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Mês da Mulher mostra que ainda falta longo caminho na luta feminina

Nos últimos dias, brasileiros viram o machismo escancarado em comentários de dois políticos que depreciaram mulheres publicamente

Elisa Vaz

A equidade de gênero perpassa várias áreas da vida pública e privada e é almejada por grande parte das mulheres. Isso porque seja por meio dos salários mal pagos, do cuidado doméstico não remunerado, da falta de representatividade na política ou mesmo das dispensas discriminatórias após a licença-maternidade, o machismo continua dando as caras e mostrando que a mulher ainda não alcançou seu lugar de direito junto à sociedade, no lar, nas ruas ou no trabalho.

O 8 de Março (#8M, como é chamado pelas ativistas feministas) tem se tornado, cada vez mais, um dia de luta. O Dia Internacional da Mulher, há muito, passou de uma data comemorativa em que elas recebem flores, chocolates e um “feliz dia da mulher” para um dia de conscientização política e social sobre os direitos femininos. A cada 8 de Março, mulheres do mundo inteiro se unem em prol da luta pela igualdade, debatendo temas relacionados com o machismo e tentando conscientizar homens e mulheres sobre o caminho que ainda precisa ser trilhado para que a data realmente seja feliz para elas.

Neste março, o “mês da mulher”, o Brasil viu o machismo escancarado na fala de um representante político de São Paulo. O deputado estadual Arthur do Val (sem partido), conhecido como “Mamãe Falei”, gravou um áudio no qual afirmou que as refugiadas ucranianas seriam “fáceis porque são pobres”, em meio a uma guerra que toma grandes proporções na Ucrânia. O comentário foi visto com repúdio por quem teve acesso a ele. Inclusive, corre um processo que pode levar à cassação do parlamentar na Assembleia Legislativa.

Outro caso aconteceu mais perto, no Pará. O prefeito do município de Itaituba, Valmir Climaco (MDB), apareceu em um vídeo fazendo declarações polêmicas durante uma festa na semana passada. “Pense num lugar que tem tanta rapariga boa, aqui tem!”, declarou em um microfone, no camarote de uma casa de shows. Depois, ele começava a apontar para frequentadoras da festa e dizer que vai se relacionar sexualmente com elas. "Eu tô aqui dizendo o seguinte: eu vou comer aquela, vou comer aquela... Pelo que eu já conferi aqui, eu vou comer mais de 20, porque eu nunca vi tanta mulher bonita", afirmou, sem cerimônia.

Os dois comentários, que tomaram grandes proporções e tiveram muitos compartilhamentos nas redes sociais, são reflexos do modelo patriarcal vivido na sociedade, que propagam o machismo estrutural, ainda longe de desaparecer. Segundo a ativista feminista Helena Saria, que é advogada, jornalista e cientista política, além de membra da Frente Feminista do Pará, seja no Ocidente ou Oriente, nos países capitalistas ou comunistas, católicos ou muçulmanos, existe em todos os lugares a mesma dinâmica: patriarcal, em que o homem se coloca no centro do poder e do capital, e as mulheres são colocadas em um lugar periférico, de trabalho doméstico, no espaço privado, dentro de casa.

“A política é um espaço muito masculino, dominado pelos homens. O tempo todo a gente vê isso, até nas campanhas, o discurso masculino é sempre patriarcal, que tenta devolver as mulheres para o espaço privado. Esse discurso carrega muita agressividade e vem com a tentativa de diminuir, humilhar, constranger e convencer essas mulheres de que o espaço delas é um espaço privado. Eu penso no patriarcado como uma muralha, e os tijolos dessa muralha são o machismo, a violência, o assédio, o constrangimento, são as falas agressivas. Então, as falas desse deputado e desse prefeito vão na direção do constrangimento, da humilhação, para colocar a mulher no lugar de fragilidade e vulnerabilidade. As falas são representações dessa sociedade patriarcal”, explica.

É justamente o machismo que é utilizado como ferramenta de manutenção desse patriarcado, para que os homens continuem em posições de poder e destaque, diz Helena. A palavra “estrutural”, de acordo com a cientista, mostra que o machismo não acontece de forma isolada ou individual, mas sim no coletivo, quando o discurso se repete em todos os espaços, seja de pessoas pobres, ricas, brancas, negras. Quando deixa de ser individual pode ser chamado de estrutural e, portanto, é político.

Outra nomenclatura que faz parte da sociedade machista e patriarcal é a chamada “cultura do estupro”. Helena explica que o termo pode ser resumido da seguinte forma: é uma cultura que culpa as mulheres pelas violências que elas sofrem e que naturaliza a violência que vem do agressor. “Ele se comportou assim porque é homem, então é natural que se comporte assim. E ela passou por essa violência porque ela é mulher, deveria saber que ela não deveria fazer isso, que é frágil, que deveria se resguardar. Esses discursos ainda existem porque a gente vive em uma sociedade patriarcal, porque o sistema faz de tudo para se proteger e essas ferramentas vão continuar sendo utilizadas em todos os espaços sempre que houver uma oportunidade”, afirma.

A cientista social Tamires Pinheiro, que é mestranda em ciências políticas, concorda. Diz que os episódios de machismo ocorridos em plena semana do Dia Internacional da Mulher acontecem todos os dias e explicitam que a data é para relembrar e frisar a importância das lutas sociais por direitos e cidadania, e que não há o que ser comemorado. Especificamente os episódios de objetificação dos corpos femininos citados são reflexos de uma cultura sexista que coloca os corpos femininos como sempre “disponíveis” e “à serviço” dos quereres masculinos, afirma ela. Esses discursos ainda se fazem presentes na sociedade pela relação de poder existente entre homens e mulheres, que tende a subalternizar a posição feminina somados ao recorte de classe que pode ser aplicado, pois se tratam de homens ricos depreciando mulheres, no caso do deputado, refugiadas em situação de extrema vulnerabilidade. A impunidade, segundo Tamires, se deve a essa estrutura social que beneficia o sexo masculino sob a lente da naturalização de falas sexistas.

“Quando a gente fala de estrutura, o nosso pensamento está voltado à estrutura propriamente dita e como essa organização as coisas se sedimentam. Se tratando de machismo estrutural, isso significa dizer que esse pensamento está voltado para a maneira como um sistema de opressões que favorece o universo masculino, ou aquilo que é visto como cabível dentro do universo masculino, tenha uma relação de privilégio na estrutura social. Ou seja, machismo estrutural é um termo que quer dizer sobre a maneira que, no âmbito das relações sociais, os homens tendem a estar em situação de privilégio estruturalmente. Ele se faz presente na subalternização dos corpos femininos partindo do princípio estrutural de que homens exercem poder sobre as mulheres. Essas falas sexistas demonstram a subalternização desses corpos pela redução de mulheres a serviços pautados em lógicas de diferenciação de gênero que, quando interseccionadas com questões de orientação sexual, classe, raça, cisnormatividade, ganham ainda mais complexidade”, ressalta.

Mesmo que tudo isso esteja enraizado na sociedade, é possível lutar contra o machismo – é o que o movimento feminista faz. Para a cientista política Helena Saria, o primeiro passo é se organizar, se estruturar em torno de pautas importantes e se mobilizar em movimentos de mulheres porque a luta é coletiva, e não individual, e é preciso somar forças para atingir objetivos comuns. “É isso que nós fazemos o tempo todo. Ficamos pontuando, tentando tornar a estrutura visível, mostrar que não é um fato isolado, uma fala isolada, que ela faz parte de uma estrutura que se utiliza de ferramentas de uma narrativa, de um discurso agressivo para tentar neutralizar esse poder crescente que as mulheres têm no mercado de trabalho, no poder e nos espaços de poder político”, pontua a especialista.

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