Leite humano é fonte necessária de vida para recém-nascidos

Projeto da Santa Casa é referência no Estado e incentiva mães a doarem alimento para bebês internados

Elisa Vaz

A amamentação pode ser um momento de extrema importância para que se estabeleça o vínculo entre mãe e filho, embora não seja o único fator para criar essa relação, que deve ser cultivada também de outras formas. Mas nem todas as mulheres conseguem amamentar ou gerar a quantidade de leite necessária para a criança; e por isso existe uma intensa campanha de conscientização para que as mães com mais leite disponível – e até de sobra – não estraguem o alimento, mas façam a doação para quem precisa. A atitude, em muitas casos, pode salvar a vida de recém-nascidos prematuros internados em maternidades.

Este é o principal público da Santa Casa, cujo Banco de Leite Humano, criado em 1987, é um dos maiores do país e referência no Estado. Lá são feitas ações destinadas a incentivar o aleitamento materno, coleta, processamento, controle de qualidade e distribuição do excedente de leite humano das doadoras. O leite vindo da doação é importante porque muitas mulheres se veem dependentes de outras mães para que o próprio filho se alimente, como é o caso da recepcionista Katerine Ferreira, de 33 anos. Seu filho nasceu prematuro, com quase 30 semanas – o ideal é 39 a 40 – e, quando a reportagem visitou o Banco de Leite, estava internado havia 15 dias, após ter nascido com 1,2 quilo.

image Legenda (Filipe Bispo / O Liberal)

Katerine conta que, durante a gestação, teve problemas de saúde, como diabetes gestacional, hipertensão e uma disfunção no tamanho do útero. Um dia antes da gravidez completar as 30 semanas, às 10h, a bolsa da mãe estourou, e o bebê nasceu por volta das 18h. “É bem difícil. Nós cuidamos, fazemos de tudo para ter uma gestação boa, com saúde, mas infelizmente tem as intercorrências e acabamos tendo um filho prematuro. Tem todo um processo. Nós recebemos alta e nosso filho fica na UTI [Unidade de Terapia Intensiva], temos que vir todo dia para cá tirar leite, depois vamos ver o bebê e tem também as intercorrências dele, que um dia está bem, no outro não está, às vezes consegue respirar sozinho, tem dias que não consegue e volta para a intubação. É um dia após o outro tentando vencer”, relata.

A mãe falou ainda sobre a dificuldade de não ter leite suficiente para amamentar o filho. Embora ela vá ao prédio da Santa Casa todos os dias, nem sempre consegue extrair a quantidade necessária do alimento, até porque a dosagem aumenta conforme a idade. “Eu tento me alimentar bem, mas nem sempre consigo porque passo muito tempo aqui, é difícil. Por isso precisamos do Banco de Leite, e pedimos que quem tem em excesso doe”, comenta. Katerine fez um apelo às mães que ainda não fazem doação de leite: “Não estrague. Tem muita gente que tem e joga fora. Não faça isso. É uma vida que está precisando”.

Quem faz a doação de leite para o banco da Santa Casa tem facilidades. Por exemplo, não preciso ir até o espaço físico; em vez disso, o Corpo de Bombeiros, parceiro da ação, vai até a casa da mãe, após o cadastro onde ela informa seu endereço, e deixa um kit de coleta de leite, além de fazer toda a explicação de como o processo deve ser feito. Depois de alguns dias, uma equipe retorna ao local para buscar os frascos e levar ao estoque para o devido tratamento.

Assistente técnica em perícia, Stéphanie Cunha, de 27 anos, é uma das muitas doadoras no Pará. Ela deu à luz a filha há um ano, em maio do ano passado, e como não teve problemas para gerar leite e amamentar, decidiu apoiar a causa. “Já tinha uma grande produção de leite na gravidez, dava muito, já fazia acompanhamento com a pediatra, e meu pai me perguntou se eu gostaria de ser doadora, foi assim que fiquei sabendo do projeto da Santa Casa com o Corpo de Bombeiros”, lembra a mãe.

Na época, Stéphanie se inscreveu pelo próprio celular, sem precisar ir até o hospital. Ela deu seu endereço e a equipe levou todo o material, lacrado, além de máscara e touca, que ela deve usar na hora de fazer a retirada do leite. Depois da extração, a mãe coloca o vidro no congelador e ele pode ficar lá por 15 dias no máximo, mas ela diz que a equipe sempre busca antes. No total, ela doa dois vidros de 500 ml por semana. “A doação é para os recém-nascidos, que não têm alimento, todas as mães deveriam fazer”.

Banco de Leite Humano

Promover a amamentação é a principal missão do Banco de Leite da Santa Casa. Nutricionista do projeto, Vanda Marvão explica que existe uma rede de iniciativas espalhadas pelo país: 200 no Brasil e cinco no Pará. Na entidade, que é referência estadual, é atendida toda a unidade neonatal, que tem 140 leitos, divididos entre 60 leitos de UTI Neonatal e 80 de UCI [Unidade de Cuidados Intermediários]. A prioridade, no entanto, é dos bebês prematuros que não sugam, mas todos são atendidos. A diferença, segundo ela, é que os prematuros são atendidos por mais tempo com o leite humano. Como os maiores ingerem volumes maiores, fica mais difícil para o projeto suprir a necessidade, então precisam receber a fórmula.

“Não temos o quantitativo necessário para atender a todos, então quanto menor o estoque mais cedo entramos com a fórmula infantil e é isso que queremos evitar, ainda mais de forma precoce, porque isso pode levar a uma intolerância ou alergia, o que pode dificultar mais a recuperação dessas crianças”, afirma a nutricionista. Cada bebê menor ingere, no início, apenas um ou dois mililitros (ml) por refeição durante a introdução alimentar, até chegar em 30 ml, e os maiores de 80 ml a 100 ml por refeição. Por mês, o Banco de Leite fornece cerca de 200 litros de leite humano no atendimento.

image Leite humano passa por longo processo de análises antes de ser disponibilizado para recém-nascidos (Filipe Bispo / O Liberal)

O processo completo inicia-se com a captação da doadora. A mãe interessada primeiro faz um cadastro e depois recebe uma equipe do Corpo de Bombeiros em sua casa, que dá instruções de como fazer a coleta e quais cuidados tomar ao tirar o leite e armazenar em casa, que depois retorna para buscar o alimento – também é preciso seguir algumas regras no transporte e no controle de temperatura.

Ao chegar à Santa Casa, o leite materno passa por análises: a primeira, sensorial, verifica as condições de embalagem, informações do alimento, cor, cheiro e se existe algum elemento estranho no leite. Depois, a análise fisicoquímica verifica a acidez do leite, já que há um limite para o bebê. Outras análises controlam os lipídios e calorias, antes de passar pela pasteurização, que é um processamento térmico para remover microorganismos. Uma última análise é feita para que haja uma certificação dessa remoção, e o leite congelado em uma temperatura abaixo de -3ºC antes de ser liberado para distribuição. O prazo de validade do alimento nessa condição é de seis meses.

A nutricionista Vanda Marvão ressalta a importância da doação de leite humano, que é muito mais benéfico para recém-nascidos que outros tipos. “O diferencial é que ele é espécie específica, não causa alergias e ainda tem a funcionalidade, já que ele atende a criança na sua especificidade. O recém-nascido precisa de proteção, e o leite atende ele no início de sua vida. Em 15 dias fica mais estável em suas características, e tem tudo que o bebê precisa naquela fase: proteína, vitamina, minerais, carboidratos. Outra vantagem é que é digestivo para a criança que acabou de nascer. Esse leite evita que a situação clínica do bebê se agrave, diminuindo o risco de que ele tenha algo a mais”.

Com a pandemia da covid-19, Vanda conta que os estoques de leite ficaram baixos, mas, com um esforço coletivo e solidário, o ano de 2021 encerrou com a coleta de 2.750 litros de leite humano. No primeiro trimestre de 2022, o hospital teve, em média, 150 doadoras ativas por mês, um crescimento de 19% em relação ao mesmo período do ano passado. Grande parte dessas doadoras proporcionou uma arrecadação de 650 litros de leite humano para o consumo de bebês prematuros e de baixo peso internados na área de neonatologia da Santa Casa

Como fazer a doação

  1. A possível doadora faz o cadastro, de forma online, no site da Santa Casa ou Corpo dos Bombeiros, ou por telefone: 4009-0375 / 2212 / 2311.
  2. Depois, a mãe tem um retorno da equipe para complementar as informações.
  3. O Corpo de Bombeiros vai até a casa da doadora deixar um kit de coleta e dar mais informações necessárias para a retirada e o armazenamento.
  4. A equipe do Corpo de Bombeiros liga para a mãe informando quando vai buscar o leite coletado.
  5. Então a mãe entrega o material para a equipe na data marcada, e o leite segue para as análises na Santa Casa.

Requisitos para doar leite

  • Ser saudável
  • Estar livre de doenças infectocontagiosas
  • Estar amamentando seu próprio bebê, que é a prioridade
  • Informar quais medicações toma, para saber se é contraindicada
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