Parcerias entre Estado e terceiro setor serão mais transparentes

Pará trabalha para colocar em prática lei que impõe rigor na prestação de contas dos recursos públicos

Elisa Vaz
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A transferência de recursos públicos para o terceiro setor sofreu mudanças ao longo dos últimos anos, especialmente com a sanção da lei 13.019/2014, conhecida como Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC). Com a decisão, as parcerias entre o Estado e o terceiro setor se tornaram mais transparentes, com o objetivo de diminuir a corrupção e melhorar o controle dos recursos públicos no país.

Somente no Pará, existem 21.985 Organizações da Sociedade Civil (OSC), que incluem todas as iniciativas privadas sem fins lucrativos que prestam serviços públicos, como Organizações Não Governamentais (ONGs), Organizações Sociais (OSs), fundações e associações no geral. A informação é do Mapa das Organizações da Sociedade Civil, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Desse total, 3.752 estão localizadas em Belém.

Embora a lei já esteja em vigor desde 2016 nos estados e na União e, desde 2017, nos municípios, o Pará ainda precisa de longos passos para alcançar o que a decisão determina. Uma das obrigatoriedades é o chamamento público para a seleção de organizações parceiras, por meio dos editais, dando fim aos convênios. Isso significa que não será mais possível, por exemplo, que uma ONG receba ajuda apenas porque o prefeito ou outro representante acredite na causa.

Agora, é obrigatório que o órgão público, antes de estabelecer uma parceria com uma entidade do terceiro setor, abra um processo de seleção, com edital explicando as regras e possibilitando que qualquer instituição que se encaixe nas exigências do edital concorra. A intenção é tornar o processo de escolha mais justo e evitar questionamentos quanto ao porquê de uma organização e não outra ter recebido apoio do poder público.

Conforme explicou o coordenador geral da comissão E-Parceria Belém, Rui Martins, durante muitos anos, quando o poder público precisava realizar projetos em conjunto com organizações sociais, como creches ou espaços de recuperação para dependentes químicos, o contrato era feito por meio dos convênios, que ele considera inadequado.

“A legislação dos convênios é para entidades públicas, então não havia mecanismos para as iniciativas privadas. Isso sempre deu problema na prestação de contas aos órgãos de controle”, afirmou. Ligada à Prefeitura de Belém, a comissão é o grupo encarregado de implantar essa lei na capital.

Após anos de parcerias entre o governo e as entidades por meio de convênios, as organizações, redes e movimentos sociais se uniram e criaram a “Plataforma por um Novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil”, em 2010. Em resposta a essa articulação, o governo federal instituiu um Grupo de Trabalho Interministerial, para elaborar propostas e análises sobre o tema.

“Foram quase dez anos de trabalho, depois de muitos escândalos de corrupção dentro de várias organizações, que não prestavam conta dos recursos públicos que recebiam. Em alguns casos, o prefeito era amigo de quem liderava uma entidade e dava mais verba. Ou alguns políticos criavam organizações para canalizar recursos”, explicou Martins.

Com a participação de órgãos federais e organizações da sociedade civil, foram realizadas duas consultas públicas pela internet, uma para a lei e outra para o decreto, nas quais representantes de organizações de todo o Brasil, de órgãos públicos e os demais cidadãos interessados no assunto puderam contribuir com sugestões. Na consulta para a lei, foram 193 contribuições. Na do decreto, foram mais de 900. Isso deu início ao Marco Regulatório, sancionado em 2014.

Pará ainda enfrenta desafios

Segundo o coordenador geral da comissão, muitos órgãos paraenses ainda não estão preparados para toda essa burocracia. “No quesito das políticas públicas, o Pará ainda está começando a se adequar e a lei está em estágio embrionário, em transição. Ainda vai levar muitos anos”, comentou.

Martins pontuou que ainda existe dificuldade para chegar até os órgãos que precisam participar do movimento para que o trabalho seja efetivo. “No caso dos editais, por exemplo, é necessário que os órgãos chequem se isso ocorre com todas as organizações, mas essa avaliação não existe, e muitas legislações ainda precisam ser modificadas”, comentou.

Segundo ele, o principal passo é criar parcerias com universidades e órgãos públicos. A comissão já conseguiu apoio da Universidade Federal do Pará (UFPA), da Ordem dos Advogados do Brasil seção Pará (OAB-PA) e do Ministério Público do Estado do Pará (MPPA).

Um dos benefícios, para o coordenador, é que, com a legislação, União e estados assumem que não têm condições de criar e executar todas as políticas públicas sozinhos e, portanto, passam parte desse papel para a sociedade. “O Estado tem que entender que precisa das organizações, e a população quer participar da criação de políticas públicas. A lei vem como uma forma de ajudar o poder público”, comentou Martins.

Outra mudança criada pela lei é que não é mais permitido que entidades com menos de três anos de existência façam parcerias com órgãos públicos. Também será exigido da instituição que ela tenha experiência prévia na execução de projetos na área em que está pleiteando apoio e que tanto a entidade quanto seus dirigentes não tenham praticado crimes.

Controle dos recursos é ponto importante

Para a promotora de Justiça de Tutela das Fundações Privadas, Associações de Interesse Social, Falência e Recuperação Judicial e Extrajudicial do MPPA, Helena Muniz, é positiva a regulamentação da transferência de recursos públicos às entidades privadas, já que agora os órgãos de controle têm mais acesso e poderão se atentar para os gastos do Estado com organizações sociais, além da transparência dos dados, que devem constar na internet.

“No Ministério Público, existem duas promotorias que fiscalizam as entidades do terceiro setor e nossa atuação se dá por meio da fiscalização das parcerias que já são existentes. Antes, a União repassava o dinheiro público para ONGs, mas a distribuição desse recurso era sem controle nenhum; algumas nem recebiam, enquanto outras recebiam milhões. Agora temos instrumentos jurídicos importantes que regem essa distribuição”, explica a promotora.

Além disso, Muniz também acredita que a legislação trouxe mais efetivação das políticas públicas no Pará. Segundo ela, é montado um procedimento de prestação de contas, que consiste da requisição de documentos às entidades, que serão analisados por contadores, auditores e advogados. A cada início de ano, é criada uma relação com as entidades que fizeram parceria com o governo, e elas precisam entregar, até junho, todos esses documentos para fiscalização contábil, social e jurídica.

De duas em duas semanas, o MP também realiza ações presenciais. É escolhido um local, que é visitado por pedagogo, assistente social e contador, para coletar informações sobre o projeto. “Nós vamos até lá para acompanhar a situação, porque nosso foco é a transparência. Nós perguntamos sobre a organização, qual foi a verba repassada, como ela foi aplicada, o que ainda falta aplicar, olhamos todas as notas fiscais. No caso de creches, por exemplo, vemos se as crianças têm infraestrutura, brinquedos e merenda. Tudo isso é fiscalizado”, explicou Muniz.

Atualmente, o foco do órgão, segundo a promotora, são as OSs de saúde e cultura, que, de acordo com ela, recebem grande volume de recursos. Além da fiscalização para impedir corrupção e lavagem de dinheiro, Muniz destacou que o MP também atua com um viés preventivo, para que as entidades se fortaleçam e ajudem o Estado a levar políticas públicas para a sociedade.

O que ainda falta, de acordo com o coordenador geral da comissão E-Parceria Belém, Rui Martins, é a qualificação por parte do governo. Deve ser divulgada, em breve, uma consulta pública quanto a essas parcerias. A comissão também está trabalhando para criar uma rede social corporativa, como um espaço de comunicação com todos os órgãos e a sociedade.

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