Mesmo com legislação, jornada de pessoas com deficiência na busca por inclusão é marcada por desafios

PcDs refletem sobre avanços e obstáculos enfrentados na construção de um caminho inclusivo

Elisa Vaz
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A jornada acadêmica e profissional é repleta de desafios físicos e mentais, desde a infância até a vida adulta, mas as dificuldades podem ser ainda maiores para quem enfrenta barreiras sociais. Nesta semana foi celebrado o Dia Nacional da Acessibilidade, em 5 de dezembro, mas, apesar dos avanços, as pessoas com deficiências (PcD) e com mobilidade reduzida ainda precisam da garantia do cumprimento de políticas públicas de inclusão para terem sucesso em sua trajetória.

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Por falta de incentivo e adequação de professores e colegas, Eliel Delgado, de 51 anos, precisou abandonar os estudos logo cedo. Ele nasceu com deficiência visual progressiva, o que sempre dificultou seu desempenho na escola, já que não conseguia ler nem escrever. “Sempre fui cego, mas isso só foi descoberto quando eu tinha sete anos, quando fui estudar. Passei a usar óculos, mas nada resolvia”, lembra. A jornada estudantil foi difícil para ele. Eliel conta que, na década de 1990, teve dificuldade para estudar e chegou à adolescência sem cumprir o calendário normal de aulas, porque parava no meio do ano por sofrer bullying na escola.

“Eu sempre desistia. Voltei com 24 anos e consegui avançar mais um pouco, estava no quinto ano do ensino fundamental. Mas eu não tinha condições, porque os professores não davam acessibilidade, e aí desisti de estudar. Passei quase 20 anos longe e voltei aos 42, em 2015. Fiz EJA [Educação de Jovens e Adultos], depois o Enem [Exame Nacional do Ensino Médio] em 2016 e em 2017 eu concluí os dois, ensino médio e fundamental. Passei no vestibular em 2018 e entrei no curso de direito”, comemora.

Só ao ingressar no ensino superior Eliel se entendeu como uma pessoa com deficiência: “eu fugia disso, tentava burlar, mesmo com as barreiras. Tinha dificuldades, mas consegui”. Hoje no nono semestre, prestes a se formar pela Universidade Federal do Pará (UFPA), Eliel Delgado também é coordenador administrativo da Associação de Discentes com Deficiência da instituição (ADD-UFPA), entidade que foi fundada em 2017 como uma rede de apoio.

Psicologicamente, o estudante lembra que ficou abalado com as adaptações que precisou fazer na faculdade. Mas, com o acompanhamento adequado, foi aprendendo a lidar com as mudanças. Hoje ele usa a tecnologia assistiva para assistir às aulas, faz curso de informática, tem autonomia para ler e escrever mensagens e emails, aprendeu sobre seu lugar de fala e faz militância como diretor da ADD. Eliel também se diz ansioso para concluir a graduação e entrar no mercado de trabalho.

Direitos

Presidente da Comissão de Proteção aos Direitos das Pessoas com Deficiência da Ordem dos Advogados do Brasil Seção Pará (OAB-PA), o advogado Evandro Alencar ressalta que existe hoje mais divulgação e valorização da legislação para pessoas com deficiência, mas, na prática, enfrenta-se ainda uma carência de efetivação. Muitos ambientes, segundo ele, não estão preparados para a recepção das PcDs, tanto pela falta de acessibilidade como pela existência de barreiras físicas e atitudinais.

“A lei nº 13.146/2015, chamada de Lei Brasileira de Inclusão, atualmente é a mais importante legislação sobre o tema de direito das pessoas com deficiência, assim como a Convenção de Direito das Pessoas com Deficiência, que estabeleceu obrigações constitucionais ao Estado brasileiro para elaboração de políticas públicas à este segmento social. A legislação apresenta excelentes diretrizes, mas ainda carece da necessidade de efetivação”, opina.

O especialista acredita que existe uma série de desafios quando se fala na garantia desses direitos. Um deles é a promoção de acessibilidade física e arquitetônica, para recepção das pessoas com deficiência nos espaços públicos, como praças, escolas, calçadas e locais de grande circulação de pessoas - há a opção de instalação de piso tátil, semáforos sonoros e rampas, por exemplo.

Outro viés é a acessibilidade digital, que implica na promoção e acesso de tecnologias assistivas que possibilitem o uso de equipamentos eletrônicos e dispositivos para facilitar o cotidiano da pessoa com deficiência, como assistentes virtuais, implantes cocleares, softwares de leitura de texto, dentre outros. A legislação, de acordo com Evandro, ainda “precisa dar mais orientações sobre o acesso e a implementação de medidas de inclusão tecnológica, como barateamento de equipamentos especializados, sites acessíveis e softwares de suporte”.

Desafios

O presidente da Associação Paraense das Pessoas com Deficiência (APPD), Amaury de Souza Filho, concorda que houve melhorias, mas acha que ainda não são suficientes. “Temos uma legislação muito vasta nessa questão, agora temos que transformar essa legislação em prática. Já se fez em Belém um plano piloto de acessibilidade nas calçadas, que foi ampliado, mas as técnicas da ABNT nunca foram cumpridas na íntegra, sempre pela metade. A acessibilidade nunca foi completa”, comenta.

Para ele, existem muitas dificuldades acentuadas que ainda precisam ser superadas: por exemplo, portões abertos para o lado de fora, prejudicial para deficientes visuais; aproveitamento de azulejos em calçadas, que ficam escorregadias quando chove; pedaços de ferros nas calçadas para impedir veículos, que se tornam um obstáculo; falta de educação dos motoristas que estacionam carros nas calçadas; rampas que são colocadas na direção dos bueiros e estreitas; entre outros desafios.

Amaury também critica o transporte público. Segundo ele, embora haja gratuidade para PcDs, o ir e vir nunca é tranquilo. “Conseguimos gratuidade, mas não acesso. Os ônibus são velhos, os elevadores não funcionam, os cobradores e motoristas não são treinados e nem orientados, cadeirantes esperam no meio da rua. Esperamos que esses 300 ônibus que serão incluídos na frota venham acessíveis, para que as pessoas com deficiência não passem pelas mesmas dificuldades”.

Nesse momento em que Belém se torna uma vitrine para o mundo, já que será sede da COP 30, o desejo do presidente da APPD é que a capital paraense se torne mais acessível. “A COP vai trazer pessoas de todo o mundo, vai necessitar de uma Belém para todos, temos que pensar na construção da cidade”, enfatiza. Além disso, Amaury diz que a própria cultura do povo precisa ser mudada, incluindo quem possui deficiências e mobilidade reduzida em todas as esferas.

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