Sem computador nem internet, estudantes do Pará relatam dificuldades para o Enem
Mais da metade dos estudantes inscritos no Enem de 2018 disse que não tem computador em casa e/ou não tem acesso à internet
No Pará, mais da metade dos estudantes inscritos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2018 disse que não tem computador em casa e/ou não tem acesso à internet, correspondendo a 66,51% (computador) e 54,82% (internet). Os números foram divulgados nesta semana pela CNN Brasil, compilados a partir dos microdados mais atualizados do site do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (Inep), órgão vinculado ao Ministério da Educação.
Com a pandemia do novo coronavírus, essa falta de estrutura para se preparar para o Enem, que é bastante relatada até hoje no Pará, se tornou um desafio ainda maior por conta da suspensão ou adaptação das aulas presenciais em aulas na internet.
Ana Paula Gelego, de 18 anos, de Belém, é estudante da rede pública estadual e sonha em tirar uma boa nota no Enem para concorrer a uma vaga no curso de Jornalismo, mas não tem computador e depende do sinal de wi-fi da vizinha dela para manter os estudos em dia por meio do celular. "Isso porque ela é minha amiga e meu deu a senha. Mas eu queria que o Enem fosse adiado. É uma questão de justiça social", opinou.
Mesmo com essas restrições, Ana Paula e alguns amigos dela montaram um grupo de estudos para tentar contornar a falta das aulas presenciais. "Estávamos desesperados sem acesso a algumas matérias. O grupo já conta com cerca de 300 pessoas, dentre estudantes e professores de vários estados”.
"Quem dá a aula são os próprios alunos, dependendo da facilidade de cada um para determinada área. Os encontros são de segunda a sábado, de manhã e à tarde, no Whatsapp e Google sala de aula, onde as aulas e atividades ficam armazenadas", detalhou Ana.
Na última sexta-feira (15), por meio de uma live, o presidente do Inep, Alexandre Lopes, disse que não descarta a possibilidade de a data do Enem 2020 ser adiada, mas acredita que ainda é cedo para discutir a questão. As inscrições começaram na última segunda-feira (11) e seguem até 22 de maio, por meio do siteenem.inep.gov.br. Serão duas modalidades: formato impresso (1º e 8/11) e digital (22 e 29/11).
O professor do Centro de Ciências Sociais e Educação da Universidade do Estado do Pará (Uepa), Jairo de Jesus, que já foi colaborador do Inep em vários exames, ressalta que é possível um bom estudo por meio da educação a distância e da utilização, em casa, de equipamentos como computadores e smartphones, mas que os mesmos precisam dispor de qualidade técnica é bom pacote de acesso à internet para que se convertam em aprendizado eficiente.
"Como essa não é a realidade da maioria dos estudantes, a recomendação mais sensata é que fiquem em casa, procurem fazer uso do que estiver ao alcance. Nesse momento, o velho e bom livro impresso pode ser muito útil, bem como jornais, revistas, apostilas etc, até que possamos ver restabelecidas as condições de vida sem pandemia e que o governo federal tenha bom senso em alterar as datas das provas do Enem para que todos tenham as mínimas condições de preparação", avaliou Jairo.
Camponeses e comunidades tradicionais são fortemente atingidos
As juventudes dos territórios rurais e de comunidades tradicionais - agricultores, assentados, acampados, pescadores, ribeirinhos, extrativistas, quilombolas e indígenas - estão entre os seguimentos sociais mais atingidos com a pandemia da covid-19. As políticas públicas, que poderiam assegurar os direitos humanos e sociais, são historicamente negadas a eles. Por isso, as condições de infraestrutura são precárias e pouco adequadas para realizar o distanciamento social com as condições dignas.
Essa foi a avaliação do professor do Instituto de Educação da Universidade Federal do Pará (UFPA) e coordenador do Fórum Paraense de Educação do Campo, Salomão Hage. Ele diz que o fechamento das escolas e a suspensão do transporte escolar somados são problemas que se intensificaram com a inexistência de postos de atendimento de saúde para tratar dos sujeitos infectados.
"O acesso a materiais de ensino por meio de atividades não presenciais ou aulas remotas com a utilização de meios digitais, videoaulas, plataformas virtuais, redes sociais, programas de televisão ou rádio, material didático impresso e entregue nas escolas; com esta realidade de distanciamento social precarizado, não funciona, e isso vai fazer com que muitos jovens desses territórios e comunidades sequer consigam se inscrever no Enem, e muito menos se preparar para a realização do exame".
Segundo Hage, no Pará, menos de 10% das juventudes dos territórios rurais e comunidades tradicionais era atendida no Ensino Médio antes da pandemia, e, agora, durante a pandemia, essa situação se agravou ainda mais com a necessidade dos jovens cuidarem da própria sobrevivência e da sobrevivência dos familiares. "A manutenção do calendário do Enem intensificará ainda mais as desigualdades sociais e educacionais existentes entre as juventudes urbanas e rurais e entre os territórios urbanos e rurais", opinou.
A quilombola Keyse Valadares, 17, da comunidade Jacunday, do território quilombola Jambuaçu, no município de Moju, quer cursar Direito, mas não consegue acompanhar as aulas on-line do cursinho preparatório onde estudava antes da pandemia. "Minha preparação para o Enem foi muito afetada. Tenho notebook, mas a internet não é de qualidade. A maioria dos estudantes quilombolas não tem condições financeiras para tal. E quem tem, é acesso limitado", relatou.
Já Antonio Agno da Silva, 28, do assentamento Mártires de Abril, em Mosqueiro, sonha com os cursos de Geografia e Agronomia para conseguir formação para ajudar a comunidade dele, mas depende do cursinho popular que foi suspenso pela covid-19. "Não tenho computador, só celular. Mas a internet é escassa. É a primeira vez que vou fazer Enem e estava me preparando em cursos gratuitos montados por professores do assentamento. Infelizmente, os filhos dos trabalhadores não têm condições de pagar curso".
Procurada para comentar sobre as alternativas para que os estudantes possam se preparar para o Enem mesmo sem aulas presenciais, a Secretaria de Estado de Educação do Pará (Seduc) informou que oferece, desde o dia 30 de março, videoaulas transmitidas diariamente pela TV Cultura para os alunos da rede estadual de ensino, inclusive os estudantes que vão realizar o Enem.
No dia 18 de abril, a Secretaria criou um programa com conteúdo específico para o pré-Enem com aulas focadas no conteúdo da prova. "As aulas são transmitidas todos os sábados pela TV, redes sociais e aplicativo com duas horas de duração. Além disso, os alunos têm a opção de baixar pelo portal da Seduc os exercícios relacionados às aulas e interagir com os professores", informou em nota.
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