Dia da Língua de Sinais celebra avanços nos direitos das pessoas surdas

Embora no Brasil a Libras seja uma grande conquista, ainda precisa ser universalizada para garantir comunicação entre todos

Elisa Vaz

Embora os direitos das pessoas com deficiência sejam garantidos pela legislação brasileira e elas sejam vistas com igualdade em relação ao restante da sociedade, muitos entraves ainda são enfrentados por quem luta pela inclusão dessa comunidade nos âmbitos social e político. No caso específico das pessoas surdas, criar reflexões e debates sobre a garantia desses direitos é um dos objetivos do Dia Internacional da Língua de Sinais e Dia Nacional dos Surdos, ambos celebrados nesta semana – 23 e 26 de setembro, respectivamente.

A presidente da Associação dos Tradutores e Intérpretes de Língua de Sinais do Pará (ASTILP), Denise Martinelli, afirma que a data é muito importante para todos os usuários das línguas de sinais do mundo inteiro, porque, por muitos anos, essas línguas não eram reconhecidas com este status e as pessoas surdas eram proibidas de se comunicar por meio de sinais, além de serem obrigadas a aprender a oralidade da língua vocal do seu país.

“É uma data que representa várias conquistas de direitos linguísticos para a comunidade surda. A língua de sinais é a língua natural das pessoas surdas, é por meio dela que esses sujeitos aprendem e apreendem o mundo ao seu redor. Cada país tem a sua própria língua de sinais, aqui no Brasil os surdos se comunicam por meio da Língua Brasileira de Sinais (Libras), na França é a Língua Francesa de Sinais, e assim por diante. É importante destacar que uma língua de sinais não é a forma gestual da língua vocal utilizada no seu país, mas sim são línguas independentes com estrutura e gramática própria”, comenta.

Segundo Denise, as línguas de sinais sempre existiram, e há relatos desde a antiguidade, mas sem uma data definida para a sua criação. O objetivo delas é o mesmo das línguas vocais: comunicar, adquirir conhecimento e ter acesso às informações; por isso são chamadas de “línguas”,  pois têm o mesmo status das línguas vocais.

“Desde a antiguidade, as línguas de sinais evoluíram bastante, a ponto de serem reconhecidas por grandes pesquisadores da linguística e filósofos, como Saussure e Bakhtin. No Brasil, em 2002, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) foi reconhecida como meio legal de comunicação e expressão das pessoas surdas e de outras pessoas que fazem parte dessa comunidade, por meio da Lei 13.436”, lembra a presidente da Associação. Com isso, ela diz que muitos avanços foram alcançados, e que é possível ver que a inclusão das pessoas surdas tem ganhado destaque nas escolas e universidades, principalmente.

Além desses ambientes, programas de televisão, em canais públicos e privados, também passaram a adotar uma janela com o intérprete de Libras, além de entretenimentos como apresentações teatrais, shows, lives musicais, filmes, talk shows e palestras em geral. Entretanto, para que a conquista seja plena, Denise diz que é preciso que a Libras esteja em todos os espaços de informação e comunicação – para isso, é necessário que a sociedade reconheça que esse é um direito linguístico básico de qualquer cidadão.

Trabalhadores surdos sentem dificuldade na comunicação

O professor de Libras Arlindo Gomes de Paula, de 62 anos, é um dos tantos profissionais que percebem as dificuldades da linguagem de sinais na sociedade. Ele foi diagnosticado com uma inflamação no ouvido chamada otite interna, aos três anos de idade, e foi perdendo a audição até os sete. Com perda total das habilidades de ouvir, Arlindo hoje apresenta um tipo de surdez severo e profundo. Mas isso não impediu que ele seguisse na área da inclusão social e se tornou professor universitário na educação especial e inclusive, com pós-graduação em Libras, gestão escolar e educação especial, além de ser uma liderança surda no Estado do Pará.

Arlindo conta que, em toda a sua experiência de vida pessoal, social e profissional, sempre houve a dificuldade de acessibilidade de comunicação nos espaços públicos e sociais, principalmente no ambiente de atendimento médico, hospitalar e educacional, por conta da ausência de usuários da Libras nas escolas, hospitais e outras repartições públicas, assim como a não inserção de profissionais da área de tradução e interpretação de Libras nesses espaços.

“A Libras é uma língua visual espacial, desprovida de sons e que se apresenta como  um meio de comunicação acessível a nós, surdos ou ensurdecidos, em virtude da  dificuldade de obter as informações sociais através da audição, devido à ausência da habilidade para ouvir e discriminar as palavras citadas oralmente. Neste sentido, a língua de sinais nos concede oportunidades de participar de forma ativa no meio social em que vivemos, considerando que todo ser humano tem em si a habilidade de compreender e conceituar o mundo à sua volta por meio da percepção visual antes  de fazer uso da palavra – dizer de Paulo Freire. A língua de sinais é indispensável e preciosa fonte de vida para nós, surdos, pois quebra as barreiras de comunicação e nos permite dialogar sobre diferentes assuntos em diversos contextos”, opina o professor.

Desde a infância, Arlindo diz que sonhava em participar de forma efetiva da sociedade, e com isso alimentou expectativas de vida. Procurou direcionar sua formação  profissional para a área de educação especial, educação bilíngue para surdos, gestão escolar, gestão pública e empresarial, pedagogia  e letras. “Como um sujeito surdo, tinha um papel social a desenvolver para a promoção  de alternativas  de  acessibilidade social, educacional e de comunicação”, ressalta. Além de toda sua atuação profissional, Arlindo ainda desenvolve ações de assessoria às famílias, orientações aos professores e aos surdos, orientação de artigos científicos e trabalhos acadêmicos que tratam acerca da acessibilidade social educacional e de comunicação. Ele também tem ações de empreendedorismo na área de formação continuada para tradutores e intérpretes de Libras, com cursos de formação continuada.

Hoje, ele também comemora o fato de que a comunidade surda paraense e brasileira tem conquistado avanços promissores no campo de formação acadêmica, com muitos  surdos com formação superior nas áreas de pedagógica, design gráfico, estética, educação física, odontologia, enfermagem e outras profissões consideradas para pessoas  ouvintes. Fora isso, ele ressalta que existem surdos com mestrado e doutorado.

Avanços são garantidos em leis

Ao longo dos últimos anos, várias conquistas foram previstas na legislação para as pessoas surdas, segundo o presidente da Comissão de Proteção aos Direitos das Pessoas com Deficiência da Ordem dos Advogados do Brasil Seção Pará (OAB-PA), Evandro Alencar, que é advogado, mestre em direito e tem atuação especializada nos direitos desse grupo de pessoas. Segundo ele, um destaque é a Lei Brasileira de Inclusão e a Convenção sobre Direito das Pessoas com Deficiência. Há também a própria obrigação e valorização dos tradutores e intérpretes de Libras, assim como a ampliação de recursos de acessibilidade, como legendas, audiodescrição e janelas de intérpretes.

No Brasil, no entanto, esses direitos carecem de uma efetivação prática e maior alcance às pessoas que necessitam de inclusão, afirma o especialista. “A data tem o intuito de lembrar a todas as pessoas da necessidade de inclusão do outro e de suas diferenças, em especial das pessoas integrantes da comunidade surda. A data foi escolhida pela Organização das Nações Unidas (ONU) como uma maneira de celebrar a cultura das pessoas surdas e a promoção e preservação da língua de sinais”, argumenta.

O presidente da comissão diz que seria ideal que a Libras fosse difundida por todos, e que é muito importante que isso aconteça. Faz-se necessária, na opinião de Evandro, a adoção de medidas que efetivem a legislação que trata sobre o direito de acesso à informação e à ampla acessibilidade comunicacional. O Brasil tem uma das melhores legislações sobre proteção aos direitos das pessoas com deficiência, mas tem grande dificuldade para sua implementação, diz ele.

“As políticas públicas já traçadas têm muita qualidade, todavia, carecem de uma atenção e interesse estatal para ampliar o acesso e o respeito a esses direitos. No caso da inclusão das pessoas surdas, é importante promover medidas que ajudem na popularização, ensino e valorização da língua brasileira de sinais. Além disso, é muito importante uma mudança cultural que adote o respeito para as pessoas com deficiência, que desmistifique os preconceitos existentes e que faça valer esses direitos para enfrentar a exclusão sofrida no cotidiano”, avalia. O advogado orienta que a comunidade surda deve lutar pelos seus direitos junto aos órgãos estatais competentes, como a Defensoria Pública, o Ministério Público e o Poder Judiciário.

Já a presidente da Associação dos Tradutores e Intérpretes de Língua de Sinais do Pará (ASTILP), Denise Martinelli, diz que há um leque de legislações que reconhecem e instituem a utilização da Libras em espaços públicos e privados: a Lei de Libras citada anteriormente; o decreto 5.626/2005, que regulamenta essa legislação; a lei 10.098/2000, que fala da acessibilidade à comunicação e à informação para pessoas surdas; a LBI 13.146/2015; e a última conquista da comunidade surda foi a inclusão do ensino bilíngue na lei 14.191/2021. Hoje, portanto, os surdos podem frequentar os espaços públicos e privados e exigir que tenham acessibilidade na sua própria língua.

“Acredito que todas as pessoas na sociedade devem reconhecer que as línguas de sinais são, de fato, línguas, e não apenas um conjunto de códigos de sinais e gestos ou uma linguagem dos surdos. Por anos e anos essa foi uma ideia muito forte presente no imaginário da sociedade, por isso uma boa parte da população ainda não encara as línguas de sinais com a devida importância. O ideal seria que a Libras, no caso do Brasil, fosse ensinada desde o ensino básico, em todas as escolas, e que as pessoas continuassem aprendendo na fase adulta. Não sabemos quando iremos encontrar uma pessoa surda na escola, no trabalho, no bar, na rua, na vizinhança, em qualquer lugar, então é mais fácil se comunicar com ela quando já conhecemos o seu idioma”, aponta.

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