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Coletivo Não é Não busca Carnaval sem assédio

A equipe composta por mulheres arrecadou R$ 4,7 mil e vai distribuir, no total, cerca de 18 mil tatuagens temporárias no Pará

Elisa Vaz

As lutas em defesa das mulheres não anulam comportamentos machistas. Recentemente, pessoas ao redor do país pediram a expulsão de um participante do reality show mais famoso da televisão aberta, o Big Brother Brasil, que assediou sexualmente outra concorrente durante uma festa. Em uma época em que se fala tanto sobre proteção, não há mais espaço para tolerar agressões, quaisquer que sejam.

Retrair a importunação sexual durante a folia do Carnaval, e até nos blocos e eventos que antecedem a data, é o maior objetivo do coletivo Não é Não, campanha que surgiu em 2017, no Rio de Janeiro, quando quatro amigas se uniram para conscientizar os foliões nos meses iniciais do ano. Por meio da equipe, composta apenas por mulheres, são distribuídas tatuagens temporárias de forma gratuita a todas as interessadas, com os dizeres “Não é Não”, que são estampados nos corpos a olho nu. O significado da frase é simples: se uma mulher disser "não", é melhor não insistir.

Um ano após a criação do coletivo, em 2018, já eram oito Estados participando das ações, número que aumentou para 12 em 2019 e agora já chega a 16 Estados. No Pará, a campanha começou no ano passado, época em que foram distribuídas cerca de cinco mil tatuagens temporárias. Para custear a impressão do material, a campanha recebe doações em qualquer valor, por meio do site benfeitoria.com/canal/naoenao. Quanto mais dinheiro for arrecadado, mais adesivos serão produzidos.

Em todos os locais nos quais a campanha está presente a meta do grupo foi ultrapassada, sendo que no Rio de Janeiro, por exemplo, foi arrecado 267% do que se esperava. No território paraense, o objetivo era que R$ 3.800 fossem doados, mas o número chegou a quase R$ 4.700, com o fim da arrecadação, em dezembro do ano passado, o que possibilita a impressão de, aproximadamente 18 mil tatuagens temporárias, quase quatro vezes mais que no ano passado. A distribuição já começou nos blocos do pré-Carnaval e em festas pela cidade.

De acordo com a embaixadora do Não é Não no Pará, a psicóloga Michele Oliveira, de 43 anos, é perceptível o crescimento da adesão de mulheres ao movimento. “Nós vamos para as ruas com as tatuagens e elas já sabem do que se trata, elas querem colar o produto no corpo e se sentem mais protegidas estampando a mensagem. A tatuagem não impede o importunador, mas a campanha tem ganhando força e voz, e os homens se sentem muito mais retraídos para agir como assediadores quando as mulheres estão organizadas para se defender”, comentou.

A importância não está na tatuagem provisória, mas na mensagem, segundo a embaixadora. Oliveira acredita que há uma espécie de comunicação entre as mulheres incluídas nas ações. “Nossas tatuadoras são treinadas para abordar as mulheres da forma correta e, enquanto elas tatuam, o que dura cerca de um minuto, falam sobre o combate à importunação sexual. As tatuadoras explicam que aquela mulher faz parte de uma rede de proteção, que surge com a tatuagem, porque todas ficam de olho em outras mulheres, nas situações de assédio. Essa sensação de coletividade é muito importante”, argumentou a psicóloga.

Além disso, a embaixadora ainda afirmou que existe uma comunicação com as marcas e os produtores de blocos e festas. “Os organizadores de eventos no geral estão percebendo que é importante aderir a essa causa, porque as pessoas já não toleram estar em um ambiente que não protege as mulheres do machismo, os negros do racismo, os homossexuais da homofobia”, pontuou.

Com essa ideia, Oliveira destacou que o movimento está presente em outras ocasiões fora o Carnaval, já que a importunação sexual acontece em todos os contextos: andando pela rua, no transporte coletivo, em festas e outros ambientes. “A gente começa com o pré-Carnaval porque as pessoas estão brincando, descontraídas, e muitas vezes há uma interpretação errado dos homens, de que as mulheres vão aceitar as investidas. E em muitos casos isso é assédio”, disse. Por conta do aumento desses casos na época da folia, o movimento usa as datas para dar visibilidade à causa.

Violência sexual

Fora dos blocos e festas de Carnaval, o assédio acontece diariamente. Uma das pessoas que sofreu com uma situação de importunação sexual foi Natália – a reportagem utilizou um pseudônimo para a vítima, que preferiu não se identificar. A jovem estava viajando com uma amiga e seu namorado, e os três ingeriram bebidas alcoólicas durante o passeio. “Ele tem uma fazenda e já estávamos porres. Em um momento, eu estava em uma ligação no celular e os dois saíram, eu fiquei sozinha e o pai do rapaz chegou, passou a mão na minha cabeça e perguntou onde meus amigos estavam. Quando eu respondi, ele falou ‘devem estar fazendo coisas mais interessantes, por que a gente não vai também?’, e colocou minha cabeça encostada no peito dele. Gritei para ele sair e ele saiu de perto”, relembrou.

Alguns momentos depois, Natália foi procurar seus amigos pela casa. Quando entrou na sala, que estava escura, com as luzes desligadas, o assediador apareceu novamente. “Ele disse que sabia que eu ia mudar de ideia e insistiu para que eu fosse ao quarto com ele. Saí correndo e bati no quarto da minha amiga. Ela me ajudou, mas chorei muito. Me senti suja e não entendia por que ele achou que eu aceitaria esse convite”, contou a jovem. Na época, ela afirma que não soube como agir e preferiu não denunciar, mas hoje faria o contrário.

Conforme explicou a professora Luanna Thomaz, coordenadora da Clínica de Atenção à Violência (CAV) da Universidade Federal do Pará (UFPA), pela legislação, o assédio sexual possui um conceito muito específico: quando uma pessoa utiliza a hierarquia com a intenção de receber “favores sexuais” dos subordinados. Ou seja, pode acontecer em um ambiente de trabalho ou em universidades. No dia a dia, ela explica que o nome é outro.

“Importunação sexual, que é um termo mais recente, ocorre quando há um beijo forçado, passada de mão pelo corpo. Mas o conceito mais correto é violência sexual, que é crime. Utilizar a palavra ‘assédio’ pode até minimizar o problema. Quando um homem, por exemplo, tenta algo a mais pode ser até estupro, que é muito mais sério. Então precisamos utilizar o termo violência sexual, porque a mulher é violada mesmo”, explicou. Pela lei, a importunação sexual pode causar reclusão de um a cinco anos, enquanto o estupro vai de seis a dez anos de prisão.

O grande problema do Carnaval, na opinião da especialista, é que os blocos e festas acontecem em locais públicos e, geralmente, os assediadores são pessoas desconhecidas. O ideal nesses casos, segundo ela, é procurar imediatamente uma autoridade presente no lugar, seja policial, segurança ou alguém da própria organização. No último caso, se a festa for fechada e a produção não tomar providências, é possível que seja penalizada judicialmente. “Independente das punições, precisamos dialogar com a organização das festas sobre ações de prevenção e vigilância, para evitar que esses casos aconteçam. Eles limitam o direito de ir e vir das mulheres e causam constrangimento, isso não pode acontecer, a cidade é um espaço pra todos”, ressaltou Thomaz.

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