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Educação mobiliza ações de transformação social

Grupos atuam para ensinar poesia, dança, costura e outras práticas a pessoas em situação de vulnerabilidade

Elisa Vaz

A educação é um instrumento capaz de transformar a vida de muitas pessoas. Embora seja garantida por lei, quem vive em situação de vulnerabilidade socioeconômica não tem acesso a uma educação de qualidade e precisa recorrer a projetos sociais em busca de conhecimento. Outubro, mês do professor, é um período para lembrar a importância de alcançar essas comunidades por meio do ensino.

A professor Lília Melo, que é educadora e já foi reconhecida nacionalmente por sua atuação junto a projetos sociais de educação, afirma que os maiores desafios para esta área no Brasil, principalmente no contexto de pandemia, é ampliar a concepção do que se entende enquanto educação. “Ela não deve ser compreendida apenas pelo viés acadêmico, mas pela valorização de outros saberes e conhecimentos, principalmente a respeito dos territórios periféricos, em que a sabedoria é ancestral e não é reconhecida nem valorizada pela academia, mas ela educa, forma, e a formação é eficaz, atrelada à realidade do sujeito e torna-se um instrumento de transformação”.

Para Lília, a educação é o principal instrumento e ferramenta de transformação social que existe. O que deve ser feito para alcançar mais pessoas e ampliar o alcance, na avaliação da educadora, é fortalecer a rede de comunicação e produção, mas alicerçado sempre em uma rede afetiva. “Preciso ouvir o outro, compreender e construir um espaço que seja agradável e saudável”, avalia ela, que é coordenadora do projeto Cine Club TF.

Projetos ajudam pessoas por meio da educação

O espaço cultural Casa Preta, no distrito de Outeiro, em Belém, já atua como grupo social há quase 12 anos. Antes, era realizado no bairro da Terra Firme, mas há quatro anos o projeto funciona na ilha, com oficinas, interferências, debates e discussões para produção ideológica e cultural de ideias pan-africanistas. O coordenador-geral da Casa Preta, Anderson de Sousa, conhecido como Don Perna, explica que o projeto surgiu do encontro entre quatro jovens negros no Pará em 2008.

A amizade e a militância entre ele e os outros participantes do Casa Preta cresceu com o passar do tempo e as atividades do movimento negro e hip-hop pela cidade se fortaleceram, e eles começaram a criação de um espaço coletivo que propusesse atividades culturais e sociais para o bairro. O apelido “Casa dos Pretos” com o tempo passou a ser Coletivo Casa Preta, uma casa de cultura que agrega sonhadores, principalmente de maioria negra e periférica. Com o passar de alguns anos o Coletivo passa estabelecer uma relação de harmonia com a comunidade ao seu redor.

“A educação é fundamental para quem trabalha com cultura, não dá para separar, ainda mais com a cultura preta, de combate ao racismo. Quando você utiliza a cultura como um caminho para educar jovens e crianças, vai garantir o futuro e a continuidade de valores civilizatórios que o eurocentrismo tirou de rota. A nossa contribuição à educação é com a cultura. Trabalhamos com o empreendedorismo para fazer com que a juventude se insira nesse processo, e com o protagonismo da juventude negra” afirma Don.

Para ele, o impacto da Casa Preta ocorre também na comunicação e no acesso à tecnologia. O coordenador do projeto diz que, quando a comunidade, em sua maioria, é formada por pessoas negras e elas têm acesso a isso, se colocam melhor no mundo. “Ele se apresenta melhor e trabalha em coletivo, com ações comunitárias. A proposta é fazer com que eles e suas famílias se transformem em seres pensantes”, avalia. O grupo está fazendo agora uma oficina de dança e está retomando outras atividades, como as oficinas de percussão e construção de instrumentos, além de atividades sociais junto com outros coletivos, com rodízios de palestras, oficinas e rodas de conversa sobre violência sexual contra crianças e adolescentes.

Na Universidade Federal do Pará (UFPA), dentro do Time Enactus, há vários projetos que envolvem a educação, voltados para o empreendedorismo. Um deles é o CosturaÊ, que ensina mulheres a costurar e vender os produtos no mercado. O grupo de ensino já existe há quatro anos e, atualmente, é composto por quatro mulheres. No início, eram oferecidas aulas de crochê e empreendedorismo, mas a equipe conseguiu fundar um ateliê próprio e passou a ensinar noções de corte e costura para as integrantes. Todas as alunas têm um sonho em comum: seguir carreira na área da costura.

Durante as aulas, as mulheres aprendem e produzem. Elas têm suporte no ateliê, com máquinas de costura e materiais doados para ajudar no trabalho. A venda e o escoamento dos produtos são feitos por meio das buscas de clientes e, principalmente, em eventos e feiras dos quais as integrantes participam e por meio das redes sociais. Existe uma rotatividade de capacitações do ramo da moda – elas são ministradas por pessoas que dominam técnicas e se disponibilizam para atuar no projeto como parceiros voluntários. O ateliê fica localizado em uma sala na escola Ruth Rosita, no bairro do Guamá, e é lá que se concentravam os trabalhos e maquinários.

Segundo a líder interina do CosturaÊ, estudante de direito Inara Tavares, de 21 anos, com algum tempo atuando no mercado, a marca, já conhecida no ramo do empreendedorismo social, firmou diversas parcerias a fim de desenvolver e aprimorar as habilidades das mulheres integrantes do projeto. “Nossa última capacitação contou a parceria da professora de moda Yorrana Maia, que ministrou uma aula sobre o Desenvolvimento de Coleções de Moda. Mas com o avançar da pandemia, em 2020, houve a descentralização das produções e, dessa forma, cada costureira passou a realizar os trabalhos de sua casa. Agora, aos poucos, estamos retornando as atividades no nosso espaço com muitos planos e perspectivas para o futuro”, garante.

O grupo tem como pressuposto o empreendedorismo social como meio de superar a situação de vulnerabilidade socioeconômica e de promover a justiça de gênero e produção sustentável. Portanto, realiza capacitações profissionalizantes e técnicas, de corte e costura, modelagem e artesanato, aliadas ao desenvolvimento de uma linha de produção de peças em tecido, como roupas, bolsas e acessórios, e posterior venda dos produtos finais e retorno financeiro para a comunidade atendida pelo projeto. Além disso, são desenvolvidas capacitações geracionais, de marketing pessoal, controle de vendas, dentre outros trabalhos que envolvem motivação, desenvolvimento pessoal, resgate de autoestima e autoconfiança.

“Desta forma, é possível proporcionar o empoderamento da comunidade, visto que as mulheres aprendem e aperfeiçoam habilidades, tornando-se mais qualificadas e, consequentemente, auxiliando na busca por estabilidade econômica. O fornecimento desses estudos específicos é imprescindível para o desenvolvimento da independência profissional e pessoal das mulheres integrantes do projeto”, opina Inara.

Outro projeto que tem atuação na área da educação é o ProAme-se, um Grupo de Trabalho (GT) de poesia preta e literatura afro que faz parte Cine Club TF. “Na poesia preta, desenvolvemos a liberdade de expressão de meninas e mulheres pretas periféricas que foram, desde muito cedo, silenciadas e ensinadas a serem tímidas. Estimulamos o autoconhecimento, o autocuidado e o amor próprio”, conta a coordenadora da equipe, Natasha Angel.

Segundo ela, foi percebida a necessidade de trabalhar a timidez desde a infância, criando, então, uma forma de quebrar o silenciamento imposto a elas. Assim, surgiu o entrelaçamento da poesia preta com a literatura afro, no intuito de estimular na criança o reconhecimento da sua identidade sociocultural, afro-indígena-ribeirinha. Para isso, o grupo usa como principal ferramenta a contação de histórias com essas representatividades, para que, desde pequenas, as crianças reconheçam e valorizem suas origens, sabendo de onde vêm, qual chão pisam e quais os seus sonhos.

“O incentivo da leitura para jovens e crianças, por si só, já é de extrema importância em sua vida acadêmica e social. Porém, sabemos que a leitura não é muito almejada pela juventude, então buscamos mecanismos para atrair esses jovens, como a poesia preta, que é algo bem representativo para elxs. É sua história, sua vivência, crença. A poesia facilita essa comunicação, tanto na escrita, quando se expressa, quanto na oralidade, para que se tenha uma boa comunicação com a sociedade”, diz Natasha.

Aos finais de semana, o grupo ocupa praças, carregando vários livros infantis, com histórias afro-indígena-ribeirinhas. As crianças do bairro são reunidas, fazendo intervenções lúdicas com direito à contação, encenação, brincadeiras e perguntas sobre as histórias contadas na poesia preta. “Acredito que, quando damos esse espaço para os jovens consideradxs aquelxs ‘que não querem nada da vida’, abrimos portas para que tenham uma chance de serem reconhecidxs como pessoas que possuem sonhos e vontades, dando voz e vez em uma sociedade para serem respeitadxs”.

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