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A arte de amar o Brasil

Lorena Filgueiras

Rolando Boldrin é um ícone vivo da cultura popular brasileira. Ainda adolescente, decidiu sair da pequena São Joaquim da Barra, município onde nasceu, rumo à capital. Queria ser artista, embora já fosse, uma vez que iniciou, aos 12 anos, ao lado do irmão, uma dupla caipira, que fazia muito sucesso na rádio da cidade. E, desde aquela idade, já exigia que as apresentações girassem em torno de uma programação 100% brasileira. 

Já em São Paulo, Boldrin foi engraxate, sapateiro, frentista, garçom... até que pudesse realizar o sonho de cantar profissionalmente. Acabou enveredando pele Teatro, dramaturgia, sem jamais abandonar sua “nata brasilidade”, como ele mesmo faz questão de enfatizar. Foi amigo de Plínio Marcos e viveu de perto um dos períodos mais obscuros do país. Fez história na TV brasileira, quando escreveu, dirigiu e produziu o “Som Brasil”, programa voltado à cultura caipira (a inesquecível ficha técnica, inclusive, tinha expressões interioranas substituindo os termos próprios da TV: “produzido por”, “editado por” e “dirigido por” deram lugar a “proseado por”, “arrematado por” e “alinhavado por”), mesclando música com causos – aliás, Boldrin é uma referência nesta tradição oral e diverte a todos contando histórias e estórias. Até hoje, ele centraliza as decisões e atividades de tudo que se dispõe a fazer (“Defino quem vai a meu programa”). Aos 83 anos, o artista, está mais ativo do que nunca e sua mente não para! Nesta entrevista, ele rememora a infância e, como não podia deixar de ser, conta causos inesquecíveis de sua trajetória.

image Rolando Boldrin (Divulgação)

Troppo + Mulher: Seu Boldrin, permita-me, antes de qualquer coisa, te dizer da emoção em poder conversar com você. Estou verdadeiramente feliz por finalmente conseguir fazer isso. Você era adolescente ainda quando foi pra capital... de carona! Os tempos eram outros, mas gostaria de saber quais foram os conselhos que ele e sua mãe compartilharam com você antes de pegar a estrada?
Rolando Boldrin: Foi um rompante meu mesmo! Achei que era hora (tinha 16 anos) de me aventurar na capital. Como artista foi bem depois, aos 20 e 22 anos. Minha mãe rezava pro meu anjo da guarda e meu pai só me pedia "juízo"... Só isso!

T+M: Li algo muito interessante, ainda do tempo de Boy e Formiga [nome da dupla que ele formou com o irmão], que o senhor bateu o pé para que os filmes que passavam nos locais onde se apresentavam, fossem nacionais – uma postura muito atípica para um menino e que lhe acompanha a vida inteira. Quem ou o que lhe incutiu esse sentimento tão forte de defesa das nossas coisas?
RB: Ninguém me incutia nenhuma ideia pra que eu recusasse filme estrangeiro junto com as minhas apresentações quando criança, fazendo duplinha caipira com o meu irmão. Era instinto de brasilidade mesmo. Nato.

T+M: Quando foi que você percebeu que tinha um talento incrível para contar histórias?
RB: Desde menino gosto de ouvir e recontar "causos" de tipos humanos brasileiros. E sempre foi assim.

T+M: Entendo eu que um bom contador de histórias é, sobretudo, um atento e sensível observador do cotidiano. Quando sai, costuma parar pra observar pessoas, Seu Boldrin? Nestes tempos atuais de muita distração e de pessoas hiperconectadas, onde você busca essa inspiração?
RB: Basta estar atento à vida que os causos aparecem.

T+M: São mais de sessenta anos de carreira, tendo vivido intensamente a era de ouro do rádio, da TV, sendo um dos menestréis mais importantes do Brasil... ainda há algum desejo ou sonho (na carreira) que falta se realizar?
RB: São 61 anos de carreira "profissional". Desde o primeiro contrato na Pioneira TV TUPI de São Paulo, em 1958. Já fiz de tudo nas artes de representar e cantar. Teatro, TV, Cinema, Rádio e muitos discos (174 obras). Não acho que falte nada.

T+M: Você fez história na TV, como redator e produtor do Som Brasil, inclusive quando trocou os termos técnicos dos créditos por termos bem caipiras. Até hoje é assim?
RB: Foi assim e sempre será. Tenho que ter autonomia com este projeto, senão não funciona. E tudo em contrato.

T+M: O que o senhor acha da música sertaneja e do cenário musical atual? O senhor ouve algum artista da atualidade? 
RB: É preciso que se esclareça que música sertaneja é música nordestina e esta é sempre muito boa de ouvir. A apelidada "sertaneja" dos tempos atuais, com as duplas de cantores românticos nada a ver com o meu trabalho. E não gosto.

T+M: Você tem um bordão, muito significativo, que fala sobre “tirar o Brasil da gaveta”. Quem você aprecia tirar da gaveta para mostrar ao grande público?
RB: Sempre me lembro de artistas geniais escondidos da grande mídia e são justamente esses que eu normalmente digo que quero “tirar da gaveta”!

T+M: Tem uma história muito interessante de que o Sérgio Reis não podia ir ao seu programa e que surgiu uma rixa a partir de então – fato, aliás, que você disse já ter resolvido. Vocês são amigos, Boldrin?
RB: O problema do meu amigo Serjão comigo é que ele criou um tipo de postura artística, visualmente falando, característica de cowboy americano, que, aliás é o mesmo que a "corrente" da música atual dita Sertaneja também adotou há muitos anos com o propósito de vender discos e tal. O meu Programa obedece um visual somente "brasileiro", sem roupas de shows nos artistas convidados. Pois bem, o Serjão se recusou, no início do meu projeto, em 81, na Globo, a ir ao meu programa com roupas simples para bater papos e cantar. Lembro-me de uma frase dele, quando convidado por mim e que nunca mais esqueci. A frase foi: “não tiro o meu chapéu de cowboy nem para o Fantástico!”. E olha que o Fantástico era o grande sucesso da época.

T+M: De quais você sente mais falta?
RB: De muitos amigos queridos e que já "viajaram fora do combinado". Muitos deles. Muitos mesmo. 

T+M: Pergunto isso porque o senhor foi muito amigo do Plínio Marcos. Como era conviver com ele, sr. Boldrin? Como era estar no palco, nos anos mais duros da censura?
RB: Participei de várias peças como ator na época da Ditadura. Fui do Grupo Oficina e do Grupo Arena. Era uma "boa" briga. O Plínio era principiante, como eu, na TV. Foi maravilhoso ter sido seu contemporâneo e amigo! Tenho um texto inédito escrito por ele, para um show meu, que nunca montado...

T+M: Em face de tudo que o senhor viveu de perto e do que estamos vivendo atualmente no Brasil, como o senhor tem assistido ao momento atual/cenário da cultura brasileira?
RB: Vejo o cenário atual sobre a nossa cultura, com muita preocupação, pois o atual Governo tem demonstrado desconhecimento da importância da mesma para o país.

T+M: Aos 83 anos, o senhor está em uma rede social. Como é sua relação com seus seguidores?
RB: Olha, convivo com as possibilidades do meu pouco conhecimento nesta área de internet. 

T+M: Aqui no Pará, mentira é ‘potoca’ e diz-se que não dá pra ser ateu na Amazônia, porque tem muita visagem (assombração) aqui. Você já ouviu algum causo desse tipo?
RB: Sério? Não. Lamentavelmente.... ainda não. Quero ouvir sim! Me conta? 

Para conhecer mais:
@rolandoboldrin

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