinha que subiu de preço, não. O açaí, que apesar de não fazer parte da cesta básica, está nos lares de praticamente todos os paraenses, também está mais caro. Essa alta do preço do fruto ajuda a explicar um pouco o porquê de os alimentos estarem tão mais caros.

Quando falamos em movimento dos preços dos alimentos, dois fatores são levados em consideração: a oferta e a demanda. Se a oferta é maior do que a demanda, os preços caem, já se ocorre o contrário, os preços aumentam. E é esse segundo ponto que tem contribuindo para a elevação dos preços. Em relação ao açaí, por exemplo, o Pará é o maior produtor do país, com uma produção de 1,4 milhão de toneladas por ano. No entanto, a maior parte dessa produção é exportada, tornando caro o produto que fica no mercado interno.

Com a alto do Dólar e a desvalorização do Real, os produtores de alimentos têm preferido exportar, reduzindo a oferta interna e fazendo com que os alimentos fiquem mais caros. Outro exemplo é a carne bovina. O Pará possui o segundo maior rebanho em pé do Brasil e é o maior produtor de carne do mundo, só que a grande maioria é exportada, elevando os preços da carne que resta para consumo interno.

O impacto desse custo é brutal para os paraenses, como explica o técnico do Dieese: “a partir do momento em que mais da metade da população ocupada no Pará recebe até um salário mínimo, e metade de sua força de trabalho é empregada pra conquistar uma alimentação básica, então, infelizmente, para a maioria da população do Estado a alimentação fica realmente cara e até mesmo inatingível para alguns casos”.

image "Infelizmente, para a maioria da população do estado a alimentação fica realmente cara e, em alguns casos, até mesmo inatingível", explica o técnico do Dieese/PA, Everson Costa (Acervo pessoal)

Para Everson Costa, não há fórmula mágica ou receita de bolo para enfrentar esse aumento. O que ele indica, do ponto de vista do consumidor, é muita pesquisa de preço e um seguro controle orçamentário. “Mas o principal é que tenhamos políticas de incentivo, de crédito de fortalecimento de produtores, que possam trazer de volta esses produtos para as mesas dos brasileiros, com uma produção mais farta e redução de preços. A cesta básica precisa ter um regime de tributação diferenciado, é preciso que haja uma sensibilidade dos governantes para fazer com que esses itens sejam cada vez mais desonerados. Além disso, é preciso planejamento e políticas afirmativas de curto, médio e longo prazos, que são fundamentais para que tenhamos uma política de apoio, colheita e distribuição. Os estoques reguladores são fundamentais, para que, nesses momentos, a gente possa ter condições de ter mais equilíbrio de preços no mercado interno”, finaliza.

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