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Comunidades ribeirinhas alimentam parte de Altamira com produtos livres de agrotóxicos

Ações fazem parte de um edital do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), lançado em 2020 pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), do governo federal

O Liberal

A biodiversidade da Reserva Extrativista Rio Xingu, no Pará, é fonte direta para produzir alimentos a partir dos saberes amazônicos e nutrir milhares de famílias por meio do manejo das comunidades locais. Criada em junho de 2008, a Resex tem uma área de 303 mil hectares , ou seja, duas vezes a área da cidade de São Paulo. Hoje, segundo a Associação de Moradores do Médio Xingu (Amomex), 51 famílias ribeirinhas vivem na Reserva.

Um grande diferencial que o próprio satélite mostra é que a floresta está em pé em todo o território porque as pessoas que fazem parte da comunidade cuidam dela. Animais, plantas e as atividades se repetem e se reproduzem nas casas, em uma economia que cuida do presente e do futuro. Entre tudo que é feito e produzido, há o destaque para a coleta da castanha-do-Pará, da seringa e do coco babaçu, que fazem parte de uma ampla lista de produtos da floresta, além da farinha de mandioca, bananas, abacates, cará, mandioca, goma de tapioca e outros alimentos.

Toda a produção dos ribeirinhos e indígenas é sem agrotóxicos, feita nas roças tradicionais, e o excedente é enviado para Altamira, já que as associações de moradores das reservas extrativistas se organizaram e decidiram acessar um edital do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), na modalidade Compra com Doação Simultânea, lançado em 2020 pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), do governo federal. O PAA, criado em 2003 no âmbito do Programa Fome Zero, foi rebatizado no final de 2021 como Programa Alimenta Brasil, mas manteve as finalidades de promover o acesso à alimentação e incentivar a agricultura familiar.

Mesmo com as reduções orçamentárias no PAA, o que implica em menos alimentos comprados e distribuídos e menos incentivo à agricultura familiar, a política pública funciona. O edital acessado pelos ribeirinhos, com valor total de apenas R$ 215 mil, resultou em cestas com o que há de melhor na região para combater a fome durante a crise sanitária da covid-19 na periferia de Altamira. Até agora, mais de 10 toneladas de alimentos produzidos a partir dos saberes das comunidades já foram distribuídos com a ajuda de parceiros. E até o fim de 2022 o número deve chegar a 50 toneladas.

O fato é que este excedente da produção poderia chegar com mais frequência à cidade para combater a fome. O município, com uma população de cerca de 115 mil pessoas, apresenta uma realidade dura: segundo o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), há cerca de 1.500 famílias cadastradas em estado de vulnerabilidade social apenas na entidade.

Secretária de assistência e promoção social de Altamira, Maria das Neves Morais de Azevedo, diz que “a nossa região é perfeita, não falta nada com relação à terra aqui nesse nosso Estado, sobretudo aqui no Xingu. O que falta são incentivos, são investimentos que respeitem tudo isso e façam com que as pessoas todas tenham o direito de fato”, observa. A secretaria coordenada por Azevedo, parceira dos ribeirinhos, vem recebendo e distribuindo os alimentos de suas roças para os Centros de Referência de Atendimento Social (Cras), portas de entrada das famílias para receber atendimento da Prefeitura. “O que precisa, talvez, seja mais consciência para que se tenha mais, para que se produza mais, para que se partilhe mais e também para que isso possa chegar com mais frequência à nossa região”, continuou.

Como destaca o coordenador do MAB, Jackson Dias, Altamira é o maior município brasileiro, com 95% de área rural, mas, mesmo assim, as pessoas no centro da cidade passam fome. A entidade também recebe e distribui os alimentos das roças ribeirinhas. Conseguir acessar o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) é "uma forma de resistência na Amazônia", para Dias. "O agroextrativista só vai permanecer lá na Unidade de Conservação se ele tiver condição de produzir, se ele tiver assessoria técnica e se tiver condição de escoar sua produção, vender sua produção. A preservação só pode ser feita com pessoas lá, com pessoas que têm consciência ambiental, mas também com pessoas que tenham condições de permanecer naquele local”, enfatiza.

Moradores se beneficiam

A força e a insistência no PAA, e em outras políticas públicas para a segurança alimentar, mesmo com todas as suas dificuldades, mostra que elas são boas para quem produz e são indispensáveis para quem recebe os alimentos. A produção de Marinês Lopes de Souza é um dos destaques. Só no quintal, em cinco minutos de olhar atento, tem caju, pato, murici, galinha, manga, peru, andiroba, porco, castanha-do-Pará, temperos, macaxeira, bananas, castanhais e babaçuais, entre outros.

Mães sozinhas ou desempregadas, abrem e recebem o alimento e dizem sem exceção: "veio em boa hora". "Tu sabe a peleja que a gente passa e a gente só tem a agradecer quando a gente recebe essas coisas, principalmente alimentação, que é muito dificultoso para a gente. Às vezes a gente amanhece o dia, a gente não tem nem o café para dar para os filhos da gente", disse Eulaine Lemos, moradora do bairro. “A gente tá levando o restinho de uma cesta que a gente ganhou no mês passado. Essa aqui será bem-vinda, a gente tava precisando de uma farinha que a minha tinha acabado. Essa aqui foi mandada na hora certa", completa.

O técnico em informática Efraim Dimas deixou a Venezuela em 2018 para tentar a vida no Brasil. Está desempregado e depende da cesta. "Através da assistência social, recebi os produtos rurais. Minha esposa gosta muito. Ela é gestante. Ela está quase pra ganhar bebê. Isso supriu muita coisa em nossa casa", afirmou.

As ações de distribuição de alimentos das roças ribeirinhas por meio do edital do PAA contam com o apoio do Instituto Socioambiental (ISA), da União Europeia, da Fundação Moore e da Fundação Rainforest da Noruega.

Fonte de renda

A marca coletiva da rede se chama “Vem do Xingu”, que vende para empresas, para o comércio local e de outros Estados e vende para a merenda escolar dos municípios da região. Os carros-chefe da produção são as toneladas de castanha-do-Pará, de borracha e de farinha do coco babaçu. O grupo também decidiu atuar no combate à fome nos centros urbanos, com a possibilidade de valorizar as roças dos ribeirinhos e garantir uma nova fonte de renda.

O coordenador da Associação dos Moradores da Reserva Extrativista Rio Iriri (Amoreri), Francinaldo Lima, diz que esse é o primeiro edital do PAA com doação simultânea que os ribeirinhos conseguem acessar, e a breve experiência já mostra alguns aprendizados. O valor do produto indicado pela Conab não cobre o valor da logística para fazer a operação funcionar. Em seu ponto mais próximo da Altamira, a Reserva Extrativista Rio Xingu fica a 150 quilômetros de barco da cidade. O trajeto é custoso. "Precisamos, às vezes, de algum parceiro para subsidiar o valor do produto, porque muitas vezes o produto chega aqui com um valor abaixo do mercado local", observou Lima.

Outro desafio, segundo ele, é que o grupo precisa ter um capital de giro próprio para pagar o produtor, porque a política pública também não prevê um adiantamento. "A gente precisa pagar o produtor e deixar ele tranquilo, até para que ele possa voltar para a sua roça, voltar para a floresta e continuar seu trabalho”. Mesmo com melhorias necessárias no processo, Lima considerou o saldo da ação uma "experiência incrível". "É muito importante trabalhar com recursos de políticas públicas. Para as comunidades, em ano de baixa produção de castanha, ter essas opções é muito importante para valorizar a economia da floresta", sublinhou.

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