Além do like: como as redes sociais estão impactando a saúde mental dos adultos

Muito além do tempo de tela, adultos enfrentam ansiedade e esgotamento emocional por conta da relação com o mundo digital

Luciana Carvalho

Estar online o tempo todo virou parte da rotina de grande parte dos adultos. Entre compromissos profissionais, interações sociais e momentos de lazer, as redes sociais se infiltraram em quase todos os aspectos da vida moderna. E, embora se fale muito sobre o impacto da internet na saúde mental de crianças e adolescentes, muitos adultos também estão adoecendo — silenciosamente.

O que parece ser apenas “rolar o feed” por alguns minutos pode, na prática, estar alimentando um ciclo de ansiedade, cobrança e comparação constante. “As redes sociais mexem com a autoestima, com a sensação de pertencimento e com o nosso senso de valor. Para muitos adultos, essa relação está longe de ser saudável”, analisa a psicóloga Rosana Lemos Faraon.

E os dados ajudam a dimensionar esse cenário. De acordo com o Panorama da Saúde Mental 2024, elaborado pelo Instituto Cactus em parceria com a AtlasIntel, 45% dos brasileiros relataram impactos negativos na saúde emocional devido ao uso das redes sociais. Entre os jovens de 16 a 24 anos, 15% classificaram esse impacto como “muito negativo”. Mas o problema não é exclusivo da juventude — ele atravessa faixas etárias e atinge especialmente os adultos hiperconectados.

É o caso de Gabriel Oliveira, influenciador digital de 28 anos, que atualmente conta com inúmeros seguidores nas redes sociais e atua na produção de conteúdo para o Diálogos Paraenses. Recentemente, ele compartilhou com seus seguidores que sofre de depressão e ansiedade, motivo pelo qual passou um período sem postar conteúdos* em suas redes.

"Eu já luto faz uns bons aninhos contra depressão e ansiedade. Então, às vezes, eu não consigo produzir nada. Às vezes, eu sinto uma necessidade grande de me isolar. Meus seguidores cobram mesmo. Se eu paro de postar, eles perguntam: 'E aí, o que que tá acontecendo?. Tem gente que já vem mais mansinho e fala: 'Poxa, cadê? Tô com saudades...' Recentemente, eu decidi explicar a eles o que estava acontecendo e falei: 'Gente, quando eu sumi, foi por conta disso e disso'", relata.

image Gabriel Oliveira, influenciador digital de 28 anos (Everaldo Nascimento/ O Liberal)

A psicóloga comportamental, Rosana Lemos Faraon alerta que há pressões sociais e psicológicas para que as pessoas estejam sempre bem, demonstrando felicidade e alegria nas redes sociais, como se a felicidade fosse uma exigência constante, um estado a ser mantido 24 horas por dia. Segundo ela, não é exatamente a rede social que causa prejuízos, mas sim a forma como o adulto lida com esse ambiente.

É o que reforça a psicóloga Elizete Lobato de Alexandria. "Não há como negar que os estímulos em excesso, ocasionados pela tela, faz com que as pessoas desejem ascensão social, tais como as apresentadas nas redes sociais, o que acaba caindo num contrassenso entre o que você é, o que você quer ser, o que você tem, e o que quer ter. Isso vai gerando ansiedade por expectativas esperadas, que raramente podem se concretizar", explica.

Sinais invisíveis: quando o excesso de tela esconde o sofrimento emocional

Com o uso cada vez mais intenso das telas e das redes sociais, identificar sinais de ansiedade e depressão se tornou mais difícil — até mesmo para quem está por perto. A psicóloga Elizete explica que os sintomas continuam os mesmos, mas se manifestam de forma mais camuflada no contexto digital. Segundo a profissional, a convivência mediada por dispositivos dificulta essa percepção. “Hoje, com a comunicação centrada na tela, não é tão fácil identificar. Estar diante de uma tela se tornou algo normal. Se você trabalha ao lado de alguém que está o tempo todo em frente ao computador, por exemplo, é difícil saber se ali há uma pessoa ansiosa ou deprimida. Isso faz com que o diagnóstico aconteça de forma mais tardia.”

A psicóloga Rosana Lemos Faraon complementa essa análise, chamando atenção para o uso excessivo da internet como um gatilho para a dependência tecnológica. "Quando o uso da internet deixa de ser uma forma de entretenimento e se torna uma necessidade constante, um espaço onde a pessoa se sente presa, aí começamos a ver um padrão de dependência", explica.

Ela reforça que o problema não está exatamente nas redes sociais, mas na forma como os adultos lidam com elas. "O que vemos é uma dificuldade em gerenciar o próprio tempo: quanto se gasta nas redes e quanto se dedica a outras atividades que poderiam ser mais produtivas ou educativas. Esse desequilíbrio gera inúmeros déficits — emocionais, cognitivos, sociais."

Desconectar para reconectar

A vida hiperconectada tem cobrado seu preço, e o chamado detox digital surge como uma alternativa importante para preservar a saúde mental. Mas, segundo as especialistas, sair das telas não é tão simples quanto parece — e, muitas vezes, exige apoio psicológico para que a desconexão não se torne mais um gatilho de sofrimento.

A psicóloga Elizete Lobato de Alexandria destaca que o detox digital é uma medida viável, mas que requer planejamento e, principalmente, motivação interna. “É uma alternativa simples e plausível, sim. Mas exige que haja algo — ou alguém — que consiga desviar a atenção da pessoa da tela. Pode ser uma nova atividade, uma nova rotina, algo que ocupe o tempo com a mesma intensidade com que as redes sociais costumavam ocupar.”

A psicóloga Rosana Lemos Faraon também reforça a importância de substituir o tempo online por experiências reais e significativas. "A gente procura incentivar a pessoa a buscar atividades offline, algo que traga prazer fora do mundo virtual. Isso ajuda a criar novas oportunidades de desenvolvimento — pessoal, profissional, educacional — e também fortalece habilidades sociais", explica.

image Psicóloga comportamental, Rosana Lemos Faraon (Cláudio Pinheiro/ O Liberal)

Rosana lembra que, mesmo para quem trabalha com internet, o gerenciamento do tempo é essencial. “Até quem vive das redes sociais precisa saber a hora de parar. Assim como qualquer outro profissional tem que respeitar sua carga de trabalho, quem está no digital também precisa estabelecer limites. Todo excesso esconde uma falta. E todo excesso, inclusive de internet, pode ser prejudicial à saúde mental.”

Para Gabriel, a pausa foi um ponto de virada. O influenciador encontrou no afastamento das redes, uma nova forma de se relacionar com o próprio conteúdo — e com seus seguidores. “Para eu produzir conteúdo de qualidade, eu preciso estar bem. Quando eu não estou bem, me isolo, deixo os conteúdos lá. Depois eu volto no 12, com novidade. Sempre volto inventando alguma coisa”, conta.

image (Everaldo Nascimento/ O Liberal)

Hoje, Gabriel valoriza a saúde mental como parte do trabalho. "Voltei a fazer terapia, acompanhamento. Guardar tudo só piora. É uma ferida na alma. E agora, com confiança e uma base sólida, sigo mais forte", garante.

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