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Gueto Hub democratiza leitura e leva cultura à periferia

Uma série de projetos artísticos e culturais é desenvolvida na capital paraense, envolvendo livros, arte, música e audiovisual

Elisa Vaz

Incentivar a leitura e proporcionar mais acesso à educação é o maior objetivo do Gueto Hub, que funciona como espaço cultural voltado para as periferias. O que começou como uma forma de garantir mais democracia na leitura hoje engloba uma série de projetos artísticos e culturais na capital paraense e em outras cidades do país. O Gueto Hub possui uma galeria de arte, com exposições e visitas guiadas; biblioteca, com espaço de leitura, contação de histórias e empréstimo de livros; museu, que inclui pesquisa, produção audiovisual, exposição e acervo itinerante; coworking, onde há espaço de convivência, palestras, oficinas e sala de reunião, além de internet livre e tomadas disponíveis; e um café e quintal, com área verde de convivência e alimentação.

Idealizador do Gueto, Jean Ferreira, formado em engenharia cartográfica, conta que a iniciativa surgiu a partir de sua própria experiência. Sem dinheiro, a única saída para ler era por meio dos empréstimos, ou quando encontrava livros baratos em sebos – vendas de segunda mão. Mas, mesmo assim, todos os espaços de leitura e de aquisição de livros estavam localizados no centro da cidade naquela época, e Jean precisava, constantemente, se deslocar para bairros mais distantes de onde morava. Além de ser caro, ele também se sentia desconfortável por estar em alguns lugares. “A sensação era de estar transgredindo regras ao mexer nos livros das estantes arrumadas”, lembra.

Ao saber de um sebo que ia fechar perto de seu bairro, Jean prontamente se colocou a ajudar, tendo então a primeira experiência como livreiro. O pagamento no chamado “Sebo do Davi” era poder ler todos os livros que conseguisse nos intervalos do cursinho e, posteriormente, da universidade. Depois disso, Jean também ajudou uma amiga a montar um sebo itinerante, que ela toca até hoje com a mãe.

“Essa breve experiência me fez querer criar um sebo no Jurunas. Na época, era algo muito incomum, estranho até para mim, e questionado por todos. Com ajuda da minha mãe, que vendia bijuterias na minha rua, consegui montar uma pequena prateleira de livros. Eu tive ajuda de muitos amigos no começo, e com o tempo conquistei minha família e os convenci a fazer parte. Para minha surpresa, as pessoas não só compraram livros como me doaram muitos outros. Comprei vários livros com os lucros dos que foram vendidos e, quando percebemos, eles já eram mais da metade da loja de bijuterias”, destaca Jean.

Com três anos de atuação no bairro do Jurunas, em Belém, foi ficando evidente que o espaço físico ficava pequeno para a quantidade de livros, além de pouco atraente para crianças e jovens. O pontapé inicial para a mudança veio do irmão de Jean, Guydo, que o instigou a pensar sobre a rua onde moravam. “Passamos a pensar, nós dois, sobre uma biblioteca, e depois, com mais gente, pensamos em uma galeria de arte e um coworking gratuito. O café foi a última coisa que idealizamos. Achamos que as pessoas mereciam passar mais tempo no Gueto e não queríamos que elas tivessem que ir para casa para se alimentar. Nós mesmos queríamos ter tido essa experiência mais jovens”, relembra o idealizador.

Hoje, o espaço atrai pessoas de todas as idades, com interesses diversos. Há quem vá pela leitura, pelo ambiente verde, pelo café, pela arte e muito mais. O Gueto Hub, com o tempo, passou a ser um local aconchegante, de todos, onde os moradores da periferia são bem-vindos independente de qualquer coisa, tendo ou não acesso à educação e à leitura. A fachada colorida dá vida para a travessa Quintino Bocaiúva, quase na esquina com a avenida Roberto Camelier.

Vetor de mudança

Para a comunidade no entorno, o Gueto Hub tem sido o gatilho para uma série de mudanças positivas que foram observadas e ainda estão ocorrendo pelo Jurunas. “Muita gente só tem esse lugar para ‘fugir’ do caos da cidade e das pressões pessoais. Um espaço sem cerimônias, não tem guichê para você guardar sua mochila e ninguém vai ficar contabilizando os livros, pois eles foram feitos para serem abertos por olhos, mãos e mentes curiosas. Nosso empréstimo é desburocratizado, através de mensagens. As mudanças podem ser vistas na prática, nas mobilizações, nas reivindicações, tudo está mudando e temos orgulho de dizer que fazemos parte de alguma forma”, comemora Jean.

A mensagem do Gueto está tão difundida que vários artistas já entraram em contato com os criadores para ajudar no processo criativo. Hoje a equipe cria projetos de curadoria, de exposição, de museologia e outros; e, devido ao alcance que o espaço teve ao ser inaugurado, Jean diz que uma chuva de artistas procurou o Gueto. Muitos valores praticados no Hub são seguidos também na hora de firmar parcerias. Os artistas do bairro têm preferência, assim como os que dialogam com a periferia de alguma forma e geram reflexões com resultados positivos, que ajudam na valorização e autoestima dos moradores da periferia, tão dignos quanto os do centro.

Sebo do Gueto

O sebo periférico criado por Jean em 2018 faz parte de uma franquia social que já alcançou outras periferias do Brasil, como Belo Horizonte, Castanhal, Ananindeua, Caxias do Sul, São Raimundo no Piauí e Icoaraci. O “Sebo do Gueto” nasceu para aumentar o número de livrarias em comunidades, incentivando aluguel e doação de livros a preços acessíveis e formando uma rede para a democratização da leitura nas periferias brasileiras.

"Muitos dos valores que praticamos no Hub vieram do Sebo do Gueto. Para 2022, estamos preparando uma chamada para conhecer mais leitores periféricos. Através dessa base de dados, vamos ajudar na escolha da cidade, na formação de um livreiro e na estruturação de um sebo. A gestão desse ano está sendo dividida com integrantes da rede, principalmente pela galera de Belo Horizonte, o primeiro sebo replicado do Jurunas, e isso me dá uma sensação de dever cumprido”, ressalta Jean.

Mas para que o Hub chegasse onde está muitas mãos ajudaram. “O Gueto também surgiu da vontade de reformar uma antiga escolinha comunitária, que funcionou há uns 20 anos atrás. Depois que a gente começou a reforma, muita gente veio ajudar, como uma rede de bibliotecas comunitárias chamada Amazônia Literária e até outra biblioteca comunitária chamada Nossa Biblioteca, no Guamá, nos ajudou com a organização, pois ainda não tínhamos experiência com uma. Participamos também de um edital muito concorrido chamado Periferia que Faz, fomos um dos 12 projetos dentre milhares no Brasil inteiro. Ganhamos R$ 20 mil. E tive muito a ajuda do meu pai, que é mestre de obras. As estantes ainda foram doadas por uma livraria, quando ela trocou”, relembra Jean, com gratidão.

Neste sábado (5), haverá uma programação musical no Gueto Hub, às 16h. O idealizador explica que as atividades estão reduzidas porque o grupo está participando de um projeto de muralismo na rua do Gueto e a casa funciona como apoio para materiais e reuniões. Uma novidade é que o Museu D’água, outro projeto que nasceu no Hub, já se programa para voltar. “Tudo isso está acontecendo aqui na Quintino, e essa concentração de iniciativas vai mudar o que nós e os outros pensamos sobre este lugar, o nosso lugar”.

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