A dona da cena

Lorena Filgueiras
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Há algum tempo vínhamos “namorando” um possível bate-papo com dona Nathália Thimberg. Sim, aos 90 anos de idade [e inacreditáveis 84 anos de carreira], a veterana está mais ativa do que nunca e, por isso também, seleciona bastante suas entrevistas. Discreta, estudiosa, observadora e, como ela mesma faz questão de enfatizar, workaholic, dona Nathália escolhe o momento de se abrir. Sabedora de que ela é sisuda, mas educadíssima, aguardo pacientemente ela findar uma reunião com seu empresário. Ao telefone, tento ser formal e peso as palavras cuidadosamente, porque, como se podia esperar, estou em contato com uma das maiores atrizes brasileiras, mas, de cara e na primeira pergunta, ela me desmonta e prova que tem um senso de humor refinado, característico de uma mulher que dedicou toda a vida aos estudos e à Arte. Nesta conversa, falamos sobre sua trajetória, política e Belém, revelando surpreendentemente um carinho enorme à capital paraense e ao palco que a recebeu, o Theatro da Paz.

Troppo + Mulher: Oitenta e quatro anos de carreira, mais de cem trabalhos e noventa anos. Espero que a senhora não fique chateada com o que vou perguntas, mas em algum momento recente, a senhora cogitou a aposentadoria?
Nathália Thimberg: O que isso quer dizer?

T+M: Quero saber se após tanto tempo, a senhora considera... [a atriz me interrompe]
NT: Eu estava brincando com você! [rimos as duas]

T+M: Ai, dona Nathalia, assim a senhora me mata do coração! Fiquei tensa aqui, confesso. Mas me conte, a senhora já cogitou a aposentadoria?
NT: Em algum momento eu vou morrer, não é? Deve coincidir!

T+M: Olhando a sua carreira em retrospecto, qual o saldo dela? Ficaram mais satisfações ou há arrependimentos? 
NT: Eu nunca... Essa coisa, pra mim, nunca caminhou por aí. A pessoa, ao longo de uma trajetória vivida, tem coisas positivas, coisas que ocorrem e que não são tão positivas; há maravilhas e há também coisas bem ruins. Tudo isso constrói uma trajetória e são necessárias. Não tenho lembrança de arrependimentos, não.

T+M: O que a motiva a aceitar um personagem ou abraçar um projeto?
NT: O próprio trabalho! Eu sou uma workaholic!

image Nathalia Timberg (Pino Gomes)

"Não levo nenhuma personagem encarnada comigo".

T+M: Qual a personagem da sua vida? A senhora já viveu ou ela ainda está por vir?
NT: Sabe que eu não consigo avaliar as coisas assim? É injusto dizer qual foi o melhor ou o pior. Penso que você vai somando todos e cada um adicionou algo: um desafio, apresentou um universo novo... Então, diante disso, dificilmente... Seria muito injusto escolher um ou outro, porque todos fazem parte de uma bagagem, de uma construção. Tudo isso representa a minha vida e o que fiz ao longo dela.

T+M: Li uma entrevista sua, belíssima, concedida por ocasião do seu aniversário de 90 anos [ocorrido no dia 29 de agosto deste ano] e nela, chamou-me atenção a senhora dizer que acredita muito em energia e em como ela pode afetar, positiva ou negativamente, a vida. Diante disso, lhe pergunto: a senhora tem algum rito pessoal antes de entrar ou ao sair de cena?
NT: A própria atividade [de atuar], em si, é um rito, que é celebrado com o melhor do que eu posso, de foco, de procurar, em mim mesma, os meios de atingir a proposta, porque tudo isso faz parte de um conjunto de situações, não é? Não tenho... O próprio trabalho teatral é um ritual!

T+M: Assim sendo, a senhora costuma levar seus personagens para casa?
NT: Eles vão na minha cabeça! Agora se você diz sobre assumí-los, não! Para mim, os personagens... eu sempre os trato em terceira pessoa, não procuro misturar! Eu os levo para casa em pensamento, no que envolve todo o trabalho. Você não consegue ficar longe do que você faz, mas é neste sentido, de trabalho. Não levo nenhuma personagem encarnada comigo. 

"Eu sou uma workaholic!"

T+M: Pergunto aos artistas o que eles pensam deste momento no Brasil, em que a classe tem sido duramente exposta e até, em certo ponto, criminalizada. O que a senhora pensa, ética e politicamente falando, do cenário nacional e como enxerga o futuro do brasileiro e mesmo de sua relação com a Arte?  
NT: Acho que tudo isso está vindo de uma situação muito séria que nós temos, do sucateamento da formação do brasileiro. É claro que a ignorância costuma grassar entre aqueles aos quais a situação é propícia, não é? Temos que pensar muito, muito mesmo. E nós, que temos a noção de um destino para esse país, temos que pensar na formação da nossa gente. Porque tudo isso é fruto de uma formação sucateada. Há muito que ela vem sendo sucateada! Há muito que se aposta na ignorância especializada! Toda vez que se procura abandonar a cultura humanística, nós nos afastamos da capacidade de se perceber o mundo! Logo, se a nossa formação nos afasta disso, estamos cada vez mais expostos a demonstrações de ignorância, demonstrações de violência espiritual, mental... todo tipo de violência que é fruto da ignorância e de como ela é cultivada. Acho ainda que essa posição, de quem quer que esteja ligado à formação da nossa gente, é uma posição criminosa.

É claro que a ignorância costuma grassar entre aqueles aos quais a situação é propícia, não é? Temos que pensar muito, muito mesmo. E nós, que temos a noção de um destino para esse país, temos que pensar na formação da nossa gente. Porque tudo isso é fruto de uma formação sucateada. Há muito que ela vem sendo sucateada! Há muito que se aposta na ignorância especializada!

T+M: Já que a senhora se definiu como workaholic, dona Nathália, o que faz para desconectar do trabalho quando há oportunidade para isso?  
NT: É muito raro isso acontecer! Geralmente, lido com dois ou três projetos simultaneamente! Quando tiro um momento para mim, de lazer, só quero descansar!

T+M: Nem sei como agradecer sua generosidade...  
NT: Eu que agradeço, mas escute, tenho um carinho enorme por sua terra!

“O Theatro da Paz, tudo relacionado a ele e onde ele está inserido, é um local especial na minha memória e em meu coração”

T+M: Que delícia ouvir isso, dona Nathália! 
NT: Fui tão bem recebida aí! Me senti acarinhada! Tive o prazer de me apresentar aí e espero que esse desejo não fique no pretérito, porque gosto muito de Belém. Que palco lindo...

T+M: O do Theatro da Paz...  
NT: Isso, do Theatro da Paz, onde estive algumas vezes. Eu mesma reinaugurei o Theatro da Paz duas vezes com peças... Portanto o Theatro da Paz, tudo relacionado a ele e onde ele está inserido, é um local especial na minha memória e em meu coração.

T+M: Espero vê-la em breve aqui. 
NT: Se Deus assim ajudar!

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