Inteligência artificial e inovação transformam agricultura no Pará
O uso de IA, sensores, aplicativos e robótica já começa a mudar o dia a dia de produtores rurais em municípios como Breves, no arquipélago do Marajó, e Icoaraci, distrito de Belém
No coração da Amazônia, a agricultura e o extrativismo estão passando por uma revolução silenciosa — e tecnológica. O uso de inteligência artificial (IA), sensores, aplicativos e robótica já começa a mudar o dia a dia de produtores rurais em municípios como Breves, no arquipélago do Marajó, e Icoaraci, distrito de Belém. A promessa é de mais eficiência, sustentabilidade e inclusão digital no campo, especialmente para pequenos agricultores e comunidades extrativistas.
Um dos principais exemplos desse avanço é o projeto Semear Digital, liderado pela Embrapa Agricultura Digital com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e de instituições como ESALQ/USP, IAC, IEA, Inatel, CPqD e UFLA. O projeto atua em dez municípios brasileiros — entre eles Breves — com foco em pequenas e médias propriedades rurais.
Segundo Jayme Barbedo, pesquisador da Embrapa Agricultura Digital, o projeto se estrutura em seis eixos principais: Seleção de DATs e Avaliação de Impactos; Conectividade; Inteligência Artificial e Sensoriamento Remoto; Automação e Agricultura de Precisão; Rastreabilidade; e Parcerias e Comunicação.
Entre as metas estão a ampliação da conectividade rural, a capacitação técnica e tecnológica de produtores e a introdução de ferramentas digitais que auxiliam na gestão das propriedades. “A inteligência artificial tem sido usada nas mais diferentes aplicações dentro da cadeia agrícola, incluindo o monitoramento e identificação de doenças, previsão de safra, controle de irrigação e navegação de robôs agrícolas autônomos”, explica Barbedo.
Aplicativos substituem pranchetas no Marajó
Em Breves, no Marajó, os impactos da digitalização já são visíveis. O Manejaí Breves, iniciativa local que participa do Semear Digital, tem usado aplicativos desenvolvidos pela Embrapa para facilitar o manejo sustentável de açaizais e outras culturas.
De acordo com Amiraldo Santos, coordenador do projeto, o uso de aplicativos substituiu o antigo sistema manual de inventário das áreas. “Antes a gente fazia tudo em papel e planilha. Hoje, com o aplicativo, lançamos as informações direto no celular, e o sistema já mostra a densidade das espécies, o que precisa ser ajustado e quais árvores devem permanecer”, relata.
A tecnologia também facilita o acesso remoto dos dados pelos pesquisadores da Embrapa e estimula a inclusão digital na comunidade. “Estamos montando uma sala de inclusão digital e buscando levar internet para interligar as dez comunidades do nosso assentamento extrativista”, completa Amiraldo.
Entre as ferramentas adotadas estão o Infobee, voltado à produção de mel, e o ManejaTech-açaí, que orienta o manejo de açaizais nativos com foco em produtividade e conservação da biodiversidade.
Robôs amazônicos e o futuro do açaí
Enquanto as comunidades rurais avançam na digitalização, o setor empresarial também aposta na inovação tecnológica. Segundo Guilherme Missen, diretor da Federação da Agricultura e Pecuária do Pará (Faepa), “a principal atenção na área de inovação está sendo na robótica”.
Guilherme Missen usou como exemplo o Açaibot, o primeiro robô colhedor de açaí com tecnologia 100% paraense, desenvolvido pela Kaatech, empresa do Grupo Kaa, sediada em Icoaraci. O robô, controlado remotamente, é capaz de realizar mais de cem subidas por carga de bateria, aumentando a segurança e a eficiência da colheita.
Os testes foram realizados com ribeirinhos e peconheiros da região, e o sistema de frenagem por etapas garante a integridade do equipamento e do operador. A Kaatech também articula com bancos públicos e cooperativas de crédito — como Banco do Brasil, Banpará, Basa e Cresol — para viabilizar o acesso dos pequenos produtores ao Açaibot por meio de linhas de financiamento do Plano Safra, como o Pronaf.
Um polo amazônico de inovação
O Açaibot é parte de uma estratégia mais ampla do Grupo Kaa, que está implantando em Icoaraci um parque industrial voltado à inovação amazônica. O complexo abrigará a fabricação de basquetas biodegradáveis, a produção de açaí em pó com alto valor nutricional e projetos de geração de energia a partir do caroço do fruto.
A expectativa é que a iniciativa gere mais de 4 mil empregos diretos e indiretos, com impacto direto sobre as mais de 300 mil famílias ribeirinhas que vivem do extrativismo do açaí na Amazônia.
Desafios e perspectivas
Apesar dos avanços, ainda há desafios significativos para expandir o uso da tecnologia no campo. A conectividade nas áreas produtivas segue sendo o principal gargalo. “É necessário que haja internet não só nas casas dos agricultores, mas também nas áreas de produção, para que os dados coletados possam ser processados e convertidos em informações úteis”, destaca Barbedo, da Embrapa.
Mesmo assim, os resultados já demonstram o potencial transformador da inteligência artificial e da automação no campo amazônico. De robôs colhedores a aplicativos de manejo sustentável, a tecnologia vem se firmando como aliada na preservação ambiental e na melhoria da renda dos produtores locais. Com um pé no extrativismo e outro na inovação, o Pará mostra que é possível combinar ciência, floresta e futuro — e construir uma Amazônia digital que preserva enquanto se produz.
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